segunda-feira, 29 de outubro de 2012

A revolução dos cafezais em São Paulo



Por Rachel Verano - Veja SP

Nos fundos de uma tradicional construção colonial branca de janelas azuis, duas caixas de som ligadas a um notebook de última geração tocam em volume máximo o álbum Dub Side of the Moon, uma releitura em ritmo de reggae da banda nova-iorquina Easy Star All-Stars para o clássico The Dark Side of the Moon, do Pink Floyd. Ao som das batidas hipnóticas e sincopadas das canções, Felipe Croce, de 25 anos, não desgruda os olhos de uma engenhoca curiosa.

Depois de retirar dela uma pequena amostra de café, ele cheira os grãos, coloca-os de volta na máquina, aperta botões, faz anotações, espera e repete o processo. O resultado do que ele analisa minuciosamente ali, numa fazenda de 162 anos nos arredores do distrito de Igaraí, um vilarejo minúsculo a cerca de 300 quilômetros da capital, vai parar, poucos dias mais tarde, nas prateleiras das melhores cafeterias não apenas de São Paulo, mas também dos Estados Unidos, da Austrália e de vários países europeus.

Criado nos Estados Unidos e formado em relações internacionais e administração pela Universidade Washington em Saint Louis, Croce nunca cultivara nenhuma relação com o produto, apesar de ser bisneto de cafeicultores. "Eu nem bebia!", confessa. Tudo mudou quando, por acaso, foi contratado por uma empresa americana de torrefação, em 2007. "Eu me apaixonei quase que da noite para o dia." Com a propriedade de 1000 hectares fundada pelo bisavô caminhando para um futuro nebuloso, ele resolveu mergulhar no negócio. Estudou o mercado, qualificou-se como provador oficial da bebida e voltou ao Brasil para assumir a administração do local.

De imediato, montou um laboratório de provas, algo raríssimo nesse segmento cinco anos atrás. Em seguida, desenvolveu com a fabricante de torrefadoras Atilla uma máquina customizada para que pudesse aprofundar o estudo dos grãos (entre outros atributos, ela tem diferentes velocidades e aberturas para a saída de ar). Por fim, diminuiu drasticamente a produção para apostar em cafés especiais. A Fazenda Ambiental Fortaleza fechou 2011 com 600 sacas, contra as 15.000 contabilizadas em 2007. "Dificilmente qualidade e quantidade andam juntas nesse negócio", diz. "Hoje, este espaço aqui é meu grande laboratório rural."

O jovem especialista representa um dos melhores retratos do novo ciclo do café. Depois da queda drástica do valor dos grãos no início dos anos 2000, quando o preço da saca de 60 quilos tipo exportação atingiu menos de 120 reais (a título de comparação, em 2011 a média foi de 495 reais), muitos agricultores viram-se diante de um desafio: ou se reinventavam ou faliam. Aqueles que fizeram a primeira opção vivem agora um momento bastante próspero. É o caso da Fazenda Santa Izabel, localizada na divisa entre Minas Gerais e São Paulo, fornecedora de 40% dos grãos do Suplicy Cafés Especiais, rede de cafés premium que tem hoje sete lojas na capital.

Nela foram investidos 150.000 reais no projeto de um terreiro de 1.200 metros quadrados coberto, construído nos moldes de uma estufa de flores, para secar os grãos. Ali, a temperatura atinge picos de 50 graus e protege a preciosa matéria-prima contra a água das chuvas. "É o grande trunfo do nosso blend, feito com 100% de cafés da fazenda", diz o empresário Marco Suplicy, proprietário das cafeterias.

A revolução espalhou-se pelos melhores campos do estado, em especial nas cidades de São Sebastião da Grama, Mococa, Caconde, Pedregulho, Espírito Santo do Pinhal e Divinolândia, entre outras, boa parte delas na região da Mogiana. Nessas localidades, são comuns histórias de negócios transformados pelas mãos das novas gerações, mais sintonizadas com os tempos em que a degustação da bebida ganhou ares de experiência sensorial e preço à altura desse novo status, podendo chegar, em algumas casas da metrópole, a 10 reais por xícara.

Outro herdeiro que vem promovendo mudanças é o empresário Mariano Martins. Em 2008, ele se juntou a duas colegas do curso de administração pública da Fundação Getulio Vargas (uma delas com MBA em Harvard e a outra com pós-graduação na Itália) para assumir a fazenda da família, já desacreditada pelo pai. A propriedade fica em São Manuel, município a 258 quilômetros da capital que chegou a ser uma potência econômica nos tempos áureos do café - e foi perdendo a relevância com o período de baixa do produto.

Ao tomar as rédeas da empreitada, Martins estudou as condições da terra, viajou até a Colômbia para aprender sobre o manejo dos grãos, montou uma torrefação e lançou, no ano passado, o Martins Café. Além de puro, o produto é vendido em versões aromatizadas com especiarias como cardamomo, anis, canela e noz-moscada. "Estava disposto a modificar qualquer coisa e a testar qualquer novidade", conta o empresário.

fazenda Nossa Senhora Aparecida, em Pedregulho, pertencente à família do ex-governador Orestes Quércia, também decidiu apostar no processo completo, do plantio à torrefação. A bebida especial, de sabor achocolatado e frutado, com notas de caramelo e nozes, pode ser consumida na cafeteria própria, a Octavio Café, no bairro do Itaim, na capital. Alguns dos agricultores mais tradicionais acabaram se rendendo à nova realidade.

Clóvis Gonçalves Dias Filho fez uma reviravolta no cafezal que pertencia à família desde 1870. "Estávamos no vermelho havia décadas", afirma ele, hoje com 68 anos. "Então resolvi arriscar e realizar o sonho da minha vida: fabricar meu próprio produto." Nascia assim, em 2004, o Café Fazenda Pessegueiro, plantado, colhido e moído na propriedade, localizada no município de Mococa. Dias Filho fez cursos para refinar seu trabalho, montou uma fábrica no terreno, com torrefador a lenha, e não parou mais. No início, ele e sua mulher, Rita, entregavam de porta em porta as sacas aos clientes. "As vendas mal pagavam a gasolina", lembra, emocionado. Hoje a fazenda produz anualmente cerca de 6.000 quilos, vendidos em todo o Brasil.

Nespresso, linha de cafés de luxo da Nestlé, o gigante suíço de alimentos, mantém um time de caçadores de olho nos plantios das melhores regiões do mundo. São Paulo, junto com Minas Gerais (os dois maiores estados produtores brasileiros de café arábica), caiu nas graças dos especialistas e fornece cerca de 50% do café usado nos blends das famosas cápsulas coloridas. Não foi um processo fácil. Em 2005, a empresa iniciou no país um rigoroso projeto de certificação de produtores, que inclui o acompanhamento do processo de cultivo e colheita. "De todo o café do mundo, 10% é especial; dentro desses 10%, apenas 1% está apto a ser Nespresso", explica o sueco Stefan Nilsson, diretor da marca no Brasil. A grife tem hoje dezesseis cápsulas em sua coleção permanente - cerca de 80% delas levam, na composição, café brasileiro. "Estamos vivendo um reposicionamento histórico do mercado", atesta Vanúsia Nogueira, diretora executiva da Brazilian Specialty Coffee Association (BSCA, a Associação Brasileira de Cafés Especiais), entidade que reúne os principais empresários da área. "E é inegável que São Paulo está na frente do resto do país. Tudo aqui acontece primeiro."

As informações são da Veja São Paulo, adaptadas pela Equipe CaféPoint.

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