terça-feira, 30 de abril de 2013

Jovens estão mais perto de garantir seus direitos?



EPSJV
Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio. Fundação Osvaldo Cruz
Adital
Por Viviane Tavares - Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio /Fiocruz

Na mesma semana em que o Estatuto da Juventude é aprovado no Senado, o Estatuto da Criança e do Adolescente é atacado na mídia e por parlamentares.
Recentemente, no dia 16 de abril, foi aprovado no Senado o Estatuto da Juventude (PLC 98/2011) . Em tramitação desde 2011, o projeto voltará para a Câmara dos Deputados, casa de origem, para a aprovação dos ajustes propostos. Ao mesmo tempo, outro documento de mesmo teor, o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) tem sido atacado pela imprensa e por parlamentares das duas casas que aprovaram o Estatuto da Juventude.

O Estatuto da Juventude, que teve a relatoria da deputada Manuela D´Ávila (PCdo B-RS) e do senador Paulo Paim (PT-RS), abrange jovens de 15 a 29 anos, dividido em três categorias: jovem-adolescente (15 a 17 anos), jovem-jovem (18 a 24 anos) e jovem-adulto (25 a 29 anos). O documento levanta a discussão para diferentes direitos como acesso à cultura, garantia da participação em políticas públicas, igualdade de oportunidades, direito à educação com obrigatoriedade do ensino médio e incentivo ao ensino superior, saúde pública e gratuita, entre outros.

Para a professora-pesquisadora da EPSJV/Fiocruz e uma das coordenadoras do Observatório Juventude, Ciência e Tecnologia, Maria Lucia Cardoso, a grande diferença entre o ECA e o Estatuto dos Jovens é que, além de ampliar o número de pessoas abrangidas - o ECA considera jovens até 18 anos, enquanto o outro tem a faixa etária até 29 anos - ele também traz uma um novo olhar para esee segmento que já chega a 48,6% da população brasileira, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2011. "O ECA garantia a proteção de crianças e adolescentes que não podiam e não podem ter seus direitos violados. Já o Estatuto mostra como essa população tem um papel importante no país", analisa Márcia Lucia.

A coordenadora Executiva do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente do Distrito Federal (Cedeca-DF), Perla Ribeiro, indica também que esta faixa etária que não era abrangida pelo ECA - de 18 a 29 anos - necessitava de uma cobertura especial, pois esses jovens ainda estavam no período de desenvolvimento educacional, profissional e social. "Não havia uma legislação específica para essa população que enfrenta os principais desafios da vida nessa faixa etária. É importante lembrar que além da garantia de direitos, o Estatuto também estabelece os deveres", explica.
Saúde, educação e trabalho

Entre os grandes eixos apontados pelo Estatuto da Juventude estão a saúde, a educação e o trabalho do jovem. A assistente social e coordenadora do Programa de Saúde do Trabalhador Adolescente, vinculado ao Núcleo de Estudos da Saúde e do Adolescentes (NESA) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Carmen Raymundo, lembra que hoje os jovens devem ser reconhecidos também por sua pluralidade. "É preciso ter um olhar para essas juventudes, e essa palavra deve ser compreendida no plural, porque o jovem cigano, por exemplo, é diferente do indígena, do quilombola, dos que moram no campo e na cidade. Todos esses processos de construção de políticas devem levar em conta também aspectos biológicos e político-sociais", explica. Um dos pontos indicados do Estatuto que caminham nesse sentindo é a adoção da temática nas escolas. "Nos conteúdos curriculares dos diversos níveis de ensino formal serão inseridos temas relativos à juventude, ao respeito e à valorização do jovem, de forma a eliminar o preconceito e a produzir conhecimento sobre a matéria", de acordo com a redação do artigo 12, parágrafo 4º.

No que tange à educação, dois grandes avanços são encontrados na redação do Estatuto. O primeiro deles é o ensino médio como obrigatório. "É dever do Estado assegurar ao jovem a obrigatoriedade e a gratuidade do ensino médio, na modalidade de ensino regular, com a opção de cursos diurno e noturno, adequados às condições do educando", diz o Estatuto. Nesse contexto, a pesquisadora do Observatório Jovem da Universidade Federal Fluminense (UFF), Ana Karina Brenner, chama a atenção para a redação que não garante o ensino público, mas sim gratuito. "O ensino privado tem uma força muito grande nesta discussão. Desde a Constituição de 1988 o ensino privado tem um lobby muito forte e parece que não foi diferente neste caso. Por outro lado, a gente tem o Prouni [Programa Universidade para Todos] que é um programa importante e tem positivas avaliações de ter garantido a ampliação do acesso dos jovens ao ensino superior. Temos que reconhecer que o acesso das camadas populares, principalmente dos jovens, foi aumentado em números significativos após o Prouni. Apesar de não achar que seja a melhor das opções, é preciso fazer sempre a defesa do fortalecimento do ensino público. Devemos sempre continuar lutando, mas não podemos deixar de oferecer uma solução imediata, que agora se apresenta neste formato", argumenta. No caso do ensino superior a redação do artigo é ainda mais direta em relação à educação privada. Diz o artigo 20: "O jovem tem direito à educação superior, em instituições públicas ou privadas, com variados graus de abrangência do saber ou especialização do conhecimento".

O direito à saúde dos jovens também é encontrado como um dos pontos-chave do Estatuto, direito esse já garantido desde a Constituição e pelo ECA. Entre as diretrizes estão a criação de unidades de referência juvenil, inclusão de temáticas como drogas, doenças sexualmente transmissíveis e sexualidade nos conteúdos curriculares dos diversos níveis da escola, restrição ao uso de esteroides anabolizantes, entre outras. Carmen Raymundo, do NESA/Uerj, frisa ainda que essas indicações precisam sair do papel para virar políticas públicas. "Nós já temos um histórico bastante marcado pela criação de diversas leis que não são implementadas, e isso é um ponto crucial para o Estatuto", indica. Como exemplos práticos de políticas de saúde voltada para o jovem, ela aponta a Rede Cegonha e o reconhecimento da exploração do trabalho infanto-juvenil como um problema de saúde pública. "O trabalho é algo muito crucial para a criança e o jovem, seja como forma de exploração ou pela falta dele, deixando-os marginalizados", avalia.
Cultura

Diante de mais de 80 artigos que abordam do Estatuto da Juventude, o Ccapítulo que aborda o direito à cultura é o que mais vem preocupando a sociedade em geral. Não pela sua importância no papel transformador dos jovens, mas por conta da garantia de meia entrada em diferentes espaços culturais. Reconhecida como elemento essencial para a formação e desenvolvimento integral do jovem, a cidadania cultural será promovida, de acordo com o Estatuto, por meio de ações como a garantia ao jovem na participação do processo de produção, reelaboração e fruição dos bens culturais; valorização da capacidade criativa do jovem, mediante desenvolvimento de programas e projetos culturais e propiciando acesso aos locais e eventos culturais, mediante preços reduzidos, em âmbito nacional, este último muito polemizado por diferentes artistas e estabelecimentos culturais.

"O jovem tem um potencial criativo muito grande e quando o Estatuto cita a cultura como política pública a gente dá acesso a diversas iniciativas como, por exemplo, os pontos de cultura. A cultura é uma forma de expressão. O jovem poder produzir, ter acesso e participar do processo das políticas culturais é um grande avanço. Eles há tempos usam essa ferramenta para dizer o que pensam. Podemos ver diferentes formas de expressão que esta população encontrou como espaço para se posicionar como o grafite, o hip hop, o funk...Quando você amplia o acesso, você abre as possibilidades que vão além daquele grupo que ele já pertence", analisa a professora da EPSJV, Cristiane Braga.

A professora Maria Lucia acrescenta que este pertencimento é tanto local como de forma mais abrangente. "A cultura é importante tanto na formação cultural nacional, de se colocar dentro de um mundo mais amplo e fazendo parte deste mundo, além de fortalecer sua própria identidade de grupo e entendendo que ela é uma entre várias", explica.

"Temos um exemplo dentro do Programa de Vocação Científica (Provoc) da Fiocruz com uma das primeiras turmas. Uma aluna moradora da Maré, complexo de favelas do Rio de Janeiro, ficou em um grupo que tinha como intuito pesquisar a história dessa comunidade. Embora ela fosse moradora do local, não conseguia a fundo. Então, como processo de trabalho, ela se voltou para a comunidade e começou a se apropriar daquele universo e das iniciativas que existiam ali. Passou a ter contato com os primeiros moradores, descobriu que o avô foi uma das pessoas que teve grande influência na construção daquele espaço, enxergou as mudanças sofridas ao longo do tempo e passou a ter um sentimento de pertencimento. Antes, ela se via em uma situação totalmente adversa e depois, ao sair, ela se reconheceu, valorizando as conquistas adquiridas e com vontade de transformação daquela realidade", relembra a professora da EPSJV/Fiocruz e uma das coordenadoras do Observatório Juventude, Ciência e Tecnologia, Cristiane Braga, que defende que o acesso do jovem à cultura transforma-o em agente social voltado para a transformação.


Redução da maioridade penal

Mais uma vez, o endurecimento penal relacionado aos jovens é pauta da grande mídia e de discursos de parlamentares. O caso se repete sempre quando um jovem menor de 18 anos comete algum ato de violência. A coordenadora do Cedeca, Perla Ribeiro, ressalta que esses casos tomam maior proporção, principalmente, quando o infrator é negro e pobre. "Esse fenômeno se explica na visão conservadora que temos. Isso é calcado na nossa necessidade de criar e viver em ilhas. Quanto mais eu me afasto da realidade, mais eu não faço a reflexão da desigualdade no país, assim então, criminalizo a pobreza. Isso é o posicionamento de uma sociedade que se impõe muito mais pelo o que se tem, onde mora e o que mostra. E é mais latente nos jovens, que ainda estão se afirmando socialmente. E você põe em xeque quando saem da adolescência e não tem trabalho nem educação e saúde".
Além da campanha da redução da maioridade penal, Perla acrescenta que outros ataques ao direito da juventude estão sendo realizados no momento atual, como o aumento do tempo de internação de três para oito anos para os jovens da Fundação Casa, do estado de São Paulo, além da internação compulsória fortemente defendida no Rio de Janeiro e São Paulo e a redução da idade do trabalho em projetos recentemente tramitados na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados, que propunham a redução da idade mínima para o trabalho de 16 para 14 anos como, por exemplo, a PEC nº 191/2000 , do deputado Maurício Quintella (PR-AL), e a PEC nº 268/2008 , do deputado Celso Russomamo (PP-SP). Todos esses têm como intuito alterar direitos garantidos no ECA. "Não podemos perder de vista que o momento que estamos vivendo tem a ver com o fenômeno da Copa do Mundo, em busca de cidades mais seguras, mas isso não passa de uma limpeza social. Hoje, no Brasil, o terrorista que temos é o pobre", denuncia.
Cristiane Braga receia que o Estatuto da Juventude sofra os mesmos ataques que o ECA vem sofrendo nestas últimas décadas. "O Estatuto só é lembrado enquanto instrumento de punição, não que não tenha que existir, mas o realce deve ser dado como um impulsionador de políticas públicas", analisa.

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