quarta-feira, 3 de outubro de 2012

A história da supressão do voto negro nos EUA e uma crítica ao Partido Republicano dos dias atuais


Suprimir o voto negro é uma história antiga nos EUA e nunca foi restrita ao Sul.

David W. Blight
Em 1840 e novamente em 1841, Frederick Bailey, que passou a se chamar Frederick Douglass, caminhou algumas quadras de seu apartamento alugado na rua Ray, em New Bedford, Massachussetts, até a prefeitura, onde pagou uma taxa de US$ 1,50 para registrar seu voto. Nascido escravo no Eastern Shore de Maryland em 1818, Douglass escapou em uma jornada épica de trens e balsas, primeiro para Nova York, depois para o porto baleeiro de New Bedford em 1838.
Em meados de 1840, ele surgiu como um dos maiores oradores e autores da história americana. Legalmente, porém, Douglass começou sua vida pública cometendo o que hoje seria considerado fraude eleitoral, usando um nome fictício.
Era um passo necessário: quando ele se registrou para votar sob a nova identidade, “Douglass”, que tirou o nome do poema épico de sir Walter Scott de 1810, era efetivamente um imigrante ilegal em Massachusetts. Ele ainda era “propriedade” de Thomas Auld, em St. Michaels, Md., e suscetível, sob a lei de escravos fugitivos, de ser capturado e devolvido à escravidão à qualquer momento.
Era um passo arriscado. Se exigida, a única identificação que Douglass poderia entregar ao escrivão era seu endereço na lista da cidade. Ele possuía dois documentos, que só o colocariam ainda mais em risco. Um era um “Documento de Proteção do Marinheiro” fraudulento, que ele pegou emprestado em Baltimore de um marinheiro negro livre aposentado, chamado Stanley.
O segundo era uma certificação de três linhas de seu casamento com Anna Murray, sua noiva negra livre, que se uniu a ele em Nova York logo após sua fuga. Um ministro negro, James Pennington, também escravo fugitivo, os casou, mas no documento chamou-os de senhor e senhora Douglass –pelo menos o quarto nome que Frederick usava para distrair as autoridades em sua busca por liberdade.
Este fugitivo, que cometera o crime de roubar sua própria liberdade e de viver sob uma identidade falsa, deveria ter tido permissão para votar? Reformas eleitorais haviam ampliado o sufrágio de modo a incluir homens que não tinham propriedades, mas certamente não para homens que fossem propriedade de outros.
Felizmente para Douglass, Massachusetts na época era um dos apenas cinco Estados do Norte que permitiam que negros livres votassem (os três outros eram Vermont, Maine, New Hampshire e Rhode Island).
Os negros em muitos outros Estados não tiveram a mesma sorte. Além do Maine, todo Estado que ingressou na União depois de 1819 excluiu-os da eleição. Quatro Estados do Norte –Nova York, Ohio, Indiana e Wisconsin- reafirmaram suas leis de exclusão do voto negro até o início da década de 1850.
Não sabemos quando Douglass votou pela primeira vez. Pode ter sido em 1840, na famosa campanha do Whig Party para seu candidato, o general William Henry Harrison. Neste caso, ele provavelmente apoiou o Partido da Liberdade de James G. Birney, que representou o primeiro partido antiescravidão genuinamente independentemente na história americana.
Em 1848, Douglass discursou na convenção nacional do recém-formado Partido Freesoil e, depois de 1854, trabalhou para a nova coalizão de combate à escravidão conhecida como Partido Republicano, que concorreu e elegeu Abraham Lincoln em 1860. Até hoje, esse “Grande Velho Partido” ainda se diz o “partido de Lincoln” e reivindica Douglass como um de seus fundadores negros.
E de fato Douglass se considerava fundador do partido. Contudo, apenas muitos anos depois, um grupo de amigos ingleses no movimento de combate à escravidão comprou sua liberdade em 1846, por 150 libras (US$ 711 na época). Douglass estava no meio de uma turnê de palestras triunfal de dois anos da Irlanda, Escócia e Inglaterra; quando ele voltou para os EUA, em 1847, ele se mudou para Nova York em posse de seus “documentos de alforria” oficiais. Ele era legalmente livre, eventualmente pôde ter posses e votar.
No mais importante discurso de Douglass, a oração de Quatro de Julho em 1852, ele argumentou que frequentemente a única forma de descrever a hipocrisia americana em relação à raça era com “ironia arrasadora”, “zombaria mordente” e “sarcasmo embaraçoso”.
O Partido Republicano de hoje parece profundamente preocupado em eliminar a fraude eleitoral do tipo que Douglass praticou. Então, com a história de Douglass como cenário, tenho uma proposta modesta para o partido. Nos 23 Estados onde os republicanos aprovaram leis exigindo a identificação do eleitor ou encurtaram o horário de votação em distritos urbanos, e consistentemente com sua atual ideologia reinante, eles deveriam adotar uma estratégia mais simples de supressão do voto.
Os republicanos insistem que agora milhões de jovens, idosos, negros e pardos registrados para votar devem obter uma identidade do governo, apesar de não haver evidências de fraude eleitoral. Então, por que não meramente oferecer dinheiro a eles? Pagar para não votarem. Deem a eles um cheque de US$ 711 em homenagem a Douglass. Assim compram a “liberdade” deles e as eleições. Podem chamar de “Cupom de Votação Frederick Douglass”.
As pessoas terão uma escolha: pegar o dinheiro e não votarem, ou viajarem quilômetros sem transporte suficiente para obterem uma identidade que não precisam. Paguem a “liberdade” deles; deixe-os decidirem como melhor utilizá-la. Talvez eles se esqueçam da sua história tanto quanto o Partido Republicano parece desejar que a nação se esqueça.
Tal oferta seria apenas um custo marginal para o super-PAC, e ninguém saberia quem pagou por este esforço generoso para deter a fraude. De uma vez por todas, a direita poderá honestamente declarar o que a Suprema Corte permitiu que pratique: que eleitores são commodities, não cidadãos.
E se o Partido Republicano vencer as eleições em novembro, esse plano dará um cenário esplêndido para a comemoração do próximo ano do 150º aniversário da Proclamação da Emancipação de seu grande fundador.
David W. Blight é professor de história de Yale, está escrevendo uma biografia de Frederick Douglass.
Tradutor: Deborah Weinberg

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