A partir de 2007, produzir e processar alimentos passou a ser visto como atividades rentáveis e promissoras, uma espécie de volta a era agrícola, claro que turbinada por muito mais tecnologia embutida, sob o manto do agronegócio.
O processo de urbanização, o aumento da renda, a mudança de hábitos alimentares e o aumento populacional (as 9 bilhões de pessoas até 2050), confrontados com as restrições para a expansão da produção agrícola, a competição da terra com o uso não-alimentar (energia, celulose, fibras), os problemas climáticos e o preço do petróleo, não deixavam dúvidas: os alimentos subiriam a novos patamares. Produzir comida seria, novamente, algo estratégico, o que não ocorria desde a revolução verde, em que os insumos, a genética e a mecanização disseminaram a produção de alimentos e reduziram os custos.
As proteínas animais, incluindo o leite, tinham (e têm) papel relevante nessa nova realidade, já que os processos descritos no segundo parágrafo levam ao aumento do consumo desses produtos.
Porém, o que se viu desde 2007 foi uma volatilidade significativa dos preços das commodities – nosso exemplo aqui será evidentemente os lácteos (gráfico 1). Sim, atingimos por algumas vezes patamares nunca antes vistos, mas retornamos em sequência a valores que, acreditava-se, seriam parte apenas da história.
Gráfico 1 - Preços do leite em pó integral na Oceania.
Pode-se argumentar que os dois vales refletem situações muito específicas: a crise econômica de 2008, que reduziu drasticamente o crescimento do PIB mundial e, mais recentemente, o embargo russo e a queda das importações chinesas, desequilibrando o mercado mundial.
Embora isso possa ser verdade, afinal foram de fato episódios críticos, pode-se argumentar que os picos de 2007 e 2013 também foram exceções, motivadas por uma demanda elevada (no caso de 2007) e problemas climáticos (no caso de 2013). Diante de um período relativamente curto pós-2007, o fato é que qualquer interpretação é possível de ser feita e pode ser equivocada.
Um aspecto relevante e que foi esquecido pelos analistas que interpretaram de forma simplista o cenário pós-2007 é que, diante de preços favoráveis, ainda há boa margem para elevação da produção, mesmo em países que possuem alta produtividade (portanto, com mais dificuldade de elevar a produtividade mesmo diante de margens atrativas) ou que possuem conhecidas limitações para a expansão.
Vejamos dois exemplos nessa linha: Estados Unidos e Nova Zelândia. De 2007 a 2014, os Estados Unidos, meca da alta produtividade, cresceram 1,5% ao ano, versus 1,2% nos 7 anos anteriores. Já a Nova Zelândia, com limitações para a expansão, cresceu 4,6% entre 2007 e 2015, contra 3,1% no período anterior.
Com a elevação dos preços internacionais, tem-se evidentemente três consequências diretas: a primeira é que os países importadores tendem a investir, quando possível, no aumento da produção interna, que ganha competitividade em relação ao produto importado. A segunda consequência é que, com bons preços, mais países se credenciam para exportar. Um exemplo é o próprio Brasil que, com preços internacionais na casa dos US$ 4000 a US$ 5000 vigentes em 2007 e 2008, teve seu momento mais pujante no mercado internacional, mesmo com câmbio desfavorável. Sendo o leite um produto produzido globalmente, em climas frios, quentes, úmidos e secos, esse efeito tende a ser bastante significativo à medida que, diante de estímulos via preço, mais gente entra no jogo do comércio internacional, que representa somente cerca de 9% da produção total global.
A terceira consequência é que a demanda cai à medida que os preços se elevam, o que é especialmente importante em se tratando de lácteos, que são majoritariamente comprados por países em desenvolvimento, nos quais o aumento de custos tem um impacto direto.
Aliado a tudo isso, há o fator Europa, o maior produtor mundial de leite. Nas últimas décadas, a Europa não podia crescer em função de cotas de produção de leite. Cada produtor e país tinha um limite que, se ultrapassado, resultava em penalizações severas. Em 2015, essas cotas foram abolidas e vários países e produtores dentro do bloco entenderam que ali haveria oportunidades para o crescimento.
O resultado é que a União Europeia, que produz 150,9 milhões de toneladas/ano (projeção para 2015), tem se convertido no gigante que acordou. E os números começaram a aparecer. Pelos dados da consultoria italiana CLAL, sobraram cerca de 6 bilhões de litros ao ano a mais em 2014 x 2009 na Europa (obs: vários países estavam produzindo abaixo da cota, o que explica o crescimento mesmo antes das cotas serem abolidas).
O gráfico 2, abaixo mostra o grau crescente de autossuficiência dos 28 países como um todo. Tirando a queda em 2013, os valores indicam que de fato está cada vez mais sobrando leite na Europa, lembrando que esses dados não refletem ainda o fim das cotas de produção, de forma que a tendência é que sobre mais leite no continente.
Gráfico 2 – Índice de auto-suficiência – UE -28.
Tudo somado, é inegável o questionamento: será o que o mercado internacional de lácteos é tão promissor assim? No Latin America Dairy Congress, que realizamos em Foz do Iguaçu, em novembro passado, ficou a sensação que, de um lado, todo mundo que pode, quer exportar (ex: Europa, EUA, Brasil); de outro, países que importam querem elevar a produção interna (ex: China, Rússia). Se ambos os grupos forem bem sucedidos a conta não vai fechar, pelo menos no horizonte próximo (de alguns anos), tendo como consequência a volatilidade continuada, dentro dos patamares já conhecidos.
É provável, sim, que no longo prazo, com as tais 9 bilhões de pessoas comendo e bebendo lácteos e com as restrições crescentes para a expansão da área agrícola, tenhamos momentos mais frequentes de elevação de preços e, na média, preços mais altos (o que, evidentemente, vai levar a um novo equilíbrio, com aumento nos preços da terra e outros fatores de produção).
Porém, mesmo assim, não devemos menosprezar o funcionamento do capitalismo: havendo mercado e preços, não subestimemos a capacidade do setor em responder, sendo sempre bom lembrar que, tirando os países desenvolvidos, as médias de produtividade do leite no mundo são extremamente baixas, com elevado potencial de resposta a partir de vasto conhecimento técnico e científico já disponível.
Preparado a partir dos dados levantados pela equipe MilkPoint Mercado.
O processo de urbanização, o aumento da renda, a mudança de hábitos alimentares e o aumento populacional (as 9 bilhões de pessoas até 2050), confrontados com as restrições para a expansão da produção agrícola, a competição da terra com o uso não-alimentar (energia, celulose, fibras), os problemas climáticos e o preço do petróleo, não deixavam dúvidas: os alimentos subiriam a novos patamares. Produzir comida seria, novamente, algo estratégico, o que não ocorria desde a revolução verde, em que os insumos, a genética e a mecanização disseminaram a produção de alimentos e reduziram os custos.
As proteínas animais, incluindo o leite, tinham (e têm) papel relevante nessa nova realidade, já que os processos descritos no segundo parágrafo levam ao aumento do consumo desses produtos.
Porém, o que se viu desde 2007 foi uma volatilidade significativa dos preços das commodities – nosso exemplo aqui será evidentemente os lácteos (gráfico 1). Sim, atingimos por algumas vezes patamares nunca antes vistos, mas retornamos em sequência a valores que, acreditava-se, seriam parte apenas da história.
Gráfico 1 - Preços do leite em pó integral na Oceania.
Pode-se argumentar que os dois vales refletem situações muito específicas: a crise econômica de 2008, que reduziu drasticamente o crescimento do PIB mundial e, mais recentemente, o embargo russo e a queda das importações chinesas, desequilibrando o mercado mundial.
Embora isso possa ser verdade, afinal foram de fato episódios críticos, pode-se argumentar que os picos de 2007 e 2013 também foram exceções, motivadas por uma demanda elevada (no caso de 2007) e problemas climáticos (no caso de 2013). Diante de um período relativamente curto pós-2007, o fato é que qualquer interpretação é possível de ser feita e pode ser equivocada.
Um aspecto relevante e que foi esquecido pelos analistas que interpretaram de forma simplista o cenário pós-2007 é que, diante de preços favoráveis, ainda há boa margem para elevação da produção, mesmo em países que possuem alta produtividade (portanto, com mais dificuldade de elevar a produtividade mesmo diante de margens atrativas) ou que possuem conhecidas limitações para a expansão.
Vejamos dois exemplos nessa linha: Estados Unidos e Nova Zelândia. De 2007 a 2014, os Estados Unidos, meca da alta produtividade, cresceram 1,5% ao ano, versus 1,2% nos 7 anos anteriores. Já a Nova Zelândia, com limitações para a expansão, cresceu 4,6% entre 2007 e 2015, contra 3,1% no período anterior.
Com a elevação dos preços internacionais, tem-se evidentemente três consequências diretas: a primeira é que os países importadores tendem a investir, quando possível, no aumento da produção interna, que ganha competitividade em relação ao produto importado. A segunda consequência é que, com bons preços, mais países se credenciam para exportar. Um exemplo é o próprio Brasil que, com preços internacionais na casa dos US$ 4000 a US$ 5000 vigentes em 2007 e 2008, teve seu momento mais pujante no mercado internacional, mesmo com câmbio desfavorável. Sendo o leite um produto produzido globalmente, em climas frios, quentes, úmidos e secos, esse efeito tende a ser bastante significativo à medida que, diante de estímulos via preço, mais gente entra no jogo do comércio internacional, que representa somente cerca de 9% da produção total global.
A terceira consequência é que a demanda cai à medida que os preços se elevam, o que é especialmente importante em se tratando de lácteos, que são majoritariamente comprados por países em desenvolvimento, nos quais o aumento de custos tem um impacto direto.
Aliado a tudo isso, há o fator Europa, o maior produtor mundial de leite. Nas últimas décadas, a Europa não podia crescer em função de cotas de produção de leite. Cada produtor e país tinha um limite que, se ultrapassado, resultava em penalizações severas. Em 2015, essas cotas foram abolidas e vários países e produtores dentro do bloco entenderam que ali haveria oportunidades para o crescimento.
O resultado é que a União Europeia, que produz 150,9 milhões de toneladas/ano (projeção para 2015), tem se convertido no gigante que acordou. E os números começaram a aparecer. Pelos dados da consultoria italiana CLAL, sobraram cerca de 6 bilhões de litros ao ano a mais em 2014 x 2009 na Europa (obs: vários países estavam produzindo abaixo da cota, o que explica o crescimento mesmo antes das cotas serem abolidas).
O gráfico 2, abaixo mostra o grau crescente de autossuficiência dos 28 países como um todo. Tirando a queda em 2013, os valores indicam que de fato está cada vez mais sobrando leite na Europa, lembrando que esses dados não refletem ainda o fim das cotas de produção, de forma que a tendência é que sobre mais leite no continente.
Gráfico 2 – Índice de auto-suficiência – UE -28.
Tudo somado, é inegável o questionamento: será o que o mercado internacional de lácteos é tão promissor assim? No Latin America Dairy Congress, que realizamos em Foz do Iguaçu, em novembro passado, ficou a sensação que, de um lado, todo mundo que pode, quer exportar (ex: Europa, EUA, Brasil); de outro, países que importam querem elevar a produção interna (ex: China, Rússia). Se ambos os grupos forem bem sucedidos a conta não vai fechar, pelo menos no horizonte próximo (de alguns anos), tendo como consequência a volatilidade continuada, dentro dos patamares já conhecidos.
É provável, sim, que no longo prazo, com as tais 9 bilhões de pessoas comendo e bebendo lácteos e com as restrições crescentes para a expansão da área agrícola, tenhamos momentos mais frequentes de elevação de preços e, na média, preços mais altos (o que, evidentemente, vai levar a um novo equilíbrio, com aumento nos preços da terra e outros fatores de produção).
Porém, mesmo assim, não devemos menosprezar o funcionamento do capitalismo: havendo mercado e preços, não subestimemos a capacidade do setor em responder, sendo sempre bom lembrar que, tirando os países desenvolvidos, as médias de produtividade do leite no mundo são extremamente baixas, com elevado potencial de resposta a partir de vasto conhecimento técnico e científico já disponível.
Preparado a partir dos dados levantados pela equipe MilkPoint Mercado.
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