quinta-feira, 6 de junho de 2013

“Mídia brasileira é extensão da ‘Casa-Grande e Senzala’”

“Nesse mar, não vai dar peixe, podem crer”. É usando um ditado popular que o jornalista Mino Carta descarta qualquer possibilidade do Congresso Nacional aprovar legislação que remeta à regulamentação da imprensa. Durante a palestra “A história do jornalismo brasileiro através da ficção”, realizada nesta semana, em São Paulo, o diretor da revista Carta Capital se baseou em exemplos estrangeiros para defender a existência de um órgão regulador e criticou o fato da mídia brasileira ser “a extensão da casa grande”.

Renata Cardarelli

“Desse Parlamento que nós temos, jamais esperem essa lei. Eles não têm interesse de lançar ao mar essa lei”, ponderou. Mino ressaltou que a imprensa no Brasil está “alinhada de um lado só”. “A maior desgraça do país é representada por três séculos e meio de escravidão. A casa grande e a senzala continuam. É um pecado que indiretamente nós todos aceitamos, com a contribuição do jornalismo brasileiro, presente para nos confundir constantemente”, disse.
Italiano de Gênova, Mino afirmou não conhecer outro país que viva situação semelhante e avaliou que os veículos de comunicação nacionais representam os interesses da minoria dominante. “Não conheço um único país do mundo, dos desenvolvidos, dos democráticos, dos civilizados, não conheço um que tenha o mesmo tipo de mídia”, disse. “O que me leva a crer que a mídia [brasileira] é a extensão da Casa-Grande e Senzala”, complementou, ao se referir à obra do antropólogo Gilberto Freire, de 1933
Responsabilidade de jornalista
Em São Paulo desde 1946, o profissional conta que no início da carreira “trafegava pelo jornalismo com certo espírito mercenário”, porém com lealdade ao patrão que pagava seu salário. Ele percebeu a responsabilidade de sua tarefa, após passagem pela Editora Abril. “A família Civita entende de Brasil, como eu de numismática. Naquela época, realmente percebi a necessidade, a serventia do bom jornalismo. Ao jornalista não peçam para ser objetivo. A objetividade é das maquinas de escrever. O jornalista é subjetivo ao colocar uma vírgula em uma página em branco. A imprensa omite, mente e inventa. Na Veja pós-Mino se dizia: antes crie a frase e depois a coloque na boca de alguém”.
Crise do jornalismo
Fundador da revista Quatro Rodas, do Jornal da Tarde e das revistas Veja e IstoÉ, Mino acredita que o jornalismo impresso sobreviverá à análise. “Hoje se discute o futuro do jornalismo à luz dos avanços tecnológicos e o Brasil não será poupado dessa discussão. O jornalismo impresso sobreviverá à analise. Haverá um avanço, em função da democratização efetiva do país”, aposta. Classificando-se como “um velho caquético e antigo”, resistente à modernidade, o jornalista admite que não tem celular e não usa computador, “porque sei que ele vai me engolir”.
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Jornalista traz memórias e personagens camufladas por nomes fictícios em novo livro
Misto entre ficção e realidade, a obra O Brasil, escrita por Mino Carta, traz uma reflexão sobre a história do país desde a morte de Getúlio Vargas até o fim da ditadura militar. Durante a palestra “A história do jornalismo brasileiro através da ficção”, realizada nessa semana em São Paulo, o idealizador e diretor de Carta Capital falou sobre o livro, que possui “personagens camufladas por nomes fictícios” e memórias do autor.
O Brasil situa o leitor dentro de um tempo preciso, da morte de Getúlio ao fim da ditadura. Os eventos relatados [no livro] do ponto de vista histórico são absolutamente verdadeiros. Eles estão ali para que eu fale através da minha memória. O livro é ficção e memória, mas quero deixar claro que não escrevi um livro de memórias. Livros desse gênero servem para [Winston] Churchill, para [Charles] De Gaulle, esses têm o que contar”, brincou.
Mino defende que Getúlio é “uma figura, no mínimo, contraditória”. Apesar de ter sido ditador, ele foi um estadista, “talvez o único do Brasil”, considera. “Como presidente democraticamente eleito, ele fez a Petrobras para que o país se adequasse à modernidade. O salário mínimo dele tinha mais valor que o de hoje”, disse. O jornalista ressalta que “na morte de Getúlio deita a semente do golpe de 1964”.
A obra resgata, portanto, o falecimento do ex-presidente e mistura com a própria atuação da imprensa no período ditatorial. No primeiro capítulo, por exemplo, o professor de história e geografia Waldir procura por um amigo linotipista do jornal O Estado de S. Paulo para entender o contexto da morte de Getúlio, “em uma época em que a imprensa é a principal detentora das notícias e grande criadora das verdades”.
Influências literárias
Questionado sobre suas influências literárias, o italiano de Gênova conta que começou a ler com sete anos, mas nega ter desenvolvido uma técnica de escrita. “Comecei a ler menino. Com sete, oito anos lia [Charles] Dickens. A literatura de língua inglesa é imbatível. Não sei de uma técnica própria minha. Eu escrevo, vou escrevendo. [Marcel] Proust é indiscutível. Italo Calvino, [Franz] Kafka e [Giuseppe Tomasi di] Lampedusa são indiscutíveis”.
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Renata Cardarelli, do Comunique-se

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