Talvez o fato mais relevante não seja nem tanto os problemas que começam a surgir no descompasso entre exportações e importações. Mas, sim, os grandes obstáculos existentes nas contas de transações correntes. Esses podem provocar prejuízos ainda mais sérios ao País, caso não sejam adotadas medidas urgentes de controle e regulação do fluxo de capitais externos.
Paulo Kliass
Os meios de comunicação começam a apresentar um pouco mais de informações e análises a respeito do comportamento de nossa Balança Comercial. O encerramento das estatísticas relativas ao mês de maio trouxe à tona uma preocupação até então inexplorada pela grande imprensa. O fato é que os valores acumulados dos primeiros cinco meses de 2013 fornecem um quadro inédito e pessimista: o resultado do balanço entre exportações e importações resultou em um déficit de US$ 5,4 bilhões. Trata-se de uma reversão expressiva da tendência, em relação aos valores de anos anteriores.
Para igual período do ano passado, por exemplo, o saldo revelou-se superavitário em US$ 6,3 bi. Em suma, esse foi o pior resultado para o acumulado janeiro-maio desde 1959, quando se iniciou a série apurada pelo Banco Central.
É importante ressaltar que tais movimentos conjunturais, de curto prazo, podem ser compensados por resultados mais positivos nas exportações dos próximos meses, a ponto de compensar o saldo acumulado do ano e reverter a situação atual. Mas o fato é que o quadro mais geral aponta, realmente, para que uma luzinha amarela seja acesa no quesito contas externas. Tal análise decorre do fato de que o problema, na verdade, não está apenas no saldo entre exportações e importações. A questão é mais complexa e mais grave.
A evolução da Balança Comercial
Um dos principais argumentos utilizados por aqueles que não se preocupavam com a essência da política econômica conservadora, implementada ao longo dessa última década, era justamente a aparência de tranquilidade exibida pelas nossas contas externas. Com isso, os números oficiais exibidos limitavam-se aos êxitos obtidos nas rubricas de exportações e de sua superioridade face às importações. E, de fato, por essa ótica o País ia bem. Acumulava reservas internacionais em valores expressivos, que hoje superam a marca de US$ 375 bilhões.
Afinal, o modelo concentrado na prioridade concedida aos diferentes ramos do setor primário-exportador assegurava saldos positivos e crescentes na nossa Balança Comercial. As exportações, contando com os preços crescentes das “commodities” no mercado internacional no primeiro mandato de Lula, batiam recordes atrás de recordes. No entanto, com a passividade do governo frente ao processo de valorização da taxa de câmbio, as importações começaram a crescer também, mas em um ritmo ainda mais acentuado. Entre 2003 e 2006, o valor anual médio do superávit da Balança Comercial era de US$ 37 bilhões. No segundo mandato, entre 2007 e 2010, esse valor cai para US$ 28 bi. Já nessa primeira metade do governo da Presidenta Dilma, o saldo foi reduzido para uma média anual de US$ 24 bi.
Os principais responsáveis por essa redução de mais de 30% no saldo foram os aumentos, mais do que proporcionais, observados também nos valores das importações. No primeiro mandato de Lula, o valor anual médio dos gastos com importados foi de US$ 69 bi, pulando para US$ 150 bi no segundo governo e chegando à média de US$ 225 bi com Dilma. Por seu turno, as exportações cresceram a ritmo bem inferior: saíram de US$ 106 bi em Lula I, passaram a US$ 178 bi em Lula II e alcançaram à média anual de US$ 249 com Dilma.
A necessidade de ampliar análise: Transações Correntes
O detalhe, porém, é que o desempenho da Balança Comercial revela apenas um dos vários elementos que contribuem para o comportamento do setor externo das economias nacionais. As relações econômicas com o aquilo que o economês classifica como “resto do mundo” podem ser analisadas sob a ótica do Balanço de Pagamentos – registro de todas as operações de entradas e saídas de recursos de um país considerado. E esses movimentos são agrupados em 2 grandes blocos de contas: as contas de transações correntes e as contas de capital. Dessa forma, o registro de importações e exportações de bens é um dos componentes das transações correntes. Isso porque ali estão contabilizadas também as operações de créditos e débitos relativos a juros, rendas e serviços realizadas com o exterior.
Isso significa dizer que não basta o acompanhamento de tudo o que ocorre no âmbito da exportação e da importação de bens para se tecer uma avaliação mais abrangente e de qualidade a respeito da economia de um determinado país. É óbvio que devem ser levados em consideração fatores específicos, tais como o diferencial de preços entre bens exportados e importados. E nesse caso, por exemplo, o Brasil está bastante prejudicado, pois exporta cada vez mais com base em uma pauta primarizada de bens (“commodities” agrícolas e minérios) e importa com base em uma pauta de bens manufaturados. Como vende para o exterior bens de baixo valor agregado e compra lá fora produtos de maior agregação de valor, isso pesa em termos do volume total de cada conta. Por outro lado, contribui também a manutenção da taxa de câmbio em um patamar de valorização temerária, pois as importações tornam-se artificialmente mais baratas e isso eleva o total que do País deve arcar com esse tipo de despesa.
Porém, há todo um conjunto de outros itens que começam a afetar de forma expressiva e preocupante nosso setor externo. Isso porque todo o esforço de obtenção do superávit comercial se dilui nas demais despesas das Transações Correntes. Vejamos, portanto, cada caso e como pode impactar o setor externo. As contas que mais pesam são as chamadas despesas com “serviços” e “rendas”. No caso de “serviços” estão presentes as operações com transportes, viagens, seguros, aluguéis, royalties, serviços empresariais, serviços governamentais e outros. No caso de “rendas”, podemos elencar as despesas e receitas com salários, lucros, juros, dividendos e similares.
O impacto provocado por “serviços” e “rendas”
Até o ano de 2007, tudo caminhava sem nenhum sinal preocupante, uma vez que o saldo total das transações correntes apresentava-se positivo. Isso significava que o saldo da balança comercial (exportações menos importações) era suficiente para cobrir os valores negativos com remessas sob a forma de serviços e rendas. No entanto, a partir de 2008 a situação inverteu-se de vez e os saldos deficitários no total de Transações Correntes passaram a ser crescentes. Vejamos os valores a cada período governamental. Entre 2003 e 2006, o saldo médio anual foi positivo em US$ 11 bilhões. Já no segundo mandato de Lula, houve uma reversão e o valor anual médio foi deficitário em US$ 17 bi. Sob Dilma esse déficit cresce, de forma bastante exagerada, para US$ 52 bi.
Esse movimento potencialmente explosivo nas Transações Correntes obedece a duas ordens de fatores. Por um lado, contribui a redução gradativa que se observou nos saldos da Balança Comercial ao longo da década, tal como mencionado nos parágrafos iniciais. E, por outro lado, ocorre uma tendência crescente de saldos cada vez mais deficitários no somatório das contas de “serviços” e “rendas”. Tal fato se explica por pagarmos muito mais a estrangeiros do que as quantias que recebemos do exterior relativas a esse título. O saldo líquido de todas as entradas e saídas de recursos com essas contas tem sido sistematicamente negativo. Entre 2003 e 2006, o déficit médio anual foi de US$ 30 bilhões. Ao longo do segundo mandato de Lula, os valores anuais médios apresentaram um déficit de US$ 56 bi. Já no governo Dilma os valores negativos sobem para uma média de US$ 82 bi.
Caso fiquemos com as informações relativas à média de 2011 e 2012, os números merecem mesmo preocupação. O déficit total da rubrica “serviços” é de US$ 40 bi e o acumulado de “rendas” chega a US$ 42 bi. Ao promover um desmembramento, percebe-se que o saldo líquido de “aluguel com equipamentos” atinge US$ 18 bi, seguido de “viagens internacionais” com US$ 15 bi e de “transportes” com US$ 9 bi. Nesse quesito, por exemplo, as viagens ao exterior chamam a atenção. Estimuladas pelo dólar barato, elas provocaram uma despesa mais elevada no ano passado (US$ 22 bi) do que todo o saldo obtido na Balança Comercial. Um claro sinal de que há algum parafuso fora de lugar nessa engrenagem toda.
Sangria do esforço exportador: remuneração do capital estrangeiro
Os dados referentes ao subconjunto “rendas”, porém, são os que expressam bem o sentido das despesas que o Brasil realiza com suas divisas. Mais de 99% dos US$ 42 bi são classificados como “renda do investimento”. Assim, ali pode se perceber que US$ 25 bi saem sob a forma de “renda do investimento direto” (lucros e dividendos) e US$ 17 bi são enviadas ao exterior sob a denominação de juros. Aqui, portanto, fica bem evidenciado como são distribuídos os esforços todos realizados pelo conjunto da sociedade brasileira para gerar esse resultado no setor externo. Tudo acaba em apropriação das divisas geradas entre os detentores do capital e os rentistas do sistema financeiro internacional.
Assim, talvez o fato mais relevante não seja nem tanto os problemas que começam a surgir no descompasso entre exportações e importações. Mas, sim, os grandes obstáculos existentes nas contas de transações correntes. Esses podem provocar prejuízos ainda mais sérios ao País, caso não sejam adotadas medidas urgentes de controle e regulação do fluxo de capitais externos.
Para igual período do ano passado, por exemplo, o saldo revelou-se superavitário em US$ 6,3 bi. Em suma, esse foi o pior resultado para o acumulado janeiro-maio desde 1959, quando se iniciou a série apurada pelo Banco Central.
É importante ressaltar que tais movimentos conjunturais, de curto prazo, podem ser compensados por resultados mais positivos nas exportações dos próximos meses, a ponto de compensar o saldo acumulado do ano e reverter a situação atual. Mas o fato é que o quadro mais geral aponta, realmente, para que uma luzinha amarela seja acesa no quesito contas externas. Tal análise decorre do fato de que o problema, na verdade, não está apenas no saldo entre exportações e importações. A questão é mais complexa e mais grave.
A evolução da Balança Comercial
Um dos principais argumentos utilizados por aqueles que não se preocupavam com a essência da política econômica conservadora, implementada ao longo dessa última década, era justamente a aparência de tranquilidade exibida pelas nossas contas externas. Com isso, os números oficiais exibidos limitavam-se aos êxitos obtidos nas rubricas de exportações e de sua superioridade face às importações. E, de fato, por essa ótica o País ia bem. Acumulava reservas internacionais em valores expressivos, que hoje superam a marca de US$ 375 bilhões.
Afinal, o modelo concentrado na prioridade concedida aos diferentes ramos do setor primário-exportador assegurava saldos positivos e crescentes na nossa Balança Comercial. As exportações, contando com os preços crescentes das “commodities” no mercado internacional no primeiro mandato de Lula, batiam recordes atrás de recordes. No entanto, com a passividade do governo frente ao processo de valorização da taxa de câmbio, as importações começaram a crescer também, mas em um ritmo ainda mais acentuado. Entre 2003 e 2006, o valor anual médio do superávit da Balança Comercial era de US$ 37 bilhões. No segundo mandato, entre 2007 e 2010, esse valor cai para US$ 28 bi. Já nessa primeira metade do governo da Presidenta Dilma, o saldo foi reduzido para uma média anual de US$ 24 bi.
Os principais responsáveis por essa redução de mais de 30% no saldo foram os aumentos, mais do que proporcionais, observados também nos valores das importações. No primeiro mandato de Lula, o valor anual médio dos gastos com importados foi de US$ 69 bi, pulando para US$ 150 bi no segundo governo e chegando à média de US$ 225 bi com Dilma. Por seu turno, as exportações cresceram a ritmo bem inferior: saíram de US$ 106 bi em Lula I, passaram a US$ 178 bi em Lula II e alcançaram à média anual de US$ 249 com Dilma.
A necessidade de ampliar análise: Transações Correntes
O detalhe, porém, é que o desempenho da Balança Comercial revela apenas um dos vários elementos que contribuem para o comportamento do setor externo das economias nacionais. As relações econômicas com o aquilo que o economês classifica como “resto do mundo” podem ser analisadas sob a ótica do Balanço de Pagamentos – registro de todas as operações de entradas e saídas de recursos de um país considerado. E esses movimentos são agrupados em 2 grandes blocos de contas: as contas de transações correntes e as contas de capital. Dessa forma, o registro de importações e exportações de bens é um dos componentes das transações correntes. Isso porque ali estão contabilizadas também as operações de créditos e débitos relativos a juros, rendas e serviços realizadas com o exterior.
Isso significa dizer que não basta o acompanhamento de tudo o que ocorre no âmbito da exportação e da importação de bens para se tecer uma avaliação mais abrangente e de qualidade a respeito da economia de um determinado país. É óbvio que devem ser levados em consideração fatores específicos, tais como o diferencial de preços entre bens exportados e importados. E nesse caso, por exemplo, o Brasil está bastante prejudicado, pois exporta cada vez mais com base em uma pauta primarizada de bens (“commodities” agrícolas e minérios) e importa com base em uma pauta de bens manufaturados. Como vende para o exterior bens de baixo valor agregado e compra lá fora produtos de maior agregação de valor, isso pesa em termos do volume total de cada conta. Por outro lado, contribui também a manutenção da taxa de câmbio em um patamar de valorização temerária, pois as importações tornam-se artificialmente mais baratas e isso eleva o total que do País deve arcar com esse tipo de despesa.
Porém, há todo um conjunto de outros itens que começam a afetar de forma expressiva e preocupante nosso setor externo. Isso porque todo o esforço de obtenção do superávit comercial se dilui nas demais despesas das Transações Correntes. Vejamos, portanto, cada caso e como pode impactar o setor externo. As contas que mais pesam são as chamadas despesas com “serviços” e “rendas”. No caso de “serviços” estão presentes as operações com transportes, viagens, seguros, aluguéis, royalties, serviços empresariais, serviços governamentais e outros. No caso de “rendas”, podemos elencar as despesas e receitas com salários, lucros, juros, dividendos e similares.
O impacto provocado por “serviços” e “rendas”
Até o ano de 2007, tudo caminhava sem nenhum sinal preocupante, uma vez que o saldo total das transações correntes apresentava-se positivo. Isso significava que o saldo da balança comercial (exportações menos importações) era suficiente para cobrir os valores negativos com remessas sob a forma de serviços e rendas. No entanto, a partir de 2008 a situação inverteu-se de vez e os saldos deficitários no total de Transações Correntes passaram a ser crescentes. Vejamos os valores a cada período governamental. Entre 2003 e 2006, o saldo médio anual foi positivo em US$ 11 bilhões. Já no segundo mandato de Lula, houve uma reversão e o valor anual médio foi deficitário em US$ 17 bi. Sob Dilma esse déficit cresce, de forma bastante exagerada, para US$ 52 bi.
Esse movimento potencialmente explosivo nas Transações Correntes obedece a duas ordens de fatores. Por um lado, contribui a redução gradativa que se observou nos saldos da Balança Comercial ao longo da década, tal como mencionado nos parágrafos iniciais. E, por outro lado, ocorre uma tendência crescente de saldos cada vez mais deficitários no somatório das contas de “serviços” e “rendas”. Tal fato se explica por pagarmos muito mais a estrangeiros do que as quantias que recebemos do exterior relativas a esse título. O saldo líquido de todas as entradas e saídas de recursos com essas contas tem sido sistematicamente negativo. Entre 2003 e 2006, o déficit médio anual foi de US$ 30 bilhões. Ao longo do segundo mandato de Lula, os valores anuais médios apresentaram um déficit de US$ 56 bi. Já no governo Dilma os valores negativos sobem para uma média de US$ 82 bi.
Caso fiquemos com as informações relativas à média de 2011 e 2012, os números merecem mesmo preocupação. O déficit total da rubrica “serviços” é de US$ 40 bi e o acumulado de “rendas” chega a US$ 42 bi. Ao promover um desmembramento, percebe-se que o saldo líquido de “aluguel com equipamentos” atinge US$ 18 bi, seguido de “viagens internacionais” com US$ 15 bi e de “transportes” com US$ 9 bi. Nesse quesito, por exemplo, as viagens ao exterior chamam a atenção. Estimuladas pelo dólar barato, elas provocaram uma despesa mais elevada no ano passado (US$ 22 bi) do que todo o saldo obtido na Balança Comercial. Um claro sinal de que há algum parafuso fora de lugar nessa engrenagem toda.
Sangria do esforço exportador: remuneração do capital estrangeiro
Os dados referentes ao subconjunto “rendas”, porém, são os que expressam bem o sentido das despesas que o Brasil realiza com suas divisas. Mais de 99% dos US$ 42 bi são classificados como “renda do investimento”. Assim, ali pode se perceber que US$ 25 bi saem sob a forma de “renda do investimento direto” (lucros e dividendos) e US$ 17 bi são enviadas ao exterior sob a denominação de juros. Aqui, portanto, fica bem evidenciado como são distribuídos os esforços todos realizados pelo conjunto da sociedade brasileira para gerar esse resultado no setor externo. Tudo acaba em apropriação das divisas geradas entre os detentores do capital e os rentistas do sistema financeiro internacional.
Assim, talvez o fato mais relevante não seja nem tanto os problemas que começam a surgir no descompasso entre exportações e importações. Mas, sim, os grandes obstáculos existentes nas contas de transações correntes. Esses podem provocar prejuízos ainda mais sérios ao País, caso não sejam adotadas medidas urgentes de controle e regulação do fluxo de capitais externos.
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
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