CBF: Para que tudo continue como está

Por trás da renúncia de Ricardo Teixeira há projeto de “afastar” dirigente incômodo e consolidar a mercantilização do futebol brasileiro
Por Irlan Simões
Mal aconteceu e logo tornou-se um dos temas mais comentados no Brasil. A renúncia do presidente da Confederação Brasileira de Futebol, Ricardo Teixeira — anunciada em entrevista coletiva nesta segunda-feira (12/3), pelo seu sucessor direto José Maria Marin — pegou muitos de surpresa. O dirigente larga o maior posto do futebol brasileiro após 23 anos de polêmicas e intensas transformações no esporte mais amado do país.
Talvez a maior surpresa tenha sido a forma do adeus. Ao agir como se estivesse saindo pela porta dos fundos, como fazem os derrotados e humilhados, Teixeira conseguiu desviar muito da atenção daqueles que tanto desejaram esse momento.
Pouca coisa mudará na CBF, principalmente a partir das primeiras declarações públicas do paulista José Maria Marin, que chegou ao cargo por ser o vice-presidente com idade mais avançada no momento. No alto dos seus 79 anos, o novo presidente deixou claro que assume a presidência de acordo com o estatuto da entidade e que cumprirá o mandato até o final para fazer – vale sublinhar – uma gestão de continuidade.
O que se sabe é que Marin, comparado com Ricardo Teixeira é um nome muito frágil, sem o mesmo cacife político e que já pega o posto desgastado pela história curiosa do “roubo da medalhinha”. Um detalhe qualquer ao lado do passado desse senhor. Marin, que já foi deputado pelo Arena, partido ligado à ditadura (aquele que deixou crias como Antônio Carlos Magalhães e José Sarney), sempre foi homem de confiança de Teixeira, e ganha hoje os últimos louros pelo papel cumprido.
Quase octagenário, Marin será o homem que fará o papel de Texeira… por ele mesmo. Da forma mais fácil e justificável possível, Marin recebe o bastão da CBF e até das ações pertencentes a Teixeira na sociedade criada para gerir o Comitê Organizador da Copa. Vale lembrar: a gestão de que o cartola paulista faz parte (e que agora lidera) foi prorrogada até 2015 por conta da proximidade da Copa do Mundo. Ou seja, não foi eleita, mas “prolongada” com o aval das outras federações filiadas em nome do torneio que era capitaneado por Ricardo Teixeira.
O antigo presidente foi bombardeado, nos últimos meses, por denuncias que já pesavam sobre ele desde o início de sua carreira na CBF. Hoje abalado publicamente, passava a comprometer o negócio dos seus parceiros, e era mais do que conveniente que deixasse de ser uma figura pública e atuasse, na medida do possível, apenas nos bastidores. Partirá para Miami, mas não deixará de ser uma figura a ser consultada.
O que ainda pesará nessa história
Acontece que Marin não terá vida tão fácil como esperava, ou ao menos terá que ceder um pouco mais do que desejava. Um bloco de Federações Estaduais, já alcunhado de “ala rebelada” não gostou nem um pouco da manobra feita pelo grupo que mantém a gestão. Tal bloco é composto por dirigentes da Bahia, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, contando com o apoio das federações paranaense e paraense.
Antes mesmo do anuncio dessa segunda-feira, uma crise ameaçava rachar a CBF. Quando Ricardo Teixeira pediu afastamento por motivos médicos, os “rebelados” convocaram às pressas uma Assembléia Geral da CBF para garantir que fosse realizada nova eleição. O bloco alegava temer uma hegemonia paulista na Confederação. Exatamente por isso, não se contentavam com a automática transição de Marin.
Foi por isso que o dirigente da Federação Baiana, Ednaldo Rodrigues, declarou, ainda na segunda-feira: “Ninguém sabe direito como aconteceu esse acordo entre Federação Paulista de Futebol (FPF), José Maria Marin e CBF. Vamos ouvir do Marin, porque esse tempo todo eles disseram que o Teixeira não renunciaria. Eles tiveram a oportunidade de avisar a todos na Assembleia Geral Extraordinária, no último dia 29”.
Vale lembrar que grande parte das federações rebeladas é composta por nomes da chamada “bancada da bola”. Entre eles, está o baiano José Rocha, deputado pelo PR, considerado o líder da bancada. Muitas fontes, ainda antes da Assembleia Geral, já indicavam uma insatisfação desses parlamentares com Ricardo Teixeira, alegando um “esquecimento” do cartola maior.
É claro que desse bloco também não há muito que esperar. Os rebelados não são uma oposição, mas um mero grupo de cartolas decadentes que sentiu enfim a queda de sua influência nos rumos do jogo.
O futebol brasileiro mudou e você nem percebeu
Também, pudera. Nos últimos anos, o futebol brasileiro mudou muito, e os cartolas do plenário parece que não perceberam. Como salientou bem o site Da ideia quando ginga: “É que as placas tectônicas econômicas-políticas mexeram tanto que precisaram renovar a sua superestrutura. Em miúdos: a CBF ficou obsoleta para as novas forças econômicas que emergem”.
É aí que os pontos se ligam. A transição Teixeira-Marin configura o melhor quadro político possível para aqueles que já simbolizavam o grande centro do poder no futebol brasileiro. Livre de uma figura pública desgastada, mas como o mesmo poder de influência que tinha nos tempos anteriores, esse grupo consegue, mais do que nunca, transformar a CBF na correia de transmissão entre seus interesses privados e os rumos do futebol nacional. Entre eles a construção da Copa do Mundo de 2014.
O que falar da declaração que segue? “O futebol perde muito. Agora, as pessoas do futebol têm que tomar cuidado, porque muita gente de fora vai querer entrar”. A frase é de Andrés Sanches, ex-presidente do Corinthians e atual diretor de Seleções da CBF, logo após a renúncia de Teixeira.
Sanches, cresceu num tiro muito rápido no jogo político do futebol nacional. De conselheiro do Corinthians, até presidente do clube, conseguiu costurar um acordo com o governo federal e a empresa Odebretch para construir o estádio particular do clube paulista.
Com ele, também cresceu a importancia de Ronaldo (cujo papel no futebol já eraprevisto), ex-jogador e hoje megaempresário do ramo esportivo no Brasil, com a sua 9ine, que também faz parte do Comitê Organizador da Copa. O qual também não perdeu chances de defender o “amigo Teixeira” o quando pôde.
Ao lado desses dois nomes, juntam-se outras grandes empresas como a Traffic e Sonda, que tiveram, durante anos a fio, forte influência na própria definição dos convocados para a seleição brasileira.
Também se juntam grandes potências da economia nacional, como os bancos BMG e Bradesco, assim como as empreiteiras “selecionadas” para levantar os estádios da Copa do Mundo: OAS e Odebretch.
Definindo o raciocínio: Ricardo Teixeira parte, mas deixa de herança um núcleo duro capaz de resguardá-lo pelo resto da vida. São nomes e grupos econômicos fortes ao ponto de garantir que passará o resto da sua vida em paz, sem correr risco de processos por enriquecimento ilícito.
Novos tempos virão, novas batalhas também
Marco Polo Del Nero, presidente da Federação Paulista de Futebol — que está léguas adiante das outras filiadas, em matéria de poder econômico e político — também foi bem preciso em suas declarações durante o burburinho que se formou com a renúncia do Tricky Ricky (tomo aqui emprestado o apelido que os ingleses deram ao nosso ex-presidente).
Apontado pelos cartolas “rebelados” como o principal articulador da transição Teixeira-Marin, Marco Polo declarou que “Se ele [Marin] administrar como eu, todos são iguais perante a lei. Ele é advogado, conhece as leis do nosso país e sabe que todos são iguais”. Esqueceu, no entanto, de citar a queixa de clubes como Portuguesa e Ponte Preta, sobre os privilégios concedidos aos quatro grandes de São Paulo em detrimento dos clubes menores.
Caso o futebol brasileiro funcione com o mesmo modelo de gestão de sempre — como afirmou Marin, seguido de todos os seus “apoiadores” até o momento – muito há o que se temer. O histórico de represálias a adversários políticos, seguido da eterna política de favores que sempre deu o tom das relações dentro da CBF, pode ser mantido, com um aspecto muito pior.
Dessa vez o poder de barganha está mais enfraquecido no plano institucional, e mais fortalecido no plano privado. O bloco dirigente hoje perde aliados, mas ganha verdadeiros funcionários dentro da CBF.
Nas palavras de Romário, ex-jogador e deputado que construiu no seu mandato uma verdadeira batalha contra Ricardo Teixeira e os cartolas corruptos brasileiros: “Tomara que não tenhamos nos livrado do câncer para ter que tratar da AIDS”.