Por Alberto Dines em 17/03/2015 na edição 842
Quatro circunstâncias foram decisivas para convencer a equipe do programa de TV doObservatório da Imprensa a pautar o Caso SwissLeaks na edição levada ao ar na terça-feira (10/3, remissão abaixo):
1. O enorme interesse suscitado pelo megavazamento na imprensa internacional, sobretudo europeia, e a decisão do Comitê de Redação do prestigioso Le Monde de publicar a lista de todos os correntistas, a despeito do veto simbólico dos acionistas majoritários.
2. A visível hesitação da grande mídia brasileira em entrar com vontade no assunto apesar de sua evidente importância.
3. O ineditismo dos procedimentos adotados pelos detentores da lista (Le Monde) entregando-a ao Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês), entidade formada por 185 repórteres investigativos em 65 países, desde que cada nome fosse previamente investigado pelas seções nacionais a fim de evitar equívocos e injustiças. A decisão contrariava frontalmente a práxis vigente em nossos jornais de reproduzir integralmente – sem qualquer averiguação preliminar – as denúncias secretas que chegavam às redações com dossiês, vídeos, cassetes e fitas. O fenômeno levou este observador, em fins dos anos 1990, a batizá-lo como “jornalismo fiteiro” – em que o repórter é apenas um intermediário passivo.
4. Ao saber que o jornalista Fernando Rodrigues, ex-colunista da Folha de S.Paulo, responsável por um blog no portal UOL e um dos mais empenhados criadores da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) fora escolhido pelo ICIJ para coordenar a operação brasileira, a produção do programa prontamente assegurou a sua participação e, logo em seguida, a da ombudsman da Folha, Vera Guimarães Martins, que já tratara do assunto em coluna recente (em 1/3, ver “Teoria conspiratória nº 8.667”). Garantidas as participações em Brasília (FR) e São Paulo (VGM), faltava ao time um debatedor carioca, vaga logo preenchida quando a produção foi informada que o repórter investigativo doGlobo Chico Otávio, profissional premiado e participante habitual do programa, acabara de ser convidado pelo ICIJ para participar da rede de investigadores.
Primado da independência
O programa foi exibido na terça-feira (10/3) e tratou principalmente das questões centrais: o prudente procedimento adotado pelo consórcio detentor da megalista, contrariando a velha rotina do “jornalismo fiteiro” adotada arbitrariamente pelos porteiros de nossas redações ao publicar denúncias sem um mínimo de investigação prévia.
A outra questão atendia às insistentes reclamações de outros profissionais independentes, principalmente blogueiros, que consideravam injusta a exclusividade concedida aos dois conhecidos jornalistas. Queriam a socialização do “furo”.
>> Avalie o conteúdo e a apresentação do programa: clique aqui para assistir à íntegra.
Quatro dias depois (sábado, 14/3), o Globo publicou com grande destaque na capa e página inteira do primeiro caderno a lista dos 22 empresários de mídia, herdeiros e cônjuges que mantêm ou mantiveram contas numeradas no HSBC suíço, além de sete jornalistas. Entre estes, e apresentados como “Família Dines”, os quatro filhos deste observador residentes no exterior há três décadas (menos um), sem contas bancárias no país, sem rendimentos locais. Classificados honrosamente como “jornalistas independentes”, apenas dois são formados em jornalismo, porém afastados da profissão há pelo menos 15 anos. [Veja abaixo a íntegra da contestação deste observador publicada neste OIna noite do mesmo sábado.]
Até o momento o Globo não se retratou, achou perfeitamente válido o seu aberrante código de ética e seus critérios editoriais exibidos com tanta desfaçatez. No entanto, passada uma semana do programa, seu editor-responsável e apresentador assume um grave erro: escapou do debate um dado crucial – o quadro de associados do ICIJ é restrito a JORNALISTAS, não está aberto a JORNAIS, empresas com seus interesses nem sempre os mais nobres.
E o que aconteceu naquele sábado foi uma clara intervenção da direção do jornal O Globono trabalho do seu veterano repórter Chico Otávio. Ele, sim, jornalista independente, sem aspas. A matéria foi editada e manipulada por ordem do “aquário”. Isto salta à vista quando se compara o estilo narrativo do repórter – incisivo, factual, claro – com a montagem infanto-juvenil no estilo de infográfico publicada no sábado.
Chico Otávio é professor de jornalismo na PUC-Rio, repórter puro-sangue, seus chefes/editores não têm o direito de macular seu currículo utilizando um autêntico jornalismo marrom no estilo da revista Escândalo, denunciada pelo falecido Diário da Noite(Rio) e fechada pela polícia em 1963.
Além da desobediência à cláusula pétrea do Consórcio Internacional de JORNALISTAS Investigativos, configura-se outra transgressão: o sistema de pool empresarial é antijornalístico, inconfundivelmente monopolista e corporativista. Os jornalistas associados ao ICIJ têm o direito de compartilhar informações, as empresas nas quais trabalham (ou das quais são parceiros), não podem fazer jogadas combinadas. Isso é lobismo.
Prova: na sexta-feira (13/3), véspera da patifaria, o Globo revelou em manchete que o crime organizado e a contravenção tinham dinheiro na Suíça (págs. 3 e 4). A matéria évintage Chico Otávio. A Folha não a reproduziu. Mas reproduziu secamente, à sua maneira, no dia seguinte, as informações sobre contas de empresários, cônjuges, herdeiros de grupos de comunicação e jornalistas (sem citá-los, caderno “Mercado”).
Está evidente que houve uma combinação entre os jornais para explorar o mesmo tema simultaneamente. Embora Fernando Rodrigues tenha nomeado em seu blog os mesmos não-jornalistas, evitou inferências infames a respeito dos sobrenomes.
O Brasil tem o dom de avacalhar tudo. Inclusive um magnifico exemplo de cooperação jornalística internacional. O ICIJ vai ser informado. Jornalismo investigativo deve ser obrigatoriamente independente. Se não é independente não pode ser plenamente investigativo.
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Vazamentos suíços, canalhices brasileiras
A.D.
[Publicado originalmente em 14/3/2015]
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