quarta-feira, 5 de junho de 2013

Papa quer ver jovens longe do indiferentismo religioso


Papa quer ver jovens longe do indiferentismo religioso

O principal objetivo do papa Francisco na Jornada Mundial da Juventude que ele presidirá de 22 a 29 de julho próximo, no Rio de Janeiro, será justamente o de propor aos jovens de todos os continentes valores alternativos, tais como a solidariedade, a busca de relacionamentos autênticos e o enfrentamento de todas as situações de violência e de miséria. Por Dermi Azevedo

O indiferentismo religioso, o consumismo e o niilismo são alguns dos principais fenômenos psicossociais que atingem a maioria dos jovens no mundo de hoje, do ponto de vista ideológico. O principal objetivo do papa Francisco na Jornada Mundial da Juventude que ele presidirá de 22 a 29 de julho próximo, no Rio de Janeiro, será justamente o de propor aos jovens de todos os continentes valores alternativos, tais como a solidariedade, a busca de relacionamentos autênticos e o enfrentamento de todas as situações de violência e de miséria. 

O papa Francisco encontrará, no Brasil, um panorama exemplar dessa "crise de valores". De acordo com teólogos com acesso ao pontífice, essa realidade leva a juventude a "optar" pela alienação, pela drogadicção e pela adoção de atitudes marcadas pelo egoísmo. Esses paradigmas resultam em comportamentos violentos em todos os níveis ( familiar, comunitário, cívico e político). No aspecto interno da Igreja Romana, a principal intenção do Papa, na visita ao Brasil, é a de tentar resgatar a imagem eclesiástica afetada exatamente por uma crise de valores, ou seja, atingida - em sua cúpula - por vários casos de escândalos em termos de ética pública e privada.

Indiferentismo religioso
Esse fenômeno não atinge apenas os jovens. Em suas várias pesquisas, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) vem constatando um progressivo abandono da prática religiosa no Brasil. De um momento para outro, parcela significativa da população vai deixando o fator religioso em segundo plano. Continuam a adotar uma religiosidade por herança familiar, mas em sua vida particular não mais consideram a religião como o leitmotiv de seu modo de ser. 

Apesar da predominância do catolicismo no Brasil, a proporção de pessoas que se declararam católicas caiu de 83,8%, em 1991, para 73,8%, em 2000. Em contrapartida, os evangélicos, que correspondem ao segundo maior percentual, representavam, em 1991, 9%, e em 2000 chegaram a 15,4%. Na terceira posição encontram-se as pessoas que declararam não ter religião, 7,3 %, em 2000, contra 4,8%, em 1991. Os católicos, evangélicos e sem religião representavam, em 2000, 96,5% da população brasileira.

O Rio de Janeiro apresentou a menor proporção de católicos (57,2%) e o maior contingente de pessoas sem religião (15,5%). De acordo com estudo da socióloga Sílvia Regina Alves Fernandes, do CERIS (Centro de Estatística Religiosa e Investigação Social), do Rio de Janeiro, "a partir de meados dos anos 80 e, sobretudo, na última década, a sociedade brasileira vem apresentando uma pluralidade de iniciativas e expressões religiosas que têm levado multidões à participação de cultos em praças públicas, ao aumento da audiência de programas religiosos e à presença de líderes desses movimentos na televisão brasileira. Nesse contexto, podem ser observadas novas configurações das crenças que vão indicar uma ampliação do campo religioso com destaque para as religiões consideradas mágicas, flexíveis, capazes de conjugar práticas racionais presentes na modernidade - como o uso de meios de comunicação de massa - com as práticas emocionais, com ênfase no sentir, no uso do corpo e da música."

Os dados do IBGE indicam, segundo Silvia, a emergência de um novo elemento: o aumento vertiginoso de pessoas que se denominam sem-religião. A presença deste grupo na sociedade brasileira, de forma mais intensa nos últimos anos, pode ser interpretada dentro das teorias clássicas da relação entre religião e modernidade em que se constata a existência do uma espécie de narcisismo religioso caracterizado, sobretudo, pelo estabelecimento de uma religiosidade anônima onde palavras como Cosmo, Energia, Espírito etc. recebem atributos de um absoluto religioso bastante diferenciado do sentido de transcendência dado pelo Cristianismo.

Muda também a noção de religião que tanto pode ser concebida como uma instituição com espaço físico e jurídico definido, constituídos pela formação de comunidades fraternas, quanto pode ser simplesmente um conjunto de atitudes que definem um modo de vida, ou o culto a si mesmo expresso em frases do tipo: "quem faz a minha religião sou eu". 

Niilismo 
Como manifestação de uma descrença absoluta em conceitos metafísicos, o niilismo vincula-se historicamente à corrente teológico-religiosa da "morte de Deus". Levada à prática, essa tendência provoca não apenas o abandono da religião, considerada como a suprema alienação, mas também leva os niilistas, na visão de analistas católicos, a atitudes de auto-destruição e de extremo individualismo. O Papa irá propor aos jovens que se afastem dessa posição autoreferencial e que se projetem na pessoa e na mensagem de Jesus Cristo.

Consumismo "Consuma com sumo cuidado". Esta frase, escrita há alguns anos numa parede de Santiago do Chile, resume a mensagem da Igreja, repassada aos seus membros. Ao contrário do que pregam os porta-vozes do mercado, a posição do Papa é a de que consumir por consumir pode gerar uma dependência, marcada até mesmo pela impossibilidade de atender aos desejos dos consumidores. Isso não significa, afirmam essas fontes, rejeitar as possibilidades técnicas, oferecidas pela mídia eletrônica, para veicular a mensagem cristã.

Meio ambiente
A essas preocupações, o Papa agregará, nos seus discursos no Rio de Janeiro, o seu empenho em favor da integridade da natureza. No Dia Mundial do Meio Ambiente, promovido pelas Nações Unidas, Francisco Iançou um apelo contra o desperdício de alimentos. "Quando falamos de meio ambiente, disse o Papa, o pensamento remete às primeiras páginas da Bíblia, ao Livro do Gênesis, onde se afirma que Deus colocou o homem e a mulher sobre a terra para que a cultivassem e a guardassem. Mas é o que estamos fazendo? Esta indicação de Deus não foi feita só no início da história, mas a cada um de nós. É nossa responsabilidade fazer com que o mundo se torne um jardim, num local habitável por todos. Mas nós, ao invés, somos muitas vezes guiados pela soberba do domínio, da posse, da manipulação, da exploração. Estamos perdendo a atitude do estupor, da contemplação, da escuta da criação. Isso acontece porque pensamos e vivemos de modo horizontal, nos afastamos de Deus.”

Surpreendentemente, o Papa afirmou que "o sistema continua o mesmo". O que domina são as dinâmicas de uma economia sem ética. Hoje, o dinheiro comanda. Deste modo, homens e mulheres são sacrificados aos ídolos do lucro e do consumo: é a “cultura do descartável”. Se um computador quebra, é uma tragédia, mas a pobreza, as necessidades, os dramas de tantas pessoas acabam por fazer parte da normalidade…”

Esta “cultura do descartável” tende a se tornar mentalidade comum, que contagia a todos. A vida humana já não é sentida como o valor primário a respeitar e tutelar, especialmente se é pobre ou deficiente, se não serve – como o nascituro –, ou não serve mais – como idoso. 

“Esta cultura do descartável nos tornou insensíveis também aos desperdícios e aos restos de alimentos – o que é ainda mais deplorável quando muitas pessoas e famílias sofrem fome e desnutrição em várias partes do mundo. O consumismo nos induziu a nos acostumar com o supérfluo e ao desperdício cotidiano de comida. Lembremo-nos, porém, de que o alimento que jogamos fora é como se o tivéssemos roubado da mesa do pobre, de quem tem fome!” 

Jesus não quer desperdício, lembrou o Papa. Depois da multiplicação dos pães e dos peixes, mandou recolher os pedaços que sobraram, para que nada se perdesse. Quando o alimento é repartido de modo justo, ninguém carece do necessário.

“Convido todos a refletirem sobre o problema da perda e do desperdício de alimento para identificar vias que sejam veículo de solidariedade e de compartilha com os mais necessitados. Ecologia humana e ecologia ambiental caminham juntas. Gostaria então que todos assumissem seriamente o compromisso de respeitar e proteger a criação, de estar atento a cada pessoa, de combater a cultura do desperdício e do descartável, para promover uma cultura da solidariedade e do encontro.”

Uma 'nova' juventude 
O Papa encontrará no Brasil, possivelmente, pelo menos no que se refere aos jovens latino-americanos, uma "nova" juventude católica. Não se trata mais de jovens marcados pela ideologia de reformas na Igreja, como nos anos que antecederam o Concílio Vaticano II e que deu origem à Ação Católica, com a sua famosa metodologia resumida na frase "ver, julgar e agir". Muitos desses jovens tornaram-se depois lideres na resistência às várias ditaduras civis-militares na América Latina. 

A juventude brasileira que Francisco encontrará no Rio é aquela que reage, muitas vezes de modo incompreendido, às políticas inspiradas na mundialização da economia e na privatização do Estado. E que ainda não foi devidamente ouvida, pela própria Igreja, sobre a forma e o conteúdo das democracias pós-golpes.

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