terça-feira, 2 de outubro de 2012

Trabalhistas tentam melhorar imagem para voltar ao poder em 2015


Trabalhistas tentam melhorar imagem para voltar ao poder em 2015

Com a economia britânica em recessão e com crescentes dúvidas sobre a estratégia conservadora-liberal democrata para sair da crise, os trabalhistas deveriam estar com meio caminho andado para voltar ao governo em 2015. As pesquisas lhe dão uma vantagem de cerca de 10 pontos sobre os conservadores, mas também mostram que a maioria dos eleitores enxerga seu líder, Ed Miliband, como “fraco e indeciso". O artigo é de Marcelo Justo.



Londres - Com a economia britânica na segunda recessão em três anos, com crescentes dúvidas sobre a estratégia conservadora-liberal democrata para sair da crise, e com uma percepção do primeiro ministro David Cameron como um aristocrata desvinculado dos problemas reais, a oposição trabalhista deveria estar com meio caminho andado para voltar ao governo em 2015. As pesquisas lhe dão uma vantagem de aproximadamente 10 pontos sobre os conservadores, mas também mostram que a maioria dos eleitores enxerga seu líder Ed Miliband como “débil, indeciso e estranho” e opinam que Cameron tem uma imagem de mandatário que o trabalhista não consegue projetar.

Em uma tentativa de reverter essa percepção na poderosa liturgia do congresso anual partidário, Miliband pronunciou nesta terça-feira seu melhor discurso desde que foi coroado líder há dois anos. Os congressos partidários são uma parte essencial da dramaturgia política britânica na qual as principais agrupações anunciam sua estratégia, abrem o debate interno e procuram projetar-se em nível nacional aproveitando a intensa cobertura midiática dos eventos. Nesta dramaturgia, o discurso do líder é um momento catártico, uma espécie de epifania partidária. Miliband o converteu em uma epopeia pessoal para mostrar ao eleitorado que pode ser o novo primeiro ministro britânico.

Em 65 minutos, sem consultar anotações, Miliband combinou sua biografia com anúncios políticos e um estilo solto, salpicado de brincadeiras, para se afastar da imagem algo robótica que costuma apresentar. Em sua tentativa de sintonizar sua experiência com a da maioria dos britânicos, o líder trabalhista disse que sua família “não viveu sob o mesmo teto nos últimos 500 anos”. Em outras palavras, não tem a linha de ancestrais que caracteriza David Cameron – descendente do rei Guilherme IV – ou o ministro de Finanças, George Osborne, multimilionário filho de um nobre.

Miliband é filho de refugiados judeus poloneses que se salvaram por pouco do holocausto e refizeram sua vida no Reino Unido: seu pai, Ralph, foi um respeitado teórico marxista. Em seu discurso, Miliband agradeceu a generosidade do Reino Unido em recebê-los e converteu-a em um símbolo de sua própria filosofia política. “Nasci no hospital da minha zona do Serviço Nacional de Saúde, o mesmo no qual nasceram meus dois filhos, e frequentei a escola do meu bairro”, disse como quem mostra uma carteira de identidade. 

Se a biografia é uma ilustração de porque Miliband está em condições de entender as dificuldades da maioria, as propostas concretas que apresentou em seu discurso e em dias prévios apontam para uma primeira bateria de medidas alternativas do trabalhismo.

Miliband concentrou seus ataques no mundo financeiro e nas empresas privatizadas. O líder trabalhista prometeu acabar com as exorbitantes comissões dos fundos privados e pensões que deixam todos os trabalhadores do setor privado com magros fundos de aposentadoria e, com frequência, dependentes da ajuda do Estado. Na mesma veia crítica em relação ao poderosíssimo setor financeiro, assinalou que implementaria uma nítida separação da banca comercial e da financeira ou especulativa para evitar uma crise como a de 2008.

Em relação à retomada econômica, propôs um plano para a construção de 100 mil casas populares que serviria simultaneamente para criar emprego e resolver o forte déficit habitacional que fez disparar o preço dos aluguéis. E assegurou que reverterá a redução de impostos para os ricos consagrada no último orçamento e a privatização disfarçada que o governo está ensaiando com o Serviço Nacional de Saúde. A pergunta é se esses anúncios e o estilo mais solto servirão para reverter a percepção da opinião pública.

Essa percepção está mudando. No início do ano, a distância que separava Miliband de Cameron era abismal e o próprio trabalhismo estava empatado nas pesquisas com os conservadores. Desde o desastroso orçamento que o governo apresentou em março, batizado de “roubo da vovó”, a percepção mudou em ambas as frentes, favorecendo mais o trabalhismo como partido (desde maio apresenta uma clara vantagem sobre os conservadores) do que seu líder. O trabalhismo tem um problema adicional. As pesquisas ainda dão o benefício da dúvida aos conservadores em temas econômicos, ainda apontam o trabalhismo como o grande culpado da crise e, se eles são os responsáveis, como podem ser a solução?

As pesquisas são ambíguas. Em uma, ambos os partidos gozam da mesma confiança sobre a economia, mas o ministro das Finanças, George Osborne, tem um dos níveis mais baixos de popularidade. Em outra, os eleitores opinam que os trabalhistas não têm capacidade para resolver os problemas, mas pensam que Miliband está melhor posicionado para compreender as dificuldades da maioria da população. Se Miliband e o trabalhismo saírem fortalecidos do congresso partidário, um dos grandes temas futuros será como consolidar essa vantagem para ganhar as eleições de 2015.

O próprio trabalhismo mostra divisões a respeito. Segundo Owen Jones, autor de “Chavs, a demonização da classe operária” e membro de “Class”, um “think-tank” financiado pelos sindicatos, o trabalhismo tem que voltar às suas raízes. “Nas últimas eleições, o trabalhismo perdeu cerca de 5% de seus votos de classe média e cerca de 21% dos votos dos trabalhadores qualificados. Se não recuperarmos estes últimos, não vamos ganhar as eleições”.

Outra corrente, mais vinculada ao “Novo Trabalhismo” de Tony Blair, acredita que o Reino Unido tem que recuperar a aliança com a classe média e setores populares que deu a Tony Blair três eleições sucessivas. Em um país desenvolvido como o Reino Unido e com uma sólida corrente de pensamento conservadora avessa a mudanças, revoltas e revoluções (a última foi no século 17 quando, depois de decapitar um rei, terminaram colocando outro onze anos mais tarde), isso representa um dilema político. Em grande medida, a precisão do diagnóstico da esquerda e da direita partidária dependerá em grande medida da profundidade da crise econômica e do impacto que ela pode ter sobre a consciência política.

Tradução: Katarina Peixoto

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