sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Caso de canadense humilhada na rede reabre debate sobre riscos do assédio a adolescentes



Tudo começa com uma imagem, um dado íntimo, uma senha entregue a um desconhecido do outro lado da linha. Assim começou o inferno de Amanda Todd, a jovem canadense de 15 anos que se suicidou há uma semana depois de ter publicado um mês antes um vídeo na Internet no qual contava sua tragédia escrita em pequenos cartazes. "Nunca poderei recuperar essa foto. Está lá para sempre" - é uma das frases de Amanda.

A. Agudo e Y. Monge
Amigos e conhecidos se juntam no memorial montado em homenagem à adolescente Amanda Todd em Maple Ridge, Canadá. Amanda era vítima de bullying e tirou a própria vida na última quarta-feira (10)
Amigos e conhecidos se juntam no memorial montado em homenagem à adolescente Amanda Todd em Maple Ridge, Canadá. Amanda era vítima de bullying e tirou a própria vida na última quarta-feira (10)
Referia-se àquela primeira foto - capturada de um vídeo gravado por uma webcam - com o torso nu que seu assediador anônimo utilizou para amedrontá-la e da qual não conseguiu fugir apesar das sucessivas mudanças de colégio. Depois de sua morte, surgem as interrogações. O que aconteceu poderia ter sido evitado? O que falhou? Quais são as medidas que é preciso tomar para que não ocorram esses casos?
O Canadá está comovido. O suicídio da jovem provou um debate nacional sobre o uso apropriado da Internet. A questão chegou inclusive ao Parlamento. A primeira-ministra da província de Colúmbia Britânica - onde Amanda morava - Christy Clark, que no início do ano já anunciou um plano de ação contra o bullying, emitiu sua própria mensagem de condolências e sugeriu a necessidade de novas leis para lutar de forma eficaz contra o assédio cibernético. "Creio que deveríamos ter uma conversa nacional sobre se devemos criminalizar ou não o ciberbullying", disse Clark em uma entrevista ao jornal "Vancouver Sun". "Fazer isso seria o correto, porque deixaria clara a mensagem de onde nos situamos como sociedade diante desse problema", finalizou.
Na Espanha surgiu uma discussão parecida com a difusão - sem consentimento da protagonista - de um vídeo erótico de uma vereadora. O caso era muito diferente do de Amanda Todd - uma menina -, mas culminou com o anúncio do ministro Alberto Ruiz-Gallardón da inclusão de um novo crime no Código Penal para punir a "divulgação não autorizada de imagens ou gravações íntimas, inclusive se forem obtidas com o consentimento da vítima".
O caso de Todd não é dramático só por seu desfecho, mas por todo o sofrimento que a jovem relata no YouTube e que foi provocado por todos os tipos de perseguição e humilhação on e offline que podem haver. Era só uma menina de 12 anos quando um estranho pediu que lhe mostrasse os seios. Durante os três anos seguintes, teve de suportar as ameaças (cumpridas) de seu assediador, as caçoadas e agressões de seus colegas de classe e a humilhação pública na Internet, inclusive de desconhecidos.
O assediador da jovem canadense, segundo ela contou, corresponde ao perfil genérico descrito pelos especialistas. "A maioria tende a atuar da mesma maneira", explica Guillermo Cánovas, presidente da Protégeles, associação sem fins lucrativos contra a pornografia infantil. "Primeiro ganham a confiança do menor, pedem informações sobre seus gostos, suas preocupações, para depois identificar-se com ele", explica. Mas essas conversas inocentes são às vezes uma estratégia para conduzir as conversas para o campo sexual. "Perguntam-lhes se se masturbam ou se veem fotos de nus", continua. Essa situação é a que deve alertar os jovens que estão sendo vítimas de 'grooming' (assédio sexual a menores pela Internet)." A recomendação é simples: embora a pessoa do outro lado insista, nunca compartilhe imagens eróticas (prática conhecida como "sexting") nem dados íntimos ou segredos.
Cánovas acredita que, como primeira medida de prevenção, os pais deveriam colocar a câmera do computador em uma área comum da casa, para evitar que os jovens concordem em tirar a roupa diante de desconhecidos. "Não se deve compartilhar fotos que você não esteja disposto que sejam vistas pelo resto de sua vida, por seu parceiro, seus pais ou seus futuros filhos", aponta Cánovas. Mas se o menor ultrapassa essa linha vermelha, pode degenerar, como ocorreu a Todd, em "sextorsion", extorsão sexual - quando um adulto ameaça um menor com a revelação do material sensível para obter mais sexo: fotos, vídeos e inclusive pessoalmente. "Não se deve ceder a essa chantagem", diz o decálogo de atuação dewww.quenoteladen.es, uma linha de ajuda para menores criada pelo Centro de Segurança na Internet, ligado ao Programa Internet mais Segura da Comissão Europeia.
Amanda Todd não cedeu quando, um ano depois de ter-se despido diante de sua webcam, o desconhecido começou a assediá-la pelo Facebook. A jovem seguiu muitas das recomendações dadas pelas organizações contra esse tipo de delito. Seus pais e a polícia conheciam sua situação. O que falhou então? A experiência contrastada por especialistas diz que normalmente um predador sexual perde em parte o empenho quando o menor não sucumbe, apesar das pressões. Mas a tortura de Todd continuou porque a ameaça se cumpriu. Uma noite, a polícia bateu à porta de sua casa às 4 da madrugada: as imagens da menina já estavam nos computadores de seus professores, amigos e parentes. Ela sofreu então um calvário de bullying dentro e fora da rede, por parte de seu assediador e de seus colegas de classe, que continuavam mesmo que mudasse de colégio. Ela não conseguiu suportar. "Me insultavam e me julgavam", ela diz no vídeo de quase 9 minutos. "Perdi todos os meus amigos e o respeito das pessoas."
O caso de Todd é extremo. "Não se deve cair na paranoia", adverte Cánovas. "Esses fenômenos são minoritários. Segundo as estatísticas, a maioria dos jovens que utilizam a Internet nunca sofreu assédio", acrescenta. Jorge Flores, responsável pela PantallasAmigas, site que promove o uso responsável das novas tecnologias, e Cánovas concordam em considerar chaves a educação e a relação de confiança entre pais e filhos para evitar ou solucionar situações de risco. Isto ajudará a que, se surgirem problemas, o menor e seus pais saibam como agir para minimizar os danos, mas também para localizar o assediador.
"Guarde todas as provas, capture as telas e denuncie", é outro conselho básico. "Às vezes os menores pensam que é impossível identificar o mal, mas não é", salienta Cánovas. María Rosa Diez, assessora dos corpos de segurança do Estado em matéria de cibercriminalidade, concorda. "Normalmente eles são encontrados", diz. O processo, explica a especialista, é complicado e às vezes demorado. "É como ir puxando um fio. É preciso pedir o endereço IP (etiqueta que identifica um elemento de comunicação) para as empresas provedoras de serviços. Isso deve ser autorizado por um juiz a cada vez."
Esses passos devem ser dados o mais rápido possível. "No caso de Todd, lamentavelmente não chegaram a tempo", indica Díez. Segundo a mãe da jovem, Carol Todd, "a polícia investigou muito e chegou a rastrear alguém nos EUA". "Mas nunca o encontraram", explicou ao jornal "Vancouver Sun". "Essa gente é muito boa para encobrir seus rastros."
A morte da jovem reabriu o debate sobre a vulnerabilidade dos menores na Internet. Seu legado foram três anos de assédio e de pressão contados em um vídeo, que é mantido na Internet por pedido expresso da mãe - "minha filha ia querer isso", afirma - e uma apresentação que publicou em prezi.com para evitar que seu inferno se repita.
O decálogo contra a extorsão sexual
A associação PantallasAmigas elaborou um decálogo contra a "sextorsion" para orientar as pessoas que estão sendo submetidas a chantagem por outra que tem uma imagem comprometedora sua. Nenhum caso é igual a outro, diz a organização, mas esses conselheiros buscam ajudar uma maioria de vítimas, sempre com a ajuda de um adulto, à espera de que a denúncia dê resultados.
- Peça ajuda. Solicite o apoio de uma pessoa adulta de confiança.
- Não ceda à chantagem. Não aceite os pedidos do chantagista se com isso o tornará mais forte.
- Não de informação adicional. Qualquer dado ou informação pode ser usado por quem o assedia.
- Guarde as provas. Quando alguém o ameaçar, lhe mostrar coisas delicadas... capture a tela e anote dia e hora.
- Retire informação delicada. Apague ou guarde em outro lugar informações ou imagens privadas que você possa ter. Se não o fizer, cubra a webcam.
- Elimine o "malware". Certifique-se de que não tem software malicioso - troyans, spyware- em seu equipamento.
- Mude as senhas pessoais. Pode ser que alguém esteja espionando suas comunicações nas redes sociais.
- Comprove se pode realizar suas ameaças. Muitas ameaças são "faróis", não são verdadeiras.
- Avise que o assedia de que está cometendo um crime grave. Ele deve saber que a lei pode persegui-lo e que você sabe disso.
- Formule uma denúncia. A lei persegue duramente esse tipo de crime, especialmente se você for menor de idade.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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