domingo, 18 de março de 2012


AGRICULTURA ITALIANA E AS SUAS LIGAÇÕES COM O ESPIRITO SANTO
A GAZETA16 DE JUNHO DE 1987

No norte da Itália, sempre tem um lugar para o capixaba. Além do nosso Estado estar ligado por laços familiares e históricos da imigração, existe um relacionamento muito forte: a solidariedade. A imigração italiana tem pouco mais de cem anos, mas o esquema de solidariedade, que ultrapassa com facilidade aos relacionamentos familiares está chegando agora aos 20 anos de vida.
O novo modelo de relacionamento tem início com o jesuíta italiano Humberto Pietrogrande, que aqui implantou a primeira Escola Família Agrícola (EFA) com o objetivo maior de uma promoção humana e profissional. Pietrogrande foi também imigrante italiano, mas que o tempo o marcou como mais um brasileiro que agora migrou para o Estado do Piauí.
Uma pequena volta no tempo vai nos arremeter ao ano de 1964, quando ainda seminarista, Pietrogrande veio ao Espírito Santo e, logo em seguida retornou a Itália. Um relato completo do que vira no Brasil foi o que fez Pietrogrande a um grupo de amigos de sua cidade natal, Pádova. Um relato da dura realidade brasileira, uma realidade de subdesenvolvimento de um país do Terceiro Mundo.

EDUCAÇÃO
Andando um pouco mais vamos chegar a 1968. Nesta época quando já fixado no Espírito Santo, o padre Humberto deu início a sistema de educação já vitorioso na França e na Itália. A base do novo esquema é a alternância (com um período na escola e outro na família), para que o jovem não perdesse o contato com a sua realidade e, ao mesmo tempo,tinha a oportunidade de levar para casa os ensinamentos da nova escola.um achado fantástico, que resulta na perfeita inter-relação escola-família-escola-vida.
Com o surgimento do Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo (MEPES), gestor da nova escola, surgiu também na Itália, em Pádova, a Associação de Amigos do Estado do Espírito Santo (AES). Uma entidade para dar sustentação a idéia plantada no solo capixaba, é assim que podemos classificara AES.
O tempo foi passando e o Mepes foi ganhando terreno, apesar das forças contrárias. O que era uma idéia ganhou campo e se espalhou pelo Espírito Santo e por outros Estados (Bahia, Minas Gerais, Piauí, Pernambuco e Maranhõa). Também é importante registrar que a semente já começa a brotar no Amapá, Paraná e Rondônia. A idéia plantada no nosso Estado ultrapassou as fronteiras. Também a AES, que inicialmente era para dar apoio aos capixabas, hoje colabora com outros Estados e também entra na sustentação a outros países.
Hoje a AES é uma entidade reconhecida pelo governo italiano e atua como intermediária de convênios financeiros, de apoio técnico, de voluntários e de estágios de estudos. Muitos italianos vieram ao Brasil por intermédio da AES. Muitos brasileiros foram à Itália pelas mãos da AES. Na realidade a AES é atualmente um território de solidariedade encravado na Itália.
RUMO À ITÁLIA
Para fazermos a decolagem para a Itália foi necessário mostrar um pouco do Mepes no Brasil. Estivemos juntamente com rural João Batista Martins (presidente da União das Escolas Família Agrícola do Brasil) e com o monitor Ednys Antonio Orlandi (da Escola Família Agrícola de Alfredo Chaves), visitando a sede da AES, produtores na zona rural italiana e algumas escolas rurais.
No primeiro contato em Pádova, é fácil perceber a afinidade existente entre o italiano e o capixaba. O agricultor e poeta Giovani Parolin, que recentemente esteve no Brasil, carregou a na emoção o relato do seu contato com Augusto Ruschi, ‘’um dos homens mais fantásticos que conheci na minha vida.”
A vida nos mostra, nas palavras de Giuliano Giorio (presidente da AES) e de Silvano Possaghnolo (diretor), a sinceridade e o valor do intercâmbio que existe com o Brasil, jogo aberto e sem ranço de uma relação colonialista, afinal, a Itália é hoje a quinta economia mundial, uma potência.

DIMENSÃO
Quando tomamos rumo das propriedades rurais, vemos tendo a dimensão de uma economia formada por milhares de pequenas propriedades, onde a tônica é o uso da mão de obra familiar, a produção, a produtividade e a ausência das nossas cercas de arame farpado.
Um povo com milhares de anos de história, um povo marcado por guerras arrasadoras e por imigrações forçadas pela fome que os rondava, está com a cabeça erguida dentro do ponto de vista econômico. Na Itália, principalmente na Região Norte, onde estivemos, além do grande movimento econômico, existe hoje uma preocupação com relação ao crescimento zero da população. A população está ficando velha. As famílias são pequenas. Uma conversa abordando este tema consume muitas palavras e muito vinho. Um tema atual com passagem comprada para o futuro.
Vamos chegando a pequenas propriedades totalmente mecanizadas e com seus proprietários levando uma vida tranqüila do ponto de vista econômico. Se fizermos um confronto com a realidade brasileira, veremos que eles estão no paraíso. Podemos dizer ainda que eles vivem com a terra e que aqui se vive da terra. Para eles a terra é um bem que tem de ser preservado. As colinas são reflorestadas, erosão é assunto fora de pauta e a natureza é um bem.
Como exemplo podemos falar sobre Ettore Ferro, um bravo agricultor Friulano que com12 hectares (sendo seis arrendados) produz 600 litros de leite por dia, é sócio de uma cooperativa de vinhos e de grãos. Ferro, entre a ordenha de uma vaca e a distribuição de ração, foi taxativo:
- Por trás disto tudo que você está vendo tem muito trabalho, muito suor, muita esperança e muitas lágrimas.”
Não é preciso dizer muita coisa mais, basta percorrer o estábulo e constatar uma produção de26 litros de leite por animal, uma produção de mais de 10 mil quilos de milho por hectare, os silos cheios e pilhas de fardos de feno. Ferro não é um excessão, é a regra para quem diversificou a sua propriedade e cuida com todo carinho da terra.
É bom dizer que, correndo paralelo à produção, existe no meio urbano uma população com alto poder de compra. Existe, na verdade, uma remuneração digna pelo trabalho, que por sua vez faz com que as pessoas possam comprar e pagar um preço justo. Fica mais uma lição para nós. No Brasil, não se fará agricultura de volume de produção, porque o mercado interno é formado por uma população, em sua maioria de farrapos de gente sem salário e faminta.
Finalizando, queremos fixar o que escrevemos no livro de visitas existente na sede da AES em  Pádova:
- Estar em Pádova com esta gente maravilhosa é estar bem com a vida. Nestes poucos dias que aqui me acolheram, sentimos uma verdadeira solidariedade. Mais uma vez pude sentir a presença marcante do querido irmão Padre Humberto, que ausente nos mostra no dia-a-dia o calor de um povo. A AES é um pedaço do nosso Espírito Santo na Europa. A vontade deste grupo abnegado da AES nos leva a um verso de um poeta capixaba...  esta sensibilidade que é uma antena delicadíssima, captando pedaços de todas as dores do mundo e que me fará morrer de dores que não são minhas. (Newton Braga). Para os amigos da AES, o que nos resta é uma gratidão eterna. Uma dívida que não pagaremos jamais.
O Espírito Santo e a Itália estão tão próximos e tão distantes, espaço que certamente teremos de encurtar no dia a dia. Se lá teremos um lugar garantido, aqui também a Itália está com assento certo, com lugar marcado no coração  de todos. Um grande saluto para os ítalos-brasileiros.
nota- texto 3 do livro- MEPES 25 ANOS. CONVERSA FRANCA, AMIZADE LONGA. O NOSSO TESTEMUNHO E A NOSSA ESPERANÇA. Ronald Mansur, Eliane Stauffer de Andrade Mansur, Augusto de Andrade Mansur, Vinícius de Andrade Mansur e Helena de Andrade Mansur.



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