segunda-feira, 3 de junho de 2013

A virtuosa relação crescimento/emprego/renda


Para Claudio Dedecca, aumentar a renda e o poder de consumo das famílias é algo que favorece a arrecadação do Estado, o que permite uma ampliação do seu gasto social com infraestrutura e políticas sociais

Graziela Wolfart

Dedecca: “No mundo inteiro, a população dedica cada vez mais tempo para o mercado de trabalho”
Na visão do professor Claudio Dedecca, da Unicamp, a década passada mostrou que “foi possível para o país voltar a crescer, gerar empregos, elevar os salários e realizar políticas públicas de proteção e desenvolvimento do trabalho. Portanto, nosso grande desafio a partir de agora, em termos de país, é darmos continuidade de sustentação a essa trajetória positiva que conhecemos nos últimos tempos”. Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, ele defende que “a política econômica tende a ter uma trajetória própria e a política de infraestrutura, isto é, investimento em saneamento, transporte, etc., acaba ocorrendo na brecha permitida pela política econômica”, o que já estaria melhorando, mas ainda precisa avançar. E aponta: “o trabalhador depende que o mercado de trabalho funcione bem, o desemprego seja baixo, a renda aumente, as condições de emprego sejam favoráveis, mas ele depende igualmente do desenvolvimento de um conjunto importante de políticas de Estado em termos da sua condição de vida”.
Claudio Salvadori Dedecca é professor do Instituto de Economia da Unicamp. Possui graduação, mestrado e doutorado em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas. Dentre outros, é autor de Trabalho e Gênero no Brasil: Formas, Tempo e Contribuição Sócio-Econômica (Brasília: UNIFEM - ONU, 2005) e Racionalização e Trabalho no Capitalismo Avançado (Campinas: Unicamp - IE, 1999).
Confira a entrevista. 
IHU On-Line – Quais as novidades no Brasil em relação às políticas públicas de trabalho, renda e proteção social?
Claudio Dedecca – A experiência recente brasileira nega um conjunto de expectativas que havia sido constituído no final de década de 1990 no país sobre as perspectivas do mercado de trabalho. Ao longo da década de 1990, a avaliação que se tinha do ponto de vista do mercado de trabalho é de que nós teríamos uma situação de desemprego recorrente, em que não seria mais possível ampliar o setor formal ou realizar a geração de emprego e desenvolver políticas públicas de proteção e desenvolvimento do trabalho. A década passada mostra que essa avaliação da década de 1990 era totalmente falaciosa. Foi possível para o país voltar a crescer, gerar empregos, elevar os salários e realizar políticas públicas de proteção e desenvolvimento do trabalho. Portanto, nosso grande desafio a partir de agora, em termos de país, é darmos continuidade de sustentação a essa trajetória positiva que conhecemos nos últimos tempos.
IHU On-Line – Qual a importância para o mundo do trabalho brasileiro do fato de o Lula ter reconstituído uma visão nacional no país, de que temos que ter um projeto que atenda aos interesses dos diversos segmentos da sociedade brasileira? 
Claudio Dedecca – O impacto é enorme e extremamente positivo, porque obviamente a reconstituição do projeto nacional para o país restabelece uma confiança dos diversos segmentos da sociedade em relação ao futuro que esse país pode ter. E nesse exato momento existe uma razoável convergência em boa parte dos setores da sociedade brasileira, que possuem a confiança de que é possível que o país estabeleça uma trajetória própria de desenvolvimento com benefícios sociais, com redução da desigualdade, com geração de emprego, com proteção social. Esse é um fato extremamente positivo porque tira o país de uma situação de pessimismo muito radical, que ele havia conhecido na década de 1990 e insere na sociedade brasileira uma visão de que ela pode fazer um desenvolvimento econômico e social mais justo.
IHU On-Line – Como esse projeto pode preservar questões básicas, como o crescimento, a estrutura produtiva, a renda e o emprego?
Claudio Dedecca – Nos últimos anos o Brasil tem buscado desenvolver um conjunto de medidas com o objetivo de fortalecer o crescimento. Alguns fatores têm jogado negativamente em relação a esse processo como, por exemplo, o cenário internacional. É fundamental que o cenário internacional melhore, que tenhamos uma perspectiva de crescimento da economia internacional. E do ponto de vista da política interna, o desenvolvimento e a articulação das políticas econômicas e sociais ainda se estrutura. O Brasil sofre uma articulação muito baixa entre esses três conjuntos de política. A política econômica tende a ter uma trajetória própria e a política de infraestrutura, isto é, investimento em saneamento, transporte, etc., acaba ocorrendo na brecha permitida pela política econômica. O mesmo ocorre com a política social. Nos últimos tempos, essa relação entre a política de infraestrutura, as políticas sociais e a política econômica tem melhorado. A decisão do governo em reduzir a taxa de juros, em defender o crescimento como um instrumento fundamental para a execução de políticas de infraestrutura e políticas sociais, tem sido uma conduta muito favorável. Mas precisamos melhorar ainda mais esse processo. É fundamental que a política econômica tenha não só objetivos, metas, inflação, busque manter o superávit econômico e ampliar as reservas internacionais que o país tenha, mas também é importante que faça parte da política econômica os objetivos sociais, isto é, avanços no campo da educação, do saneamento, que ela tenha como parâmetro desafios sociais e não só desafios econômicos, como tem sido a marca da condução da política econômica nesses últimos 30 anos.
IHU On-Line – Em que implica a ação do governo do PT de ter conseguido vincular de modo estreito a necessidade de provocar um desenvolvimento na base produtiva com a geração de emprego?
Claudio Dedecca – As implicações desta relação são extremamente importantes, por dois motivos: em primeiro lugar, em termos gerais, para o país ter uma base produtiva mais desenvolvida e para poder competir internacionalmente. Apesar de que o país tem encontrado dificuldade para concretizar esse objetivo. O segundo aspecto é que o desenvolvimento da base produtiva em uma perspectiva de fortalecimento do emprego e do fortalecimento da renda gera um duplo impacto: de um lado, o aumento do emprego e da renda melhora as condições de poder de compra das famílias e isso é fundamental, porque boa parte da população depende do trabalho e do salário para viver e manter seu padrão de consumo. Ampliar a estrutura produtiva, o emprego e a renda é algo que beneficia as famílias, ainda mais com políticas envolvendo o salário mínimo, para reforçar esse processo. Por outro lado, se temos o aumento da atividade econômica, do emprego e da renda, o Estado também é beneficiado, porque a arrecadação cresce, portanto esse processo permite que o Estado não só amplie sua capacidade de investimento, mas também de gastos na área social e de infraestrutura. Portanto, como no Brasil a população é muito carente em termos de infraestrutura e de políticas sociais, favorecendo a arrecadação do estado, obviamente se propicia uma ampliação do gasto social do Estado.
IHU On-Line – Como as políticas de renda (salário mínimo, Bolsa Família, etc.) impactam no âmbito do trabalho e do emprego em nosso país?
Claudio Dedecca – Há uma ampla convergência entre os analistas de que essas políticas têm sido muito boas para o mundo do trabalho. Não podemos olhar apenas para o trabalhador, temos que olhar para sua família. Os efeitos do aumenta da renda e a melhora do mercado de trabalho aumentou a capacidade de gasto do Estado. Essa melhora na renda das famílias – seja por meio de transferência de renda ou pelo salário mínimo – favoreceu o poder de compra. A questão que é necessária ressaltar é de que as necessidades de uma família de baixa ou média renda é muito mais complexa do que pura e simplesmente a renda do trabalho ou a renda da transferência do Bolsa Família. É preciso ter acesso à educação, à saúde, habitação, saneamento. Nesse sentido, ainda estamos nos movendo lentamente em relação às políticas sociais e à importância que elas têm para o trabalhador. Isto é, o trabalhador depende que o mercado de trabalho funcione bem, o desemprego seja baixo, a renda aumente, as condições de emprego sejam favoráveis, mas ele depende igualmente do desenvolvimento de um conjunto importante de políticas de Estado em termos da sua condição de vida.
IHU On-Line – Pensando em salário mínimo, podemos dizer que o salário atual é condizente com as necessidades dos trabalhadores brasileiros?
Claudio Dedecca – Não, o salário mínimo atual não é condizente. Entretanto, devemos ressaltar que temos uma política de estado para o salário mínimo. E se privilegiarmos o crescimento e entendermos que a relação crescimento/emprego/renda é virtuosa, mantida a política do salário mínimo atual, poderemos ter, ao final desta década, uma situação garantida de renda para os trabalhadores brasileiros que ganham remuneração mais baixa. Não temos ainda hoje, mas constituímos um mecanismo extremamente importante para viabilizar que os salários baixos no Brasil deixem de ser irrisórios e passem a ter um valor substantivo. Estamos no caminho certo. 
IHU On-Line – Que relação pode ser estabelecida hoje entre tempo e trabalho? Como é feito uso do tempo no capitalismo do século XXI, tendo em vista o mundo do trabalho no Brasil?
Claudio Dedecca – Existe toda uma discussão de que as transformações tecnológicas mais gerais e recentes do capitalismo nos propiciariam a ampliação do tempo livre e diminuição do tempo de trabalho. Infelizmente essa tese não tem nenhum respaldo na realidade. O mundo do trabalho vem ampliando a distorção do tempo disponível das pessoas. Nos últimos 15 anos, no Brasil, tínhamos uma legislação que falava em jornada de 44 horas semanais de trabalho, concentrada de segunda a sábado até a hora do almoço. No entanto, permitimos a abertura do comércio aos domingos, colocamos banco de horas e permitimos a realização de trabalho em horários que escapam do período normal de trabalho. Do ponto de vista da evolução da apropriação do mundo do trabalho em relação ao tempo das pessoas, nós não estamos indo bem. E essa situação não é própria do Brasil. No mundo inteiro, a população dedica cada vez mais tempo para o mercado de trabalho.
IHU On-Line – Considerando a crescente imaterialização das atividades como uma tendência do trabalho no século XXI, como isso aparece no Brasil? 
Claudio Dedecca – O Brasil ainda tem um espaço muito grande para geração de empregos caracterizados pelo trabalho manual e material. O desenvolvimento desse trabalho e a geração desses empregos são muito importantes para o mercado de trabalho brasileiro nos próximos anos. O que temos que fazer é nos preocupar menos se o trabalho está vinculado a atividades materiais ou imateriais, mas fundamentalmente promovermos o desenvolvimento dos setores e gerarmos empregos que temos a possibilidade de gerar. E, mais do que isso, buscarmos melhorar a qualidade desses empregos.
IHU On-Line – Qual a importância e a força dos sindicatos na democracia atual, tendo em vista o desemprego?
Claudio Dedecca – É enorme, até porque a Constituição brasileira determina que o sindicato participe de várias políticas públicas. E mais, se a economia e o mercado de trabalho vão bem, também avança a negociação coletiva e melhoram as relações de trabalho. E o sindicato tem um papel decisivo nesse processo. As condições do mercado de trabalho têm favorecido os sindicatos. 

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