Líbano – 25 de março,
feriado islamo-cristão à Virgem Maria
O Líbano, em uma ocasião única,
decretou 25 de março como um dia de feriado nacional, dia consagrado à
Anunciação da Virgem Maria. Lembrando que a Virgem Maria, venerada pelos
cristãos, é também admirada pelos muçulmanos.
O Alcorão, livro sagrado do Islã, recita:
“Ó Maria, é certo que Deus te elegeu e te purificou, e te preferiu a todas as
mulheres da humanidade” (Surata Aal `Imran 3, 42). Maria no Islã é considerada
a “Mãe” dos fiéis muçulmanos. Nesta perspectiva podemos ver um ponto de
diálogo entre o cristianismo e o islamismo, abertura de espírito, fora de
qualquer polêmica. Notamos também que o Alcorão não cita nenhum nome de mulher,
salvo o de Maria, mãe de Jesus (30 vezes). O Alcorão tem até mesmo uma
surata (capítulo) intitulado “Surata Maryam” (19), que contém o relato da
anunciação, gravidez e nascimento de seu filho Jesus.
Diante deste ponto em comum, foi
criada, na data 25 de março, que é o Dia da Anunciação para os cristãos, uma
festa nacional islamo-cristã, abrindo uma grande porta para o diálogo
inter-religioso. No Líbano este episódio tem um significado especial, visto ser
um país onde vivem diversas comunidades religiosas.
Para que a data fosse criada, foram
necessários muitos anos de conversações, sendo que os principais representantes
desse diálogo são o Cheikh Mohammad Nokkari, o juiz “Charia” (lei islâmica) de
Beirute, o antigo secretário geral da Dar al-Fatwa (Tribunal Muçulmano Sunita)
e Nagy el-Khoury, secretário geral da Associação dos Antigos Amigos de Jamhour
(Colégio Nossa Senhora de Jamhour, padres Jesuítas no Líbano), co-secretário
geral do encontro islamo-cristão no circulo da Virgem Maria.
A primeira cerimônia islamo-cristão
de 25 de março foi realizada neste ano, na igreja do Colégio Nossa Senhora de
Jamhour. O evento reuniu cantos, salmos e várias autoridades religiosas e
civis, muçulmanas e cristãs, tendo como convidado estrangeiro Lech Walesa,
ex-presidente da Polônia e Nobel da Paz.
De acordo com palavras do Cheikh
Nokkari, proferidas na ocasião, “este encontro não tem como objetivo criar uma
nova festa religiosa aos muçulmanos. Não se trata, também, de acrescentar uma
nova festa ao calendário litúrgico cristão. Não existe em nosso encontro
nenhuma prática religiosa comum. Por esta razão que nós desejamos, desde o
início, que ele se tornasse uma festa nacional e não religiosa. Este encontro
criou um novo fenômeno mundial cultural, de interesse tanto do Islã quanto do
cristianismo”
Após a cerimônia, todas as pessoas
foram até a praça do Museu Nacional de Beirute, local que durante a guerra
civil (1975-1989) era campo de batalha entre Beirute Leste (dito cristão) e
Oeste (dito muçulmano). Ali foi inaugurada uma placa comemorativa do evento e
uma menina muçulmana da família Adra de Tripoli, chamada Maryam (Maria), foi
quem descobriu a placa para ficar como marco da comemoração.
O Líbano é um país de coexistência há
séculos e permanece com esta vocação. Uma terra de hospitalidade, um país que
faz parte da “Terra Santa” para as três religiões monoteístas que nasceram
naquela mesma região. O 25 de março passou também a ser, a partir de 2008, uma
data significativa no Brasil, quando se comemora o Dia Nacional da Comunidade
Árabe no Brasil, em função da grande colônia de imigrantes árabes e filhos de
imigrantes, muçulmanos e cristãos, que vivem lado a lado neste território,
terra de coexistência e hospitalidade.
Roberto Khatlab
Roberto Khatlab é pesquisador no
Centro de Estudos da Emigração Libanesa da Universidade Notre Dame, no Líbano.
Autor de vários livros sobre as relações Brasil-Líbano, entre eles Mahjar, Saga
libanesa no Brasil (bilíngue português-árabe), Editora Mukhtarat, Beirute,
Líbano.
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