quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Os dois motivos que podem levar à independência catalã


  3 DE OUTUBRO DE 2012

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Precariamente acomodada no Estado espanhol há três décadas, região é vítima, agora, dos cortes de direitos exigidos pela “troika”. Possível secessão revela grau de irresponsabilidade a que chegaram dirigentes europeus  
Por José Manuel Pureza, no Esquerda.net
Pela quinta vez na História, a Catalunha tem diante de si o horizonte da independência. Há um lado fundo e outro circunstancial nesta viragem da Catalunha para a emancipação de Madrid. O Estado espanhol é uma criação política, apoiada sobre uma malha de acordos que têm garantido a permanência de hegemonias econômicas e sociais, que se sobrepôs a uma pluralidade de nações com identidade própria e com muita História nas costas. A fragilidade desta construção foi evidenciada em 1978 com uma transação constitucional entre nacionalismo e centralismo – conceder autonomia relativa às regiões foi a fórmula institucional e jurídica do negócio. Mas o negócio em si foi outro: torneira generosa de canalização de recursos para as comunidades autônomas, obra feita, modernização, futuro. Enquanto houve dinheiro para investimentos que consolidassem a dominação tranquila das elites locais, o arranjo funcionou. A direita nacional e local deu expressão emblemática a esse estado de alma: quando o primeiro-ministro espanhol Aznar proclamava em Moncloa “a Espanha vai bem”, Jordi Pujol, chefe de governo catalão, acrescentava no Palacio da Generalitat “e a Catalunha vai melhor”.
E é aqui que entra a circunstância. 822 mil desempregados e 22 meses de cortes sucessivos nas políticas sociais pela mão do Governo catalão juntaram-se, como gasolina em fogueira, ao bloquio do financiamento das autonomias pelo Estado central, em virtude de uma revisão da Constituição espanhola feita em velocidade supersônica por ordem de Berlim e Bruxelas e obedientemente cumprida pelos prestimosos intérpretes locais do costume: Partido Popular e PSOE, os mesmos que agora invocam a intocabilidade da Constituição quando se trata de admitir que o povo catalão possa, em referendo, exprimir o seu direito à autodeterminação.
Centro dessa revisão constitucional, o novo pacto fiscal entre Madrid e as autonomias, constitui, na sua obsessão pela austeridade, um verdadeiro monumento à falta de bom senso político. Fazer tábua rasa dos impactos explosivos que o corte abrupto de financiamento público inevitavelmente causaria no relacionamento entre o Estado central e as comunidades autônomas é prova de uma total irresponsabilidade política. Na Espanha como em Portugal ou na Grécia, o pirômano berlinense e os seus agentes locais deitaram fogo a todos os equilíbrios sociais e pouco lhes importa se assim se libertarem os demônios mais indesejáveis – tudo deve ser imolado no altar da deusa austeridade.
Irresponsabilidade política que o governo catalão sabe bem aproveitar. Ao assumir-se como porta-estandarte da bandeira independentista, o chefe de governo Artur Mas assemelha-se a Alberto João Jardim: confrontado com os resultados social e economicamente catastróficos da seu governo, marcada por uma estratégia de desmantelamento dos serviços públicos e dos direitos sociais, o conservador Mas acusa Madrid de ser um sorvedouro de dinheiro descontado pelos catalães que depois não investe em serviços e projetos públicos naquela comunidade.  Agitada pela Generalitat, a causa da independência é, mais que tudo, um desvio de atenção da deterioração social e econômica causada pelas suas políticas.
Mais do que Portugal ou a Grécia, a Espanha é hoje a implosão europeia em escala reduzida. Os efeitos de esgarçamento do tecido social, político e territorial provocado pelo receituário da troika estão à vista. Talvez devêssemos ter aprendido alguma coisa com a catástrofe dos Balcãs. Mas consciência histórica é algo que não se pode esperar dos senhores da troika e de quem lhes dá emprego. Porque é mesmo contra ela que eles atuam.
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