terça-feira, 30 de abril de 2013

Roberto Perdía fala de suas memórias nos Montoneros


Roberto Perdía fala de suas memórias nos Montoneros

Os encontros com Perón em Madri, a passagem à clandestinidade, a leitura política da Copa do Mundo de 78, o sonho de uma insurreição popular em 1979, o oferecimento para combater nas Malvinas, sua passagem pelo menemismo. São temas discutidos pelo advogado e ex-guerrilheiro Roberto Perdía no volumoso livro ‘Montoneros: O peronismo combatiente en primera persona (Editora Planeta, 840 páginas ), e sobre os quais ele fala nesta entrevista.

Buenos Aires – Mora no bairro portenho de Tribunales, no quarto andar de um edifício velho, em frente a uma delegacia. Na entrada, brinquedos de criança e fotos familiares. No fundo do corredor, Roberto Perdía trabalha em um ambiente médio com um laptop antigo, livros organizados por temas como “religião” ou “política internacional”, papéis empilhados no chão e estantes com uma taça que mostra Hugo Chávez, um símbolo dos Montoneros com as lanças cruzadas e outro do Ejército Revolucionario del Pueblo (ERP) em memória do assassinato de Mario Roberto Santucho. Aos 72 anos, Perdía acaba de escrever o livro ‘Montoneros - O peronismo combatiente en primera persona (Montoneros - O peronismo combatente em primeira pessoa). No texto se nota a preocupação do autor em investigar temas como o marco mundial dos anos 70 e o papel da loja fascista Propaganda Dois (P2). E com paciência é possível pinçar relatos e temas para discutir anos inteiros sobre o que diz este ex-integrante da direção dos Montoneros que fala baixinho.

O livro registra numerosos fatos políticos apresentados como equívocos dos Montoneros. Figuram muitas vezes as palavras “erro” e “autocrítica”. Mas não fica clara a interpretação sobre um enigma: qual é a questão de fundo que levou aos erros? Comecemos por um exemplo, a violência exercida pelos Montoneros não em 1971, mas em 1974, em pleno governo peronista. Por que se equivocaram?
– Do ponto de vista formal, porque havia um governo constitucional. Do ponto de vista político, porque significava aprofundar a separação que havia entre o povo e a estrutura dos Montoneros. Com a passagem à clandestinidade possivelmente tenhamos salvado vidas.

Houve mortos entre os que não estiveram a tempo de proteger-se da passagem à clandestinidade em 1974.
– Não sei... Não foi um fenômeno geral. Sim, acho que a passagem à clandestinidade tirou impacto popular às consequências da repressão. Houve um companheiro conhecido que foi tirado de La Plata e foi à Resistencia. Foi assassinado. Em Resistencia foi um Dom Ninguém. Não tinha o arraigo que lhe dava sua militância histórica. O mesmo assassinato cometido em La Plata teria repercutido contra os agressores pelo peso do companheiro, por suas relações, pela solidariedade dos demais. Afinal, podemos ter reduzido a quantidade de vítimas nesse período, mas geramos as condições para que depois a quantidade de vítimas fosse maior.

Volto à pergunta: por quê? Por que se chega a esse equívoco?
– A pergunta mais comum que escutávamos dos companheiros era: “Até quando vamos aguentar que nos matem, até quando vamos ficar de braços cruzados, até quando vamos ficar sem responder?”. E nos equivocamos. Não soubemos explicar nem encontrar outros caminhos de resposta.

A imolação estava na natureza da ação dos Montoneros? Era um valor?
– Não, não era um valor. Nunca a concebemos assim. E não houve operações que incluíssem a imolação dos companheiros.

Mas, não houve uma imolação política?
– Vista com o tempo, possivelmente sim. Podemos ter realizado ações que facilitaram a ação do inimigo.

Quanto ocupava em vocês o componente místico, tanto de origem católica como de esquerda? A mística acabou sendo superior ao realismo da análise política?
– Tem algo disso. Em algum momento nos deixamos levar pela história, pelo compromisso e talvez não tenhamos atuado de acordo com o que a própria realidade demandava. Esse fenômeno místico tem uma parte imprescindível, mas em algum momento passamos do limite. A força da dor recebida, com a carga de irmãos, parceiros e companheiros mortos, realimentava a mística.

Tomando só o livro como fonte, os erros dos Montoneros pensados desde 25 de maio de 1973, quando Héctor Cámpora assume, são sempre parecidos. Surgem de problemas na apreciação da realidade?
– É que tínhamos a convicção de que havia pela frente um triunfo possível e factível. Alcançável. Nunca dissemos: “Estamos vencidos e vamos assim mesmo em frente”.

Os vencidos às vezes procuram a forma de retroceder.
– Mas achávamos que a perspectiva era possível. Em 1979, com a famosa Contraofensiva, e depois, em 1980, projetamos a insurreição. Já não a ação comando. Pusemos cento e tantos companheiros na Nicarágua, que em 1979 viveu a revolução sandinista, no mesmo ano que o Irã, para preparar a insurreição.

Não era irreal projetar um cenário de insurreição?
– De nenhuma maneira. Em março de 1982, em plena ditadura, houve milhares e milhares de pessoas na rua. Os milicos estavam encurralados.

Encurralados em que sentido?
– Vinha se repetindo o fenômeno histórico da Argentina de 55 em adiante: governos militares que não podiam consolidar-se e que começavam a retroceder diante do impulso que o povo vinha trazendo.

O livro, que está escrito hoje, define a Contraofensiva decidida pelos Montoneros, segundo a qual muitos militantes voltam do exílio e entram clandestinamente na Argentina, como “resistência”.
– Vou dizer algo sobre um fato anterior, e sei que meu nível de consenso é baixo quando o exponho. Eu acho que o Mundial de Futebol de 78 não beneficiou a ditadura. Em definitivo, permitiu que as pessoas respirassem. Que festejassem que se sentissem parte de algo, que tomassem ar. Na conjuntura (Jorge Rafael) Videla ganhou. Mas em abril de 1979 houve uma greve geral.

E a visita da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
– Eu a menciono no livro quando comento o problema que tínhamos com o Partido Comunista, e com o comunismo internacional, que bloqueava o tema dos protestos contra a ditadura. Adriana Lesgart, que trabalhou na construção das Madres de Plaza de Mayo, caiu porque foi à fila da Avenida de Mayo, dos familiares que se reuniriam com a CIDH, foi reconhecida e a sequestraram. Bom, as greves e a visita da CIDH não indicam um povo em retrocesso, mas a perda de espaço da ditadura. Essa é a contraofensiva do povo. A fissura no poder acontece porque há uma resistência à qual não podem dar resposta.

O plano sistemático de repressão continuou pelo menos até 1981, ainda que com cifras menores de assassinatos e sequestros.
– Não podiam continuar matando como antes. Não faltavam fuzis e tanques, e suas baixas eram mínimas. Mas estavam perdendo a moral. Luciano Benjamín Menéndez se levanta em Córdoba. E não consegue impor-se. A fratura interna nesse momento é muito forte. O movimento é dialético. A debilidade de uma parte fortalece a outra. A do povo. É um movimento de massas sem organização única nem planejamento estruturado nem condução unificada. Um movimento do povo como o que houve durante a ditadura que começou em 1966 e também depois do golpe de 1955. Penso até hoje que nisso tínhamos razão. Se quisermos, a contracara disto é Dante Caputo, que disse anos depois: “Graças à Thatcher temos democracia”.

Não lembro a frase de Caputo. Minha opinião é que Thatcher não foi a mãe da democracia, mas, ao mesmo tempo, a derrota militar sim foi a parteira da transição democrática argentina.
– Os militares buscam uma saída. A guerra das Malvinas termina como terminou e o fenômeno cai em cima deles.

Por que vocês se ofereceram como combatentes nas Malvinas?
– Porque entendemos que era uma causa patriótica que ia além dos militares.

Podia existir essa categoria de “além dos militares”? Era realista? Era possível?
– Sim... Na América Latina se gerou uma solidariedade que foi de Cuba até movimentos socialdemocratas e partidos que estavam à direita. Nós não o oferecemos de cara de pau, hein, oferecemos seriamente.

Por isso meu espanto. E passo a outro espanto. De verdade pensaram que era possível, em 1973, prender José López Rega? O livro diz que o ofereceram a Héctor Cámpora.
– Sim, claro. Era uma decisão política. Na casa de (Juan Manuel) Abal Medina lhe dissemos ao filho de Cámpora, quando nos avisou que seu pai estava por renunciar: “Se teu pai decide isso, podemos prender López Rega”. Tínhamos controle das rádios, (o governador Oscar) Bidegain conduzia a polícia da província de Buenos Aires, cinco ou seis governadores amigos, capacidade de pôr o povo na rua em poucas horas. A resposta foi: “Mas o Perón vai ficar brabo e vai embora”. E, bom, o que iríamos fazer? Para nós estava primeiro a pátria, depois o movimento e por último os homens, mas se Cámpora não queria... Quatro horas depois, o filho de Cámpora nos respondeu que ele não aceitaria a nossa oferta e que renunciaria por lealdade a Perón. A nossa lealdade era primeiro com o povo.

Em que momento os Montoneros começaram a agir por fora de Perón?
– Não, não é que começamos a agir por fora de Perón. Nós tínhamos o que hoje se chamaria de uma agenda própria. Objetivos próprios. Procurávamos que até onde se pudesse esses objetivos não confrontassem com Perón. Durante muito tempo esses objetivos encontraram uma síntese com os de Perón. Depois não.

Quando não, por exemplo?
– Há um fato: o de 25 de maio à noite. Perón tinha outra ideia do poder e do que o povo queria. Nós nos guiamos por um princípio: havíamos prometido na campanha que não haveria nem um só dia de governo popular com companheiros presos. Devíamos cumpri-lo. Os camporistas não foram capazes de solucionar coisas solucionáveis. Na madrugada do dia 26, com dois mortos em frente ao presídio de Devoto, 30 ou 40 mil companheiros presentes, confrontação do próprio Cámpora com Perón, se chegou porque os camporistas não fizeram o melhor: decretar primeiro, já no dia 25 de maio, o indulto para os presos e, ao mesmo tempo, mandar ao Congresso o projeto de lei de anistia. Não é que não o fizeram porque estavam contra. Em Roma tínhamos combinado com Cámpora e Perón. Inclusive não havíamos intervindo diretamente na fuga de Rawson porque queríamos acordar o tema politicamente em mais uns meses sem arriscar tanto. No dia 25 de maio acho que Perón não levou em conta anos de ditadura. O povo esperava respostas.

Sem entrar na polêmica jurídica sobre os crimes de lesa humanidade, o assassinato de José Ignacio Rucci, o secretário geral da Confederación General del Trabajo (CGT), não tem nem um subtítulo no livro. Na página 316, um parágrafo informa que no dia 25 de setembro de 1973 “seria morto na saída de uma casa”.
– Era o momento da fusão entre os Montoneros e as Fuerzas Armadas Revolucionarias (FAR). A fusão se produz de cima para baixo. Decidida a fusão entre as duas organizações, ela começa pela direção e em seguida vêm as instâncias intermediárias. Inclusive desenhamos um corretor político: três dos Montoneros e dois das FAR. Já estávamos funcionando como condução, mas sem formalizar. Isso chegaria entre os dias 12 e 17 de outubro, com uma manifestação em Córdoba. No meio acontece o incidente de Rucci. Não posso afirmar ou negar que não tenha havido participação de militantes montoneros ou outros. O que sim posso afirmar é que nenhum organismo de direção o decidiu.

Há outro caso igual de impacto equivalente?
– Não.

Então, sinceramente, não parece crível a explicação de que não fosse uma decisão de alto nível.
– Há outro fato: o sequestro do cadáver de (Pedro Eugenio) Aramburu. Um dia, no meio de uma reunião da condução, veio alguém e disse: “Tche, parece que estão organizando o sequestro do cadáver do Aramburu”. Pensamos que estavam loucos. Me pediram que averiguasse o que havia. Estávamos pelo bairro de Caseros. Saí e um jornal já tinha a notícia. Não era da importância do que aconteceu com Rucci, mas era um fato ressoante. Não havia uma estrutura piramidal de decisões sobre cada operação. Depois vimos que o estado de ânimo das forças chamadas aliadas era o aplauso ao fato de Rucci. Os de (Augusto) Vandor e (José) Alonso também não foram feitos pelos Montoneros como Montoneros. Foram outros companheiros. No caso do grupo de Vandor, vários companheiros se incorporaram depois aos Montoneros. Quando vimos a repercussão que teve o de Rucci, calamos a boca.

Comparemos intenções. Os assassinatos de Vandor e o de Alonso apontavam a colocar-se ao lado de Perón. O de Rucci, contra.
– É verdade. Mas a lógica interna vale para um caso e para o outro. Tomado politicamente, além de um erro dos que poderiam ter participado nesse fato, houve outra consequência, e é que nós fomos as principais vítimas do tema Rucci. Aprofundaram-se as diferenças com Perón e com o aparato sindical. Tínhamos muitos problemas com Rucci, mas não chegavam a esse nível. Um dia depois dos acontecimentos de Ezeiza do dia 20 de junho de 1973, o “Loro” Lorenzo Miguel me disse sobre Rucci: “O que acontece é que o baixinho ficou louco. Se achou Napoleão. Não era nosso plano”. Na campanha eleitoral não houve nenhum morto. Alguma briga, alguma paulada, alguma chicotada, como hoje em dia. Mas enfrentamento armado, nada.

Admitindo isso como um fato verdadeiro, o que disseram na direção dos Montoneros para dentro, para vocês mesmos?
– Que era uma cagada. Estávamos entre a ambiguidade de sentir que era um fato positivo para muitos e achar que não faria mais do que complicar uma situação que já estava complexa.

O livro diz: “Perón nos declararia a guerra”. De novo aparece uma visualização política e um sentimento. A direção...
– A pergunta é se a direção não deve ter sentimentos?

Não. A pergunta é se uma direção não deve peneirar os próprios sentimentos e, no mínimo, os do espaço que simpatiza com uma organização.
– Bom, se nos guiamos pelos sentimentos perdemos a cabeça. E também não devíamos deixar-nos guiar por respostas de outras circunstâncias parecidas. Obviamente, por trás de tudo isso existia o confronto com Perón. Vivíamos em um momento absolutamente passional. Agora se pode ver as coisas de outra maneira.

E outra coisa mais: quanto pesa na análise o fato de você ter participado do governo de Carlos Menem?
– Trabalhei na Subsecretaria de Direitos Humanos, que dependia do Ministério do Interior. No livro mostro que os que vínhamos do âmbito residual dos Montoneros nos equivocáramos. Equivocamo-nos sobre a natureza dessa democracia. Demos-lhe maior valor do que realmente tinha. Com o passar do tempo foi se comprovando uma degradação dessa democracia que, de alguma maneira, estava no seu começo. Não compreendemos o valor que o próprio imperialismo dava às democracias.

E não podia ser possível uma convergência de interesses entre a concepção dos Estados Unidos sobre que o ciclo das ditaduras havia se esgotado e o desejo dos povos de viver em democracia?
– Claro que houve convergência. Mas nós não vimos a profundidade das políticas norte-americanas nos limites postos às democracias para que fossem condicionadas. Com esse limite poderiam governar através da democracia. Isso lhes permitiu também, quando foram ao Iraque, dizer que o faziam para reestabelecer a democracia quando, na realidade, foram para estabelecer sua forma de domínio. Esta democracia é um avanço com respeito à ditadura. Mas não é a democracia na qual o povo pode desenvolver-se. Se comparar estas democracias com as ditaduras, não tenho nenhuma dúvida de com qual fico. Mas se as comparo com outras formas que poderiam permitir o desdobramento da força dos povos, a conclusão seria outra.

Não quero deixar de questionar um tema: a morte de Paco Urondo.
– Primeiro esclareçamos algumas questões. Dentro dos companheiros que vinham do âmbito intelectual, Paco dizia: “Eu quero participar conduzindo uma estrutura orgânica”. Falei isso diretamente com ele. “Quero ver como é a experiência e quero fazê-la”, me dizia. Também se coloca a pergunta de por que foi à Mendoza. Diz-se que Paco teria dito: “A qualquer lugar menos à Mendoza”. Eu falei com Paco e não lembro um questionamento seu.

Pode não tê-lo dito, mas talvez alguém pudesse ter em conta pelo alto risco.
– Não lembro de nem ele nem outros questionassem que não pudesse ir a Mendoza.

Em uma entrevista ao Página/12, sua filha disse há dois anos que esperava que terminassem o processo aos genocidas para analisar a responsabilidade daqueles que não o mataram.
– Quando alguém decide integrar-se e dar a vida nisso, claro que se cometem erros. Mas esses erros há que relacioná-los com o objetivo ao qual se propõe. Daí me ocorre algumas interrogações. Que pensava a ditadura? Que lutava contra ninguém? Que em 76 já não havia nada? Em quatro ou cinco meses de 76 houve 600 operações. Algo havia. E algo bastante.

Com que poder em 1976? Que podiam conseguir?
– Desgastar a ditadura.

Não aconteceu.
– Vejamos. Quanto durou a ditadura no Chile, quanto no Brasil, quanto no Uruguai, quanto no Paraguai? O tempo não tem nada a ver com isto?

Não sei.
– Não acredito nas casualidades históricas.

Pode haver múltiplas razões para a duração da ditadura onde as ações dos Montoneros não constituam a razão de maior peso.
– De novo: a resistência foi forte na Argentina e diminuiu os tempos.

Também de novo: embora a mãe da democracia não seja Thatcher, a derrota militar das Malvinas sim encurtou os tempos.
– Eles vão às Malvinas procurando a legitimação histórica de um golpe que haviam começado para frear as lutas operárias. Convenhamos uma coisa: a data do golpe de Estado não tem que ver, como diz Ceferino Reato, com (a tomada do quartel de) Formosa. Tem muito mais que ver com Villa Constitución, onde casualmente do outro lado estão, em Acindar, José Alfredo Martínez de Hoz e Alcides López Aufranc. López Aufranc havia sido o primeiro que viajou à França para estudar a contrainsurgência. Nada disto é casual. Nos primeiros meses de 1975 chegaram à conclusão de que a camiseta de Isabel não lhes servia para frear as lutas sociais. Se não, não teriam dado o golpe. Não são assassinos por vocação de assassinar. São assassinos a serviço de um interesse econômico. Depois de Villa Constitución experimentaram com o plano de Celestino Rodrigo e se foi ao diabo já não só pela nossa ação, mas pela mobilização convocada pelas 62 Organizações da CGT e o aparato sindical.

No livro há uma frase sobre o marco mundial e regional: “Chegamos tarde ao encontro marcado com a história”.
– Foi assim. Todos coincidiam em uma coisa: a crise final do capitalismo dependente. Não era uma análise muito louca até 1971, mas quando Richard Nixon decide separar o dólar do ouro, encontra o furo da bala. O setor dominante muda a hegemonia, se desloca de uma hegemonia caduca do sector metal mecânico ao financeiro e nos enchem de papeizinhos verdes, de dívida externa. Nós, metidos na euforia, continuávamos pensando o mesmo que em 1969 ou 1970. Nem Perón percebeu a mudança. Nas nossas reuniões em Roma e em Madri nos mostrou um mundo – e não nos enganava: quem estava enganado era ele – com uma análise da qual me ficou patente uma frase: “Desta vez paramos os gringos”. Taiana pai conta que Perón passou 48 horas chorando. Literalmente. Via o final de sua vida, sua estratégia destruída...

Quando você e Perón se viram pela última vez?
– Eu tive poucas reuniões com ele. A primeira foi em Roma. Não me sentia diante de um mito. Era uma pessoa de carne e osso com a qual se podia falar e discutir.

López Rega estava?

– Um palhaço. Lembro-me de quando, em Madri, visitamos Perón com (Roberto) Quieto e (Mario) Firmenich. Perón tinha a escrivaninha sobre um estrado de uns dez centímetros de altura. Chega López Rega. Perón lhe diz: “Lopecito, conte aos rapazes o que estivemos conversando nestes dias”. López começa a fazer toda uma história sobre o sangue que corre pelas veias decadentes da Argentina e que tudo se podia ver nos anúncios fúnebres do La Nación e do La Prensa. Estava sentado em um banquinho de plástico atrás de nós. Viramo-nos para vê-lo. Nisso me viro para ver o que Perón fazia. O velho estava segurando a barriga e rindo. Sei lá, não tínhamos nesse momento a compreensão do que significava López Rega, de sua relação com os ianques e com a Propaganda Dois de Licio Gelli. Nem ideia. Disso fomos nos dando conta com o passar do tempo. Quando fomos embora desse último encontro com Perón estávamos caminhando por uma ruazinha de Puerta de Hierro e López Rega para e diz: “Ah, se vocês soubessem as coisas que eu tive que fazer para que Perón pudesse voltar à Argentina, me matariam aqui mesmo”. Pensamos que era mais uma loucura. Um mês e meio depois da reunião, para o dia 25 de maio de 1973, as coisas já estavam ficando mais claras.

Tradução: Liborio Júnior

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