segunda-feira, 8 de outubro de 2012

A Avenida em que a Globo projeta sua ética


  5 DE OUTUBRO DE 2012

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O país dos pobres com chances deve fazer mal à rede da família Marinho. Então, o retrato dessa avenida é o Brasil da falcatrua. Por Renato Dalto*, no Sul21
É uma avenida de perversidades chamada Brasil, com direito a alguns requintes de achincalhamento da condição humana. Entre eles: maus tratos à criança, trapaças e tramoias familiares, traições em forma de vingança e, pra completar o quadro, esses dias um personagem esganou a mulher contra a parede, ameaçando-a de morte. Tudo em horário nobre, naquela rede do Criança Esperança e que tem uma afiliada no Rio Grande do Sul que está com uma campanha para melhorar a qualidade da educação. A campanha se chama “a educação precisa de respostas”. A afiliada da Globo deveria perguntar pra madrinha qual a contribuição educativa é essa que ela faz em horário nobre. E pensar na função educativa de Avenida Brasil, a novela das oito que a madrinha exibe ao país em rede nacional.
É um brinde à população depois do Big Brother, o elogio às pessoas sem perspectiva que pensam em enriquecer no golpe de um jogo ou ganhar a vida como celebridade instantânea. Mas o pior disso é que, todos sabem, as novelas obedecem tendências mercadológicas e de comportamento, até porque são uma máquina de faturar merchandising e de envolver a população. Enfim, a Globo deve ter descoberto que o Brasil perverso vende bem. E fincou o dedo, sem o menor escrúpulo, na alavanca do faturamento.
Não só fincou como bateu, atirou, debochou, esganou, tramou, surrupiou, golpeou, roubou, planejou e conquistou o lado sombrio da vida da audiência. Afinal, são tempos de vale tudo, desde o ringue da NBA, Big Brother, A Fazenda, os programas de perseguição policial e o permanente ataque à política como se tudo fosse uma questão de golpe ou quadrilha. A Globo não poderia ter escolhido nome melhor – ou pior – para seu espetáculo tétrico-dramático: Avenida Brasil, a novela do horário nobre, exibindo em horário nobre o maior rebaixamento da condição humana já visto nestas terras.
O curioso é que a dramaturgia global está cheia de ricos benevolentes, de luxos faustuosos, de mocinhos e heróis paladinos de moral escoteira e assim por diante. Só que essa novela rasgou o açúcar da receita, o que seria saudável, mas elevou aos mais baixos patamares de caráter o ser humano. Avenida Brasil poderia se chamar Avenida das Perversidades.
A pergunta que cabe é porque associar isso tudo ao nome do país. Aliás, um país ainda com problemas mas que começa a ganhar ares de respeito com a ascensão das classes mais pobres, o acesso à educação, a afirmação da democracia – essa palavra que, em outros tempos, era quase proibida na emissora que bateu palmas à ditadura, surrupiou a campanha das Diretas, apoiou desbragadamente Fernando Collor e que, estranhamente, no auge da ditadura criava novelas água com açúcar. O Brasil dos pobres com chance deve fazer mal à Globo. Então o retrato dessa avenida é o Brasil da falcatrua. Se na ditadura a perversidade morava nos porões, a democracia da Globo é a da perversidade explicita. Mas aí vem na telinha o Criança Esperança. Aí a afiliada fala em educação. E aí se plasma então a emissora do médico e do monstro.
Se a arte imita a vida, a Avenida Brasil da Globo é um convite ao obscurantismo moral, à ética ausente, ao prato frio da vingança, à descrença. O nome Brasil é quase ofensivo a quem pensa um país do bem e da justiça. A Globo se revela assim, talvez magoada porque os tempos são outros. A escuridão passou, em todos os sentidos. E picos de audiência com a curra do mercado, felizmente, não fazem um país.
*Renato Dalto é jornalista e escritor.

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