segunda-feira, 26 de março de 2012


OS AUMENTOS DE RENDA  PROPICIAM OPORTUNIDADE PARA AGREGAÇÃO DE VALOR; CAFÉ E LÁCTEOS PARECEM APROVEITAR MELHOR ESSA POSSIBILIDADE

GERALDO BARROS
ESPECIAL PARA A FOLHA

O mantra da agregação de valor, através da industrialização, é repetido à exaustão. A finalidade seria beneficiar o consumidor e gerar mais renda e empregos de melhor qualidade.
Mas essa estratégia pode se chocar com dois tipos de obstáculos. Do lado da oferta, pode faltar competitividade no confronto com concorrentes estrangeiros. Na demanda, há limitações do poder de compra da população doméstica e também barreiras, subsídios e outras distorções no mercado externo.
Os aumentos de renda que vêm ocorrendo no Brasil, caracterizados por crescimento mais acelerado a favor do grande contingente de pessoas mais pobres, propiciam oportunidade para a agregação de valor especialmente no agronegócio. Café e lácteos parecem melhor aproveitar essa possibilidade.
Cálculos feitos no Cepea mostram que, de 1995 a 2011, o PIB medido especificamente como volume do produto agropecuário (lavouras e pecuária) avançou mais de 80%; o da agroindústria cresceu menos de 40%. A renda da agropecuária aumentou 66% e a da agroindústria, só 17%; porque os preços reais caíram 8% para as matérias-primas e 16% para os produtos processados.
A agregação de valor, portanto, não tem acompanhado o aumento da produção de matérias-primas. Quais seriam as dificuldades?
O algodão é um caso ilustrativo. Enquanto a produção brasileira de pluma quadruplicou de 1995 a 2011, sendo suficiente para atender todo o mercado desde o ano 2000, o setor têxtil nacional expandiu apenas 30%.
O mercado externo tem remunerado bem as vendas da pluma, mas os seus derivados enfrentam a competição de importados, muitas vezes de concorrentes apoiados por vantagens artificiais; estes importados, sim, vêm atendendo a expansão da demanda interna. Problemas semelhantes são enfrentados pela indústria de calçados.
A produção de soja em grão mais que dobrou no recorte feito pelo Cepea, enquanto a produção de óleo de soja cresceu somente 50%. Após atender o consumidor doméstico, sobra muita soja para exportação. Nem o programa nacional de biocombustível reverteu o cenário.
Isto porque políticas fiscais internas e barreiras no mercado externo favorecem a exportação do grão, quando seria mais racional a venda externa de derivados, de menor custo de transporte.
Nos casos da cana, laranja e carnes, produção primária e processamento têm avançado mais ou menos coordenadamente em decorrência de especificidades de cada cadeia produtiva. Quase toda cana precisa ser processada para utilização, o mesmo se dando com os animais para corte. A laranja para exportação passa, quase obrigatoriamente, por processamento.
Nos casos do café e do leite, a produção agroindustrial dobrou, indo muito mais rápido que a produção de matéria-prima. Seus segmentos processadores ganharam eficiência produtiva e logística, ajustando-se em quantidade e qualidade ao crescimento do consumo interno.
Esses são mercados que vêm remunerando o processamento e a qualidade graças ao avanço da renda da maior parte dos brasileiros.
GERALDO BARROS é professor da USP e coordenador científico do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada) 



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