A arquitetura das moradias populares e mesmo a da classe média vem sofrendo transformações, sobretudo depois que migrou da mente dos velhos pedreiros construtores para a prancheta dos arquitetos. Em favor do primado da forma, a casa foi perdendo o conteúdo simbólico das portas, das janelas, dos cômodos, do lugar dos móveis. Foi deixando de ser lugar dos moradores situarem-se na trama simbólica do mundo. Foi dela desaparecendo a dimensão do sagrado, a poderosa dimensão mística a ela associada como lugar de fecundação e nascimento.
José de Souza Martins
José de Souza Martins
Foram deslocadas do corredor lateral para o jardinzinho da frente as plantas dotadas de poderes mágicos, que erguiam muralhas invisíveis contra o mau-olhado dos invejosos, antes que entrassem na casa: arruda, guiné, espada-de-são-jorge, comigo-ninguém-pode, planta, aliás, venenosa. Várias delas eram usadas em defumações para espantar de dentro de casa os invisíveis malefícios invasores de visitantes nem sempre bem-vindos.
Mas a porta da frente enfrentou as resistências poderosas do costume e da tradição. Quem fosse convidado a entrar por ali ficava ofendido, pois o gesto indicava que era considerado "de fora" e não "de dentro". A porta da frente não acolhia, repelia. Não é estranho, portanto, que era porta aberta no mais das vezes nos raríssimos dias de velório para que por ela saísse o defunto, os pés voltados para fora e a cabeça para dentro, o inverso da posição de nascimento. Como as camas: os pés nunca voltados para porta de saída. A casa era uterina e a porta, na significação invertida, acabava simbolizando a morte.
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