domingo, 25 de março de 2012


Líbano – 25 de março, feriado islamo-cristão à Virgem Maria
19/04/2010 | Roberto Khatlab
O Líbano, em uma ocasião única, decretou 25 de março como um dia de feriado nacional, dia consagrado à Anunciação da Virgem Maria. Lembrando que a Virgem Maria, venerada pelos cristãos, é também admirada pelos muçulmanos.
O Alcorão, livro sagrado do Islã, recita: “Ó Maria, é certo que Deus te elegeu e te purificou, e te preferiu a todas as mulheres da humanidade” (Surata Aal `Imran 3, 42). Maria no Islã é considerada a “Mãe”  dos fiéis muçulmanos. Nesta perspectiva podemos ver um ponto de diálogo entre o cristianismo e o islamismo, abertura de espírito, fora de qualquer polêmica. Notamos também que o Alcorão não cita nenhum nome de mulher, salvo o de Maria, mãe de Jesus (30 vezes). O Alcorão tem até mesmo  uma surata (capítulo) intitulado “Surata Maryam” (19), que contém o relato da anunciação, gravidez e nascimento de seu filho Jesus.
Diante deste ponto em comum, foi criada, na data 25 de março, que é o Dia da Anunciação para os cristãos, uma festa nacional islamo-cristã, abrindo uma grande porta para o diálogo inter-religioso. No Líbano este episódio tem um significado especial, visto ser um país onde vivem diversas comunidades religiosas.
Para que a data fosse criada, foram necessários muitos anos de conversações, sendo que os principais representantes desse diálogo são o Cheikh Mohammad Nokkari, o juiz “Charia” (lei islâmica) de Beirute, o antigo secretário geral da Dar al-Fatwa (Tribunal Muçulmano Sunita) e Nagy el-Khoury, secretário geral da Associação dos Antigos Amigos de Jamhour (Colégio Nossa Senhora de Jamhour, padres Jesuítas no Líbano), co-secretário geral do encontro islamo-cristão no circulo da Virgem Maria.
A primeira cerimônia islamo-cristão de 25 de março foi realizada neste ano, na igreja do Colégio Nossa Senhora de Jamhour. O evento reuniu cantos, salmos e várias autoridades religiosas e civis, muçulmanas e cristãs, tendo como convidado estrangeiro Lech Walesa, ex-presidente da Polônia e  Nobel da Paz.
De acordo com palavras do Cheikh Nokkari, proferidas na ocasião, “este encontro não tem como objetivo criar uma nova festa religiosa aos muçulmanos. Não se trata, também, de acrescentar uma nova festa ao calendário litúrgico cristão. Não existe em nosso encontro nenhuma prática religiosa comum. Por esta razão que nós desejamos, desde o início, que ele se tornasse uma festa nacional e não religiosa. Este encontro criou um novo fenômeno mundial cultural, de interesse tanto do Islã quanto do cristianismo”
Após a cerimônia, todas as pessoas foram até a praça do Museu Nacional de Beirute, local que durante a guerra civil (1975-1989) era campo de batalha entre Beirute Leste (dito cristão) e Oeste (dito muçulmano). Ali foi inaugurada uma placa comemorativa do evento e uma menina muçulmana da família Adra de Tripoli, chamada Maryam (Maria), foi quem descobriu a placa para ficar como marco da comemoração.
O Líbano é um país de coexistência há séculos e permanece com esta vocação. Uma terra de hospitalidade, um país que faz parte da “Terra Santa” para as três religiões monoteístas que nasceram naquela mesma região. O 25 de março passou também a ser, a partir de 2008, uma data significativa no Brasil, quando se comemora o Dia Nacional da Comunidade Árabe no Brasil, em função da grande colônia de imigrantes árabes e filhos de imigrantes, muçulmanos e cristãos, que vivem lado a lado neste território, terra de coexistência e hospitalidade.
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Roberto Khatlab
Roberto Khatlab
Roberto Khatlab é pesquisador no Centro de Estudos da Emigração Libanesa da Universidade Notre Dame, no Líbano. Autor de vários livros sobre as relações Brasil-Líbano, entre eles Mahjar, Saga libanesa no Brasil (bilíngue português-árabe), Editora Mukhtarat, Beirute, Líbano.

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