A Câmara dos Deputados aprovou nesta semana o texto base do projeto de lei nº 7.663/10, do deputado Osmar Terra (PMDB-RS). Representa um dos maiores retrocessos legislativos dos últimos tempos quanto ao impacto da lei de drogas no sistema prisional e na Justiça criminal.
RAFAEL CUSTÓDIO E RAFAEL DIAS
A população carcerária brasileira já é a quarta maior do mundo (550 mil). Temos também a terceira maior taxa de encarceramento. Desde 2005, um ano antes da promulgação da atual Lei de Drogas, a população prisional por tráfico saltou de 33 mil (11% do total) para 138 mil (25% do total).
Pesquisas recentes demonstram que a maior parte das pessoas presas por crimes relacionados a drogas são homens, jovens entre 18 e 29 anos, negros e pardos, com escolaridade até o primeiro grau completo e sem antecedentes criminais.
O que se vê é que o suposto combate às drogas é na verdade um instrumento eficaz de criminalização da pobreza e da juventude negra.
Além disso, esse jovem é em geral preso sozinho, sem arma, com pouca quantidade de droga e sem que tenha havido qualquer atividade de inteligência policial para a sua prisão (são presos, via de regra, nas "rondas" das Polícias Militares).
Diante desse quadro, soam irreais as propostas em questão que estabelecem novos aumentos de pena e um suposto critério de distinção entre usuário e traficante, absolutamente subjetivo, e que, portanto, perpetua a lógica seletiva da Justiça criminal. A previsão de penas proporcionais ao "grau de dependência" do entorpecente, além de tecnicamente discutível, acaba punindo ainda mais os já marginalizados usuários de crack.
Como se vê, não é à toa que o projeto de lei e seu substitutivo têm gerado um caminhão de críticas em diversos setores da sociedade, aparentemente ignoradas pelos nossos representantes.
De qualquer modo, ainda dá tempo para que o debate seja ampliado, também sob a ótica daqueles que vêm sendo historicamente o alvo preferencial da política nacional antidrogas: os jovens, negros e pobres.
Se o direito penal é o direito dos pobres, porque sobre eles, exclusivamente, recai sua força (Heleno Fragoso), vê-se que os nossos deputados almejam prestar relevantes serviços ao fortalecimento desse "privilégio". Com a palavra, o Senado Federal.
RAFAEL CUSTÓDIO, 31, advogado, é coordenador do Programa de Justiça da ONG Conectas Direitos Humanos
RAFAEL DIAS, 31, é doutorando em psicologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador da ONG Justiça Global
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