domingo, 28 de outubro de 2012

Educação para todos levada a sério


Com determinação para enfrentar as dificuldades, escola na capital do Acre adota modelo de inclusão e se torna referência

Lucas Vasques
A Escola Estadual de Ensino Fundamental Clarisse Fecury, localizada no bairro de Santa Inês, periferia de Rio Branco, capital do Acre, é considerada referência quando o assunto é o desenvolvimento de um modelo de ensino inclusivo. A instituição defende com todas as forças a concepção de educação para crianças com deficiência, seguindo à risca as orientações do Ministério da Educação, com muita dedicação e criatividade.
A política de acolhimento e respeito às diferenças vem sendo adotada desde a criação da escola, em 2004, com ênfase em um projeto pedagógico, que parte das ações de planejamento, prática em sala de aula e processo de avaliação dos estudantes. Tudo isso é possível graças, também, à mobilização da comunidade em torno da escola e a articulações com o Poder Público e organizações da sociedade civil.
À frente do processo desde o início, como diretora, e hoje assumindo a função de coordenadora de ensino, Iranildes Correia de Deus Saraiva, com formação em Pedagogia, explica que o método utilizado não foi pensado e, tampouco, adaptado de outra instituição. "Quando a escola foi formada, não tínhamos nenhuma experiência em lidar com crianças com deficiência. Não estávamos preparados. A partir da procura das mães, passamos a abraçar a ideia. Resolvemos atender a um público esquecido pela maior parte dos colégios."
Neste momento, Iranildes e sua equipe buscaram apoio. "Procuramos apoio na Gerência de Ensino Especial, órgão vinculado à Secretaria Estadual de Ensino. Passamos a receber a visita de um professor itinerante, especializado em Educação Especial, para nos dar suporte."
No decorrer do processo, a então diretora, utilizando seu perfil de liderança, sentiu que a ajuda desse profissional somente duas vezes por semana não era suficiente. "Por isso, promovemos cursos, oficinas, palestras, estudos de grupos e outras atividades sobre inclusão, não só para os professores, mas direcionado a todos os funcionários da escola. Os professores, especificamente, passaram a ser preparados dentro do processo de Educação Continuada, com ajuda das secretarias municipal e estadual." O caminho para virar referência não foi fácil.
A participação dos colegas contribui para o desenvolvimento das crianças com deficiência
A situação começou a melhorar em 2008, quando a escola ganhou do Ministério da Educação uma sala de recursos multifuncionais. "A criança com deficiência passa um período desenvolvendo atividades neste local especializado e, na outra parte do dia, integra a sala de aula convencional, com os demais alunos. Afinal, sem essa iniciativa, não há inclusão." Hoje, inclusive, a escola conta com uma cuidadora. "Temos uma técnica de enfermagem, que se dedica à higiene das crianças, arruma o material escolar e outras funções voltadas a esses alunos. Conseguimos isso graças à colaboração do Pró-Saúde, outro órgão ligado à Secretaria Estadual de Educação."
Iranildes faz questão de ressaltar que nada foi fácil na caminhada até a escola se tornar referência. "No começo tivemos de lutar muito contra o preconceito da própria comunidade local. Por desconhecimento, as mães reclamavam de ver seus filhos estudando no mesmo local com pessoas com deficiência. E esse sentimento era passado para as crianças. Iniciamos um grande combate contra a discriminação. Abraçamos a causa, verdadeiramente, para acabar com essa rejeição."
Ela revela que houve um caso de uma mãe que a procurou para avisar que iria tirar sua filha da escola. "Conversei muito com ela, expliquei que todos somos iguais e falei muito sobre Direitos Humanos. Com o passar do tempo, ela entendeu, me pediu desculpas e manteve a menina. Hoje, o que vemos é que, felizmente, conseguimos reverter esse problema. Na hora do recreio, por exemplo, as crianças sempre ajudam os coleguinhas com deficiência."
Dos 611 alunos matriculados na Clarisse Fecury, todos recebem aulas de Libras, além de integrarem o Projeto Educação Bilíngue. "Isso porque a primeira língua da pessoa com deficiência é a de sinais. A segunda é a Portuguesa. Com os outros, funciona exatamente de forma inversa."
Ao todo, são 27 crianças com algum tipo de deficiência, desde auditiva, de visão, paralisia cerebral, síndrome de Down, transtorno global e qualquer tipo de déficit intelectual e motor.
Iranildes tem convicção de que o método desenvolvido em sua escola pode ser repetido em outras, tanto do Acre quanto no restante do País. "Talvez algumas instituições precisem de adaptações. O nosso prédio, por exemplo, já foi construído com uma preocupação de acessibilidade, contemplada pelo projeto arquitetônico. No mais, é preciso começar e acreditar na igualdade."
Com o sucesso no atendimento a crianças com deficiência, a fama se espalhou e a escola passou a receber alunos de vários bairros de Rio Branco, inclusive os mais distantes.
"Agora, a procura diminuiu um pouco, porque a clientela foi dividida com outros colégios", explica.
MOBILIZAÇÃO A COORDENADORA 
ressalta a importância da participação de todos. "Há mobilização e essa parceria com os pais é primordial. Temos uma ótima relação com a comunidade. Os pais se sentem à vontade e sempre visitam a escola. A participação deles é fundamental, uma vez que nossa escola atende crianças do 1º ao 5º ano."
Outro diferencial apontado por Iranildes é em relação à questão financeira. "Proporcionalmente, o salário aqui é um dos melhores do Brasil. Além de Plano de Carreira, os professores contam com duas gratificações anuais, calculadas a partir de uma porcentagem do rendimento. Isso motiva ainda mais o profissional."
"A partir da procura das mães, resolvemos atender a um público esquecido pela maior parte das escolas", Iranildes Saraiva
Apesar disso, Iranildes encara hoje dois desafios. O primeiro é ajudar na transição do comando na Escola Clarisse Fecury. Ela passou o bastão para sua ex-coordenadora de ensino, Maria das Dores de Lima Nunes, que assumiu a principal atividade na instituição, trocando de função com a antiga diretora. O segundo é evitar a rotatividade da equipe pedagógica. "Isso ocorre devido ao modelo de contrato temporário. Trabalhamos a pessoa e, quando ela está pronta, acaba saindo e temos de começar tudo de novo, capacitando e aperfeiçoando o profissional que chega."
Contudo, isso não parece desanimar Iranildes, que deixa claro que não há receita pronta para o sucesso de sua escola. "Fizemos a opção de abrir as portas para a inclusão, mostrar que todos são capazes. O resultado é gratificante, pois conforme acompanhamos o progresso dos alunos à conclusão que estávamos certos quando iniciamos esse projeto. Com muita dedicação conseguimos isso. É preciso fazer; e fazer com amor", completa.
Depois de muita luta, a Escola Clarisse Fecury é considerada referência no trato de pessoas com deficiência
CONTINUIDADE
A nova diretoria, Maria das Dores de Lima Nunes, ao que tudo indica, não encontrará grandes dificuldades em seguir na mesma trilha de Iranildes. "Ingressei na escola em 2005, como professora. No ano seguinte, passei à coordenadora pedagógica e, em 2007, para coordenadora de ensino. Ou seja, acompanhei e fiz parte de todo o processo."
A diretora destaca algumas ações teóricas que se tornam práticas no planejamento da Clarisse Fecury. "Temos o Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE), onde são elaboradas as ações e metas para o ano inteiro; o Projeto Político Pedagógico, que norteia os trabalhos e onde está garantida a questão da inclusão; e o Atendimento de Educação Especializada, que contempla as atividades realizadas na sala de recursos, onde os alunos ficam no contraturno."
Em relação ao atendimento prático às crianças com deficiência, Maria das Dores explica. "O currículo escolar é único. Não podemos fazer um para cada aluno. Contudo, os fatores diferenciais estão na metodologia dos professores e no tipo de atividade dirigida, exclusivamente, a esse segmento."
Ela exemplifica: "Para alunos de baixa visão procuramos enfatizar o aprendizado visual. Temos o ensino das Libras, jogos pedagógicos, tudo de acordo com a necessidade de cada criança. Para isso, precisamos de criatividade e recursos. Dá muito trabalho, mas o retorno é incrível."

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