segunda-feira, 5 de maio de 2014

Bairro da Liberdade em SP é marcado por variedade étnica

Liberdade já tem bolivianos, e até mesmo todo um circuito religioso

Ana Carla Bermúdez
Quem passeia pelo bairro da Liberdade, em São Paulo, muitas vezes não imagina as transformações pelas quais ele já passou e continua passando. No imaginário do paulistano comum, o bairro permanece como uma marca da imigração japonesa no Brasil. No entanto, Danilo Ide, pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social do Instituto de Psicologia (IP) da USP, mostra em sua tese de doutorado que, para seus moradores, o bairro não é apenas isso, refletindo a presença de pessoas de diversas origens étnicas.  Por meio de entrevistas e de suas “perambulações” (caminhadas pela Liberdade, acompanhadas de uma câmera na mão), o pesquisador buscou uma abordagem relacionada ao cotidiano dos moradores, retratando assim as relações de cada um com o bairro.
Ide relata que a escolha pelo bairro da Liberdade como tema de sua pesquisa coincidiu com as comemorações do centenário da imigração japonesa no Brasil, em 2008. “Até então eu nunca tinha procurado muito sobre as minhas referências japonesas, e nessa época comecei a ler algumas coisas sobre a história dos imigrantes aqui no Brasil”, afirma o pesquisador, que acrescenta: “Eu via muitas histórias da Rua Conde de Sarzedas, que na minha cabeça não era uma referência da Liberdade dos japoneses. Então, resolvi passear por lá para ver o que tinha hoje, se havia alguma relação.”
O pesquisador conta que a rua faz parte de uma região do bairro que não se assemelha à imagem da Liberdade decorada de modo japonês ou chinês. Em seu trabalho, ele explica que a conhecida decoração oriental da Liberdade, que se concentra em locais como a Praça da Liberdade, a Rua dos Estudantes e a Rua Galvão Bueno, surgiu a partir de um projeto de revitalização do bairro e foi inaugurada em 1974. O projeto previa dar um novo ânimo ao local, que sofrera desgastes devido à construção da Avenida Radial Leste e das estações de metrô São Joaquim e Liberdade.
Mesmo com a variedade étnica daqueles que escolhiam se estabelecer no bairro — taiwaneses e coreanos começaram a chegar a partir de 1960 —, a identidade visual da Liberdade sempre se manteve predominantemente japonesa. Ide observa ainda, que as medidas tomadas para realizar alterações no bairro nunca tiveram a Liberdade como local de moradia, mas sim de comércio ou de passagem. Por isso, ele optou por colocar os residentes no centro de sua pesquisa, buscando assim encontrar uma outra compreensão do bairro.
Foco visual
Ide reuniu um total de sete moradores voluntários: uma brasileira, três japoneses e três chineses. A filmagem foi escolhida por ser uma boa maneira de representar o foco visual que o pesquisador buscava, e acabou sendo, também, “legal conciliar meu gosto pelo cinema com a pesquisa”, explicou. Para um melhor estudo da relação do ser humano com seu entorno, foram os próprios participantes que, quando se sentiram confortáveis com a câmera, filmaram o bairro. Eventualmente, Ide realizou algumas filmagens. Analisando os vídeos, o pesquisador constatou algumas semelhanças entre eles, como o teor das conversas, que não era de demasiada profundidade. Falava-se dos estabelecimentos locais, como restaurantes e mercearias, e o que se comentava deles era apenas se eram conhecidos ou não, baratos ou caros, com comida boa ou ruim.
O pesquisador relata que, até então, sua preocupação maior era em ver o bairro da Liberdade. “A Liberdade, para mim, sempre teve ligações com a comunidade japonesa”, afirma. No entanto, conforme a realização da pesquisa, Ide diz ter mudado seu conceito sobre o local: “Comecei a ver que não é só essa imagem japonesa do bairro, agora a Liberdade tem até os bolivianos, e até mesmo todo um circuito religioso… não só igrejas como também centros de umbanda e candomblé”.
Além disso, analisando os vídeos, ele percebeu que os participantes davam muito mais importância ao sabor dos pratos dos restaurantes do que ao apelo visual do bairro. “O contato com eles realmente foi surpreendente, porque eu estava só pensando na questão da visualidade do bairro, a paisagem, a decoração oriental, e esse contato com os moradores me fez perceber que a Liberdade não se resume a isso”, afirma. O pesquisador acrescenta, ainda, que “esse contato com os moradores foi bastante rico para eu poder sair mesmo da compreensão mais habitual do bairro”.
Assim, ele aponta uma pequena diferença entre o turista e o morador do local: enquanto o primeiro o trata com a distância da visão, o segundo o aprecia com a intimidade do paladar. No entanto, isso não pode ser visto como uma segmentação ou uma dicotomia, pois o turista eventualmente tem relações com a comida que se encontra no bairro. Além disso, Ide conclui que da mesma maneira que a imigração japonesa modificou a Liberdade ― que antes abrigava italianos, o fluxo boliviano atual no bairro possivelmente chegue a alterá-lo no futuro. Portanto, é necessário compreender a paisagem ainda em processo de formação, ou seja: é preciso considerá-la viva.

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