segunda-feira, 22 de outubro de 2012

CINEMA NAS ESCOLAS = Entrevista com Alain Bergala


Especialista francês defende a presença da sétima arte nas escolas não só para explorar técnicas de produção e conteúdos curriculares. Para ele, os filmes são úteis para discutir questões universais, como a amizade

Beatriz Vichessi

Alain Bergala. Foto: Leo Lara

Alain Bergala
Provocativo, Alain Bergala defende que as obras cinematográficas merecem um espaço na Educação tão importante quanto os livros. O cineasta, crítico de cinema e professor da Universidade Paris III, na França, tem consciência do peso e do impacto dessa ideia: foi o responsável por torná-la realidade entre o fim década de 1990 e o início dos anos 2000 em seu país.

Convidado pelo então ministro da Educação Jack Lang, Bergala integrou a equipe do projeto Plan de Cinq Ans pour les Arts et la Culture (em português, Plano de Cinco Anos para as Artes e a Cultura) e elaborou ações e material para reintroduzir a cultura cinematográfica nas regiões em que ela havia desaparecido e desenvolvê-la onde as pessoas só tinham acesso a filmes comerciais ou nem isso, caso do interior do país. Um dos produtos foi a coleção de DVD L'Éden Cinéma, com diversas produções renomadas distribuídas para todas as escolas. A proposta era que, além de ser usada para trabalhar conteúdos curriculares e organizar estudos sobre o gênero propriamente dito, a coletânea fosse explorada para promover debates sobre as histórias. "Tal como as pessoas costumam fazer depois de uma sessão: elas falam sobre os personagens que formam o casal romântico, por exemplo. O cinema foi feito para isso", ele defende. 

Em visita ao Brasil para participar da 7ª Mostra de Cinema de Ouro Preto (CineOP), o especialista concedeu uma entrevista a NOVA ESCOLA. Bergala discorreu sobre o valor do gênero para explicar e exemplificar certas situações da vida às crianças e aos jovens e recomendou alguns filmes - dentre eles, um brasileiro.
A experiência de assistir a títulos interessantes na infância é diferente daquela proporcionada mais tarde?
ALAIN BERGALA 
Sim. Para as crianças, o cinema é uma possibilidade de experimentar a vida. Quando jovens, já temos certa bagagem e nos apropriamos do que vimos na tela de outro modo, e não como um anúncio de sentimentos e emoções. Quando pequenos, temos experiências e vivências sobre a família, a casa, a escola. O restante, como o mundo, o amor e a violência, pode ser aprendido com diversos vieses por meio dos filmes. Muito do que se vê nas telas é uma prefiguração da vida dos adultos e ajuda a criar suposições sobre o futuro. 

Por que é importante aproximar o cinema da Educação?
BERGALA 
Os filmes são uma fonte muito importante para a formação do imaginário, ainda mais na atualidade, em que as crianças leem pouco. A garotada também passa bastante tempo jogando videogame e na internet. Quando defendo a cultura cinematográfica, considero válido assistir aos vídeos na televisão ou em salas de exibição. Não importa o local, desde que garantidas a qualidade e a diversidade do material. 

De que forma o cinema foi contemplado no Plano de Cinco Anos para as Artes e a Cultura?
BERGALA 
Depois de salvar a produção cinematográfica da França com investimentos e incentivos quando foi ministro da Cultura, Jack Lang assumiu a pasta da Educação e firmou a ideia de que era preciso garantir um contato estreito entre o mundo das artes e os estudantes e incluiu o gênero. Ele estabeleceu que o foco seria o cinema como arte: o estudo deveria contemplar mais que a linguagem cinematográfica e suas técnicas. Também deixou claro que o plano tinha de garantir a democratização. Essas diretrizes balizaram a elaboração do material para as escolas, principalmente a coleção L'Éden Cinéma, com DVDs de filmes clássicos e curtas-metragens. Dessa maneira, todos os alunos franceses, inclusive aqueles das escolas do interior do país com uma só turma, teriam acesso a esse mundo. O resultado foi imediato: os educadores aderiram à ideia - não somente os das disciplinas da área de humanas. Professores de Educação Física se ofereceram para organizar sessões. Mas, embora o combinado fosse que o projeto durasse cinco anos, houve uma mudança política e as coisas ficaram um pouco estagnadas. Deveríamos ter entregue uma coleção de 100 DVDs, mas no final foram somente 32.

A coleção L'Éden Cinéma é eclética, com obras do inglês Charles Chaplin (1889-1977), do iraniano Abbas Kiarostami e de origem africanas. Quais os critérios para reuni-las?
BERGALA 
O primeiro foi a diversidade, ter mais que produções francesas. A seleção deveria contemplar o cinema mundial para que os alunos conhecessem o panorama. O ministro Lang chegou a pensar que a coletânea poderia ter somente filmes europeus. Mas não fazia sentido. Seria como ensinar literatura apresentando aos estudantes só os autores europeus. O segundo foi escolher títulos indiscutíveis do ponto de vista artístico. Essa responsabilidade ficou inteiramente na minha mão e me rendeu algumas inimizades no ministério: para garantir a qualidade, o projeto custou muito dinheiro, pois não se tratava de quaisquer filmes. A linha editorial era tão clara a ponto de não ter me preocupado em incluir na coleção obras que seriam cobradas no baccalauréat (exame de qualificação acadêmica que os estudantes prestam ao final do Ensino Médio para ingressar no Ensino Superior), como alguns professores fazem.

Um dos títulos selecionados é O Evangelho Segundo São Mateus, do italiano Pier Paolo Pasolini (1922-1975) e a França é um estado laico. Não é uma contradição?
BERGALA 
Quero esclarecer que não foi uma escolha passional. Considerei o valor do material para a história do cinema e os debates que poderiam ser levantados. Mesmo assim, antes de incluí-la, pedi autorização ao ministro. Essa decisão tem a ver, além de ser um filme que trata de um evangelho, de ter sido feito por um homossexual - isso poderia gerar problemas. Expliquei a Lang que era extremamente necessário tê-lo no acervo, pois é uma obra de qualidade e beleza indiscutíveis, e ele aceitou minha defesa. Também me preocupei em reafirmar que o título trata de um momento que tem um peso histórico para a humanidade: no DVD, estão inseridas 80 obras de arte, desde o Renascimento até o presente, representando sequências doEvangelho para o professor discutir com os alunos.
Alguns educadores usam filmes para trabalhar conteúdos curriculares. Isso é ruim?
BERGALA 
Não, tanto que com os DVDs da coleção, os educadores recebiam sugestões de temas para trabalhar com a turma. Mas é fundamental saber que é perigoso escolher uma obra levando em conta só o que precisa ser abordado em classe. Existe uma hierarquia. O que deve vir em primeiro lugar é o cinema propriamente dito. As obras devem ser selecionadas para a sala de aula pelo que são e não somente porque têm assuntos a ser estudados. 

Para que uma obra seja útil na exploração de um conteúdo ou suscite uma discussão relevante sobre um tema da atualidade, é preciso que o professor apresente-a na íntegra?
BERGALA 
Não. Sei que nem sempre há tempo para sessões de uma hora ou uma hora e meia de duração. Utilizar trechos é interessante e possível. No entanto, o professor precisa compreender que uma parte isolada não serve para muita coisa. Ele precisa ter o compromisso de selecionar vários títulos, escolher pedaços de cada um e criar condições para que a garotada estabeleça conexões entre eles. O YouTube é uma ferramenta incrível para realizar essa tarefa. Existem muitas, muitas produções dos mais diversos países à disposição de quem quiser. Com essa ferramenta, o educador pode pedir que os alunos assistam a diversas partes de filmes pré-selecionados por ele como lição de casa e organizar uma discussão na aula seguinte. Esse também é um jeito de usar a internet de um modo inteligente. Não podemos esperar que mesmo diante de um conteúdo vasto, as crianças e os jovens saibam o que escolher para assistir. Eles tendem a selecionar o que já conhecem ou o que está em destaque na mídia - isso não é ruim, apesar de ser insuficiente. 

Alguma produção brasileira poderia integrar a coleção?
BERGALA 
Cheguei a pensar sobre isso, mas não tive tempo de encontrar algum título representativo do Brasil: como disse, o projeto foi interrompido. Mas asseguro que não teria elegido um filme sobre a violência nas favelas, algo que está tão na moda hoje em dia. Para mim, isso não é o cinema brasileiro. É a expressão de uma herança norte-americana. Talvez uma opção fosse Central do Brasil, de Walter Salles. A história e as relações entre as pessoas são muito interessantes. 

Qual produção pode ser indicada a fim de despertar o interesse das crianças e os jovens para o cinema?
BERGALA 
Onde Fica a Casa do Meu Amigo?, de Kiarostami, chama a atenção de todas as faixas etárias e é um dos filmes da coletânea de DVDs. Conta a história de um menino que, mesmo proibido de ir ao outro lado da colina, sabe que seu amigo que está lá será expulso da escola se ele não lhe entregar um caderno. Então, o garoto infringe a lei social para ajudar o companheiro. Já apresentei essa obra a crianças japonesas e elas ficaram tão interessadas e presas à história quanto as francesas. Não é à toa: ela aborda um tema universal, a amizade.

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