segunda-feira, 1 de outubro de 2012

A crise estrutural do capital e sua fenomenologia histórica


A crise estrutural do capital que emergiu em meados da década de 1970, inaugurou uma nova temporalidade histórica do desenvolvimento civilizatório, caracterizada por um conjunto de fenomenos sociais qualitativamente novos que compõem a fenomenologia do capitalismo global com seus “trinta anos perversos” (1980-2010).

Giovanni Alves
Primeiro, nos últimos trinta anos tivemos uma época histórica de reestruturações capitalistas nas mais diversas instâncias da vida social. O sistema mundial do capital como sistema social global reestruturou-se efetivamente numa dimensão inédita. Por exemplo, a nova reestruturação produtiva do capital impulsionou um complexo deinovações organizacionais, tecnológicas e sociometabolicas nas grandes empresas e na sociedade em geral sob a direção moral-intelectual do “espírito do toyotismo”. A manipulação reflexiva ou a “captura” da subjetividade tornou-se efetivamente o modo de operar do controle sociometabolico do capital. A luta de classes e as derrotas das forças políticas do trabalho na década de 1970 conduziram a reestruturação política do capital, constituindo o Estado neoliberal e as políticas de liberalização comercial e desregulamentação financeira; e o pós-modernismo e o neopositivismo permearam a reestruturação cultural. Nos “trinta anos perversos”, o capitalismo financeirizado, toyotista, neoliberal e pós-moderno levou a cabo uma das maiores revoluções culturais da história.
Portanto, capitalismo global tornou-se a nova etapa de desenvolvimento do capitalismo histórico, um largo processo histórico que percorreu pouco mais de trinta anos e nos projetou noutra dimensão espaço-temporal hoje mais clara do que nunca. Ele surgiu com a grande crise da década de 1970 e implicou outra natureza da dinâmica social capitalista que se distingue radicalmente de outras épocas historicas. A década de 70 significou, no plano histórico-mundial, a inauguração de um “corte histórico” no processo civilizatório do capital. Por isso, surgiram novos fenomenos sociais radicalmente novos que merecem ser investigados numa perspectiva rigorosamente dialética. Enfim, alterou-se otiming da luta de classes e da dinãmica socio-reprodutiva do sistema do capitalismo mundial.
Por exemplo, a precarização do trabalho que caracteriza o capitalismo histórico assumiu uma dimensão estrutural e fez emergir a precarização do homem-que-trabalha. Trata-se de uma nova dimensão da precariação do trabalho que não se reduz a precarização salarial. A precarização do homem-que-trabalha não se trata da mera afirmação do trabalho estranhado, mas sim a sua radicalidade qualitativamente nova capaz de desefetivar o ser generico do homem em largas camadas sociais do proletariado hoje, com impactos na saúde dos homense das mulheres que trabalham. A amplitude e intensidade do fenomeno do estranhamento hoje alterou o significado político da precarização do homem-que-trabalha. O tema da saúde do trabalhador numa perspectiva radical tornou-se muito importante para se deixar a cargo apenas de médicos e profissionais de saúde propriamente dita. 
A condição de proletariedade que caracteriza a forma de ser da “classe-que-vive-do-trabalho” ampliou-se, tornando-se uma condição universal que explicita, principalmente nos paises capitalistas mais desenvolvidos, uma nova camada social do proletariado que contém, em si e para si, as contradições candentes da nova ordem social do capitalismo global: o precariado. Como salientamos alhures, o precariado não é uma nova classe social, mas sim uma nova camada da classe social do proletariado que expõem, em si, a insustentabilidade civilizatória do capital.
Entretanto, o sistema mundial do capital sob a fenomenologia da sua crise estrutural, é um sistema complexo cujo desenvolvimento desigual e combinado é composto por múltiplas territorialidades e subtemporalidades historicas que merecem ser discriminadas. É o que faremos a seguir. Como observou David Harvey no livro O enigma do capital, o desenvolvimento geográfico desigual e contraditório do capitalismo tornou-se fundamental para sua reprodução. Disse ele: “Nos últimos trinta anos viu-se uma reconfiguração dramática da geografia da produção e da localização do poder político-econõmico”. Na verdade, a nova dinâmica da crise estrutural do capital implicou a constituição de novas geografias de acumulação do capital que caracterizam a destruição criativa do velho, que é uma boa forma de lidar, segundo Harvey, com o problema permanente da absorção excedente de capital (o maior exemplo é a inserção da China no mercado mundial, um dos fenomenos históricos mais importantes da história da civilização humana). A “destruição criativa do velho” salientada por Harvey  é tão somente o modo de operação, no plano territorial, da lógica damodernização do capital onde “tudo que é sólido se desmancha no ar” (como diria Marx e Engels no Manifesto Comunista de 1848).
O capitalismo global é o movimento da heterogeneidade e não a obtenção de homogeneidade. A ideologia da globalização impos a visão impresionista de “um mundo só”. Entretanto, ao invés de constituir o globo como “um mundo só”, a mundialização do capital constituiu múltiplas territorialidades críticas. A dinâmica da economia global implicou a constituição da “totalidade concreta” efetiva do sistema mundial de produção do capital, onde o concreto significa unidade na diversidade de territorialidades que operam deslocamentos de contradições estruturais da ordem global do capital.
Portanto, o movimento do capital é concretamente heterogeneo no plano territorial. É por isso que hoje, por exemplo, enquanto no núcleo orgânico do sistema – EUA, União Europeia e Japão – temos a presença da crise numa proporção inédita, com o PIB nestas regiões apresentando quedas ou crescimento mediocre, o centro dinâmico da acumulação de capital e crescimento da economia capitalista mundial desloca-se para a China e para os paises ditos “emergentes”, onde a percepção da crise torna-se relativamente tenue (a própria crise europeia hoje, por exemplo, manifesta-se de modo diferenciado nos países do Sul da Europa – Grécia, Itália, Espanha e Portugal- e nos paises do Norte, como Alemanha e Dinamarca). 
As múltiplas territorialidades da crise contribuem para operar contradições geoeconomicas e geopolíticas do sistema que ocultam a percepção clara da insustentabilidade da ordem planetária do capital. Na verdade, a concretaização da heterogeneidade no plano geográfico é um modo de manipulação da percepção ideológica da própria dinâmica capitalista.
Ao lado de territorialidades diversas do sistema mundial do capital, podemos discriminar também nos trinta anos perversos (1980-2010), o desenvolvimento de subtemporalidades ou subconjunturas historicas que aparecem como verdadeiras narrativas de deslocamentos de contradições do sistema mundial do capital afetado pela crise estrutural de valorização. Trata-se do movimento contraditório do capital que desloca territorialmente as linhas de força das contradições ou as eleva temporalmente para um patamar superior, permitindo deste modo realizar o telos obsessivo do valor: a sua auto-valorização.
Por um lado, a crise do capitalismo global que se desenrola nos “trinta anos perversos”, o modo efetivo de desenvolvimento da crise estrutural do capital, é crise de valorização no sentido de crise de produção/realização do valor. É crise de produção de valor sob pressão da lei tendencial da queda da taxa média de lucros por conta do crescimento da composição orgânica do capital. Nos últimos trinta anos de capitalismo global, a reorganização e reconfiguração territorial e produtiva do sistema tornou-se o modo de operação das tendencias e contra-tendencias à lei geral da acumulação capitalista no plano histórico-mundial.
Por outro lado, a crise do capitalismo global é crise de realização do valor sob a dinâmica do subconsumo e a procura alucinada pela absorsão de excedentes. A dificuldade de vender num cenário de superprodução/sobreacumulação expõe a necessidade candente da destruição criativa e produção destrutiva capazes de preservar o processo de valorização mesmo que em forma fictícia. Um autor como Istan Meszáros em sua obra clássica Para Além do Capital, expós com maestria as perfomances críticas do valor diante das suas dificuldades de auto-valorização ao tratar, por exemplo, da produção destrutiva e da taxa de utilização decrescente do valor de uso, recurso de administração da crise e autorreprodução destrutiva do capital. Nos últimos trinta anos de capitalismo global, tornaram-se mais do que evidentes as constatações meszarianas feitas nos primórdios de desenvolvimento do capitalismo global. 
É importante salientar que a vigência da financeirização da riqueza capitalista no capitalismo global tornou-se um modo de preservar o movimento de auto-valorização do valor numa situação de crise estrutural. A financeirização que constitui hoje o em e o para si da dinãmica capitalista global é uma “saída” crucial para o sistema afirmar e reiterar o sacrosanto principio da valorização do valor – numa dimensão fictícia.
Portanto, o paradoxo do capitalismo global é que, a “saída” ou via de resolução (fictícia) da financeirização do capital, que imprime hoje sua marca na dinâmica do sistema mundial, é tão incerta quanto precária; diriamos mais, literalmente fictícia, quanto a própria reprodução hermafrodita da riqueza abstrata. Com a financeirização, o capital encantou-se com seu próprio fetichismo. É o capital narcisico. O valor, como o “monstro animado que começa a ´trabalhar´como se tivesse amor no corpo”, como diria Marx n’O Capital, apaixona-se por si mesmo, deleitando-se com o mundo do dinheiro criado á sua imagem e semelhança.
Por isso, a saída da “crise” tem implicado hoje numa “fuga para a frente”, elevando num patamar superior as contradições insanas da ordem de produção/realização do valor. Ora, “fuga para a frente” significa a produção de pletoras de liquidez e novas bolhas especulativas capazes de criar a ilusão de que ocorre efetivamente o processo de valorização. Ao invés de intervenções muito mais radicais, os administradores das crises, imersos na temporalidade de curto prazo, adotam políticas de menor resistência e reiteram a lógica da financeirização.    
Na verdade, sob a crise estrutural do capital, a produção de valor descolou-se do processo de valorização efetivo. Num cenário de superprodução/sobreacumulação/subconsumo, a dinâmica capitalista não consegue operar efetivamente a produção de valor (D-M-D’), mantendo, deste modo, o processo de valorização sob a forma fictícia.
É claro que ocorrem investimentos produtivos e expande-se a produção de mercadorias mais do que nunca. Entretanto, mesmo com a reestruturação produtiva do capital e a precarização estrutural do trabalho, o retorno da massa de capital-dinheiro investido está aquém das necessidades de valorização do capital acumulado. Como observou Marx nos Grundrisse – e voltamos a salientar esta passagem de seus rascunhos -  “se o capital aumenta de 100 para 1000, então 1000 é agora o ponto de partida, do qual o aumento tem que começar; sua decuplicação para 1000 não conta para nada; o lucro e a renda eles próprios tornam-se capital por sua vez. O que apareceu como mais-valia agora aparece como uma simples pressuposição etc., como incluída na sua simples pressuposição”. 
Deste modo, o novo patamar de valorização efetiva – a sua pressuposição – por conta do acúmulo inédito da massa de capitald-dinheiro elevou-se num patamar insano. A crise de valorização do capital ocorre porque, como observam Marx e Engels no Manifesto Comunista, “as condições da sociedade burguesa são estreitas demais para abranger toda a riqueza criou”. Contraditoriamente, a massa de riqueza criada pela sociedade burguesa diz respeito não apenas a riqueza concreta das forças produtivas do trabalho social, mas também a riqueza abstrata da massa de capital-dinheiro que o capital não consegue valorizar efetivamente.  
De modo visionário, Marx e Engels se interrogam no Manifesto Comunista de 1848: “E como faz a burguesia para vencer esta crise?”. E eles respondem: “Por um lado, reforçando a destruição da massa de forças produtivas; por outro lado, pela conquista de novos mercados e por uma exploração mais completa dos antigos”.
A percepção genial de Marx e Engels é a síntese ontológica das vias de resolução que o capital constrói para a sua crise estrutural – hoje, numa dimensão ampliada, isto é, num plano efetivamente histórico-mundial.
Por exemplo, a destruição da massa de forças produtivas é visivel com o crescimento do desemprego em massa e a precarização estrutural do trabalho. Assim, o capital destrói a massa de riqueza humana acumulada por conta da formação profissional e expectativas de realização pessoal (o fenomêno social do precariado é um exemplo da destruição de forças produtivas, trabalho vivo e força de trabalho altamente escolarizada sem futuro digno na sociedade burguesa). A conquista de novos mercados e uma exploração mais completa dos antigos é perceptivel com a dita “globalização”, a inserção da China no mercado mundial, a intensificação da obsolescencia planejada das mercadorias, etc.
Talvez, como via de resolução (fictícia) da crise, Marx e Engels não tenham salientado a financeirização da riqueza capitalista. Ao promover a valorização fictícia, o capital “investe” na reprodução estéril da massa de capital-dinheiro ou riqueza abstrata acumulada de modo insano por conta do desenvolvimento inédito da produtividade do trabalho no século XX. Portanto, o valor é afetado de negação no interior do próprio sistema do valor. Eis a contradição crucial do sistema mundial produtor de mercadorias.
Podemos dizer que a era do capitalismo global é o espaço-tempo de construção política das “saídas” ou vias de resolução das contradições acumuladas pelo sistema. O modo de produção capitalista é, como salientamos alhures, não apenas modo de produção de mercadorias, mas modo de acumulação de contradições na perspectiva da sua objetividade teleológica particular: a auto-valorização do valor.
No plano da conjuntura histórica, vamos distinguir na era do capitalismo global, a nova temporalidade histórica, com alguns períodos que iremos discriminar em linhas gerais:
Primeiro, de 1973 a 1981, temos o periodo da crise e contrarrevolução neoliberal. Impulsionou-se o processo de reestruturação capitalista nas mais diersas instâncias da vida social. A década de 1970 é uma década de luta de classes no cenário de crise geral. É claro que desde fins da década de 1960, a luta social, sindical e política visava dar resposta a crise geral do sistema (por exemplo, o maio de 1968 é sintoma do apodrecimento do capitalismo fordista.The dream is over!). Na verdade, o periodo de 1946-1973 caracterizado pela singularidade histórica do fordismo, significou o acúmulo de candentes contradições da ordem buguesa mundial – principalmente no plano da economia e da política. O sistema de contradições oriundos do capitalismo fordista-keynesiano iriam ter a resolução política na decada de 1970 com a derrota das forças sociais do trabalho e a vitória das forças políticas do neoconservadorismo neoliberal. O complexo de reestruturações capitalistas salientados acima é expressão da luta de classes nas mais diversas instancias da vida social. A derrota das forças sociais, políticas e ideológicas do trabalho conduziu a nova temporalidade histórica do capital: o capitalismo global sob dominância financeira e direção política neoliberal.   
De 1981 a 1991, o periodo da financeirização e barbárie social. É o periodo histórico de expansão da nova ordem burguesa. O processo de reestruturação capitalista aprofunda-se com a derrota das forças sociais do trabalho na década de 1970 no bojo da crise e ofensiva neoliberal. O capital recupera as margens de lucratividade. As corporações transnacionais acumulam uma imensa massa de capital-dinheiro que propicia a liquidez que impulsiona a lógica da financeirização da riqueza capitalista. Nesta década de 1980 se constroi os pilares do sistema político-institucional da mundialização financeira. O capitalismo global torna-se efetivamente capitalismo predominantemente financeirizado – a dominancia política das frações de classe da burguesa financeira ocorre na medida em que se desenvolve a crise do modelo fordista-keynesiano de desenvolvimento capitalista. O excesso de liquidez e o boomfinanceiro acusam dificuldades no processo de valorização apesar da retomada da lucratividade. Na verdade, uma parcela da massa de capital-dinheiro acumulado encontra retorno adequado no investimento especulativo que aproveita as inovações financeiras que surgem na década de 1980. A desregulamentação das finanças nos núcleos mais dinâmicos da economia mundial oferece para os investidores a oportunidade fabulosa de realização de lucros ficitícios. 
Foi na década de 1980, a década das finanças, que se aprofundou o desequilíbrio de forças entre as classes sociais. O desequilíbrio entre as forças de classe na década de 1980 se contrasta, por exemplo, com o periodo de 1946-1973, quando se instaurou um equilíbrio entre capitalistas e trabalhadores assalariados que deu origem ao dito “compromisso fordista” (Estado keynesiano/Sindicatos Fordistas/Empresas Multinacionais). Naquela época, foi importante a presença da força política do trabalho organizado, o acordo de Bretton Woods e a “guerra fria” entre URSS e EUA. Eis a singularidade histórica do fordismo, desmontada pouco a pouco a partir da crise de 1973. Na década de 1980, instaurou-se o desequilíbrio entre as classes com a reestruturação produtiva do pós-fordismo e toyotismo promovendo uma ofensiva do capital na produção que enfraquceu as forças sociais e políticas do trabalho. A ofensiva política do capital caracterizou-se pelo disseminação do neoliberalismo sob a vigencia do poder do capital financeiro. O poder ideológico neoliberal dissemina-se inclusive entre as forças sociais-democratas e socialistas, gestores da ordem sistemica do capital. O capital conseguiu quebrar as forças do trabalho – material e ideologicamente. Ao mesmo tempo, põe-se na década de 1980, a ofensiva ideológica do capital, com o pós-modernismo e o neopositivismo.
Portanto, a década de 1980, que começa com os governos de Margaret Thatcher e Ronald Reagan, no Reino Unido e EUA, respectivamente, inauguram uma das décadas mais reacionárias do século XX, inaugurando-se efetivamente a era da barbarie social (por conta de particularidades históricas, o Brasil ainda está na década de 1980 em dissintonia com a dinamica capitalista global).
 Na década de 1990, temos o prosseguimento da lógica da financeirização e a constituição de novo patamar de barbarie social (a barbárie da espoliação que se dissimina com o “capitalismo das bolhas financeiras”). O desequilíbrio de forças entre o capital e o trabalho aprofunda-se com a queda do Muro de Berlim e a debacle da URSS, a direitização irremediável da social-democracia e o surgimento do novo imperialismo norte-americano.
A década de 1980 foi a década de expansão da globalização, enquanto a década de 1990 é a década de integração hegemonica do capital concentrado. É a década das políticas de integrações regionais conduzidas pelos interesses do capital financeiro (por exemplo, o Nafta e a União Europeia, a mais ousada experiencia histórica de integração regional). Ao mesmo tempo, com a entrada da China no mercado mundial na década de 1990, acirra-se a concorrencia intercapitalista num cenário de capital concentrado. A presença da China transfigura a dinâmica da acumulação de valor, embora não altere essencialmente a objetividade contraditória do capitalismo global, com a crise estrutural do capital aparecendo cada vez mais como crise de desmedida de poder e acúmulo de massa de capital-dinheiro que não consegue se valorizar efetivamente.
A decada de 1990 e 2000 são décadas marcadas por crises financeiras (1987, 1996, 2001 e 2008) que explicitam a lógica do “capitalismo das bolhas”, forma originaria do sistema institucional-político da mundialização financeira. As crises financeiras traduzem no plano da objetividade contraditória do sistema, a fenomenologia da crise estrutural do capital. A financeirização expõe as novas manifestações da precarização estrutural do trabalho e da dinâmica social da proletariedade.
Vejamos o seguinte: o primeiro momento historico da crise estrutural do capital, ocorrida em meados da década de 1970, impulsionou a “globalização” como mundializção do capital e a afirmação da precarização estrutural do trabalho, vias de resolução que contribuiram para a resposição da lucratividade em fins da década de 1980. ,
Entretanto, as “saídas” ou vias de resolução da 1ª fase da crise estrutural do capital não impediram que a crise voltasse a se manifestar mais adiante, com as novas contradições da mundialização financeira. Pelo contrário, as vias de resolução contribuiram, contraditoriemente para o desenvolvimento ampliado da crise por conta da própria desmedida do capital. Por isso, a partir da década de 1990, ocorreram com maior amplitude e intensidade crises financeiras que caracterizam a 2ª. fase de crise do capitalismo global.
Portanto, com a “acumulação flexivel”, foram postas vias da resolução da crise capitalista de meados dos anos 1970; mais tarde, com a “acumulação por espoliação”, colocaram-se as vias da resolução (fictícia) para a crise das bolhas financeiras (utilizamos dois importantes conceitos de David Harvey – “acumulação flexivel” e “acumulação por espoliação” – para caracterizar os dois momentos do desenvolvimento da crise capitalista, onde a forma de ser da acumulação diz respeito a vias de resolução – meramente contingente – da própria crise). Na verdade, a forma predominante de acumulação implica novos patamares da barbarie social que se desenvolvem nos “trinta anos perversos” do capitalismo global.
Eis, deste modo, a fenomenologia da crise estrutural do capital, caracterizada pelo movimento contraditório do valor em sua ânsia de auto-valorização. A crise de 2008 e sua vias de resolução (fictícia) afirmam o movimento recorrente da espoliação financeira, onde o fundo publico fica a merce da lógica da valorização fictícia. Não se destroem os pilares político-institucionais da mundialização financeira, mas sim, reforça-se sua dominância social e política via políticas de austeridade (a crise europeia, como sempre, é paradigmática).
A radicalidade das contradições impõe a radicalidade do pensamento crítico capaz de ir além das sombras que se movem na superfície do sistema. O capitalismo manipulatório é o capitalismo fictício onde o processo de valorização encontra-se afetado de negação embora prossiga como proceso de produção de produção de mercadorias. Nos primórdios do século XXI, a destruição critiva do capital articula-se cada vez mais com a produção destrutiva das condições da reprodução social. A crítica radical do capitalismo torna-se hoje, mais do que nunca, necessidade do pensamento.
A década de 2001-2011 foi a década do terceiro ciclo da financeirização e barbárie social, elementos compositivos do metabolismo social do capitalismo global. A condição de proletariedade amplia-se como fenomeno unuiversal e o precariato aparece como “persona viva” das contradições viscerais da ordem burguesa hipertardia. Ao mesmo que se afirma, financeirização e barbarie social são contestadas, numa perspectiva contingente, cada vez mais, pelos sujeitos-agentes historicos. Como diria Lukács, “o homem é um ser que dá respistas”. Como contradição viva, o capital impulsiona o desenvolvimento da consciencia social, quiça, consciencia contingente de classe. A história aparece cada vez mais como história da luta de classes que, como realidade efetiva, se impõe àqueles que clamaram pelo fim das classes e a vigencia da democracia e conciliação entre capitalismo e bem-estar. Na verdade, o desenrolar da cena do mundo burgues sob a barbárie social explicita cada vez a insustentabilidade civilizatória da ordem burguesa. O que não significa que hajam, de imediato, sujeitos históricos de classe capazes de operar a “negação da negação”, tendo em vista que a crise de formação de valor é, ao mesmo tempo, crise de deformação do sujeito historico de classe por conta da precarização do homem–que-trabalha. Hic Rhodus, hic salta!
Giovanni Alves é doutor em ciências sociais pela Unicamp, livre-docente em sociologia e professor da Unesp, campus de Marília. É pesquisador do CNPq com bolsa-produtividade em pesquisa e coordenador da Rede de Estudos do Trabalho (RET) e do Projeto Tela Crítica. É autor de vários livros e artigos sobre o tema trabalho e sociabilidade, entre os quais O novo (e precário) mundo do trabalho: reestruturação produtiva e crise do sindicalismo (Boitempo Editorial, 2000) e Trabalho e subjetividade: O espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório (Boitempo Editorial, 2011). Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às segundas.

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