– 16 DE OUTUBRO DE 2012
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Em cidade da Califórina (EUA), alguns exemplos parecem indicar um caminho que combina crescimento econômico e qualidade de vida
Texto e fotos por Natália Garcia, no Planeta Sustentável
É impressionante a euforia com que os gringos recebem brasileiros. Mais impressionante ainda é a imagem de potência econômica que o Brasil parece estar consolidando no imaginário dos americanos – ao menos aqui em São Francisco. Em especial depois da crise financeira de 2008 e posterior recessão dos Estados Unidos, o Brasil passou a ser apontado como um gigante no atual cenário econômico mundial.
Eu particularmente tenho algumas ressalvas em relação aos tais progresso e crescimento brasileiros. Se a ascendência econômica nos desse acesso a educação mais qualificada, por exemplo, seria lindo. Mas simplesmente garantir que cada brasileiro possa ter seu carro, sua televisão a cabo e renda suficiente para comprar compulsivamente em lojas de departamento não me parece a melhor ideia de progresso e desenvolvimento. E, como o a própria revista The Economist publicou em seu editorial, o PIB – Produto Interno Bruto, índice usado para apontar o crescimento econômico de um país – tem a capacidade de medir tudo, menos o que faz a vida valer a pena.
Também não quero recorrer ao radicalismo dos franceses de Lyon que criaram o movimento do Descrescimento, pois acreditam que crescimento econômico só piora as coisas e que a única solução para as cidades terem mais qualidade de vida é descrescerem economicamente.
Mas em São Francisco encontrei alguns exemplos que parecem indicar um caminho do meio entre crescimento econômico e qualidade de vida.
Depois da crise, o mercado imobiliário reduziu dramaticamente sua ação – não só em São Francisco, mas em todo o país. Com isso, alguns terrenos ficaram ociosos na cidade. Como São Francisco tem uma enorme efervescência de movimentos de engajamento cívico, esses terrenos passaram rapidamente a ser ocupados – muitos com iniciativas de agricultura urbana.
Em São Francisco já é comum o acesso a alimentos frescos, orgânicos e produzidos localmente nos Farmers’ Markets, feiras de rua em que fazendeiros da Bay Area vendem legumes, frutas e verduras a preços bastante acessíveis. Mas o ativista Tree foi mais longe ao criar o Free Farm: um espaço de plantio de alimentos orgânicos em que todos os que trabalham são voluntários e toda comida produzida é distribuída de graça a quem precisa. Os cuidados com o jardim, os alimentos cultivados e os almoços são abertos e gratuitos para qualquer um que queira aparecer. O terreno do Free Farm pertence a uma igreja luterana, que emprestou o espaço a Tree.
Outro exemplo interessante é o Hayes Valley Farm, que fica em uma região mais central de São Francisco. Há 20 anos, esse terreno era a parte de baixo de um viaduto – o mesmo que já citei aqui. Com o terremoto de 1989, o viaduto ficou danificado e, depois de anos de debates sobre o que seria feito, em 2003, foi demolido. O terreno ficou abandonado até 2009, quando ativistas fizeram a proposta de ocupá-lo com o Hayes Valley Farm. A prefeitura emprestou o terreno com a condição de que o foco de agricultura urbana fosse temporário – quando a crise terminasse, seria vantajoso lotear e vender esse terreno às empreendedoras. “Tudo bem ser provisório, a gente não quer ficar aqui para sempre, isso é um laboratório sobre como podemos recuperar o solo contaminado e empobrecido das cidades, ocupar terrenos abandonados com a natureza de que tanto sentimos falta e criar um centro de trabalho e diversão que fortaleça o senso de comunidade local em uma grande cidade”, explica J., um dos líderes do Hayes Valley Farm.
Outro terreno emprestado pela prefeitura foi ocupado com o projeto Please Touch. O artista G.K. conseguiu uma bolsa do San Francisco Arts Commission e criou um jardim interativo para deficientes físicos. Com rampa de acessibilidade para cadeirantes e esculturas táteis para cegos, o Please Touch também tem um canteiro onde crescem legumes e hortaliças. Outro projeto com caráter provisório, mas que tem funcionado como laboratório.
“Com a recessão, percebemos que era importante fortalecer a economia local”, explica a administadora e sócia da ONG San Francisco Made Janet Lee. “Para fazer isso, tínhamos que mapear as habilidades da cidade. Uma delas já era óbvia: a produção de alimentos”, conta. “Outras duas que se mostraram bem importantes em nossa pesquisa foram a produção de artigos de moda e tecnologia”, conclui. A San Francisco Made é uma espécie de incubadora de pequenos empreendedores que queiram abrir seus próprios negócios dentro dessas três áreas. A ONG foi financiada pela prefeitura em 2010, com a visão estratégica de fortalecer a economia local como resposta à crise. Em pouco tempo o selo “San Francico Made” se popularizou na cidade – e a demanda dos consumidores por ele também. “Com isso, fortalecemos a economia local com base nas habilidades dos moradores da nossa cidade, temos produtos de qualidade a preços acessíveis e geramos mais empregos”, explica Janet.
Essa produção de manufaturados local acabou atraindo inclusive a atenção de grandes empresas. A Banana Boat, por exemplo, abriu uma pequena fábrica em São Francisco e hoje todas as lojas da cidade possuem uma sessão com o selo “San Francisco Made”, com as mesmas peças produzidas em série pela marca, mas com estampas custimozadas aqui.
Essas iniciativas de agricultura urbana e esse fortalecimento da economia local só foram possíveis graças à recessão econômica americana. Aí eu te pergunto: o que é progresso?
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