sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Complexo esportivo do Maracanã agoniza


Na correnteza de eventos esportivos como pretextos para a especulação imobiliária, o governo estadual anunciou a demolição do estádio de atletismo, assim como do parque aquático Júlio Delamare, um dia antes da visita do bicampeão olímpico e recordista dos 100 metros livres, Usain Bolt. Governo também anunciou a demolição da ex-sede da Funai e do Museu do Índio, um casarão no terreno do complexo esportivo que resiste como Aldeia Maracanã, moradia e centro cultural de 41 pessoas representantes de sete etnias indígenas do país.

Rio de Janeiro - Quem olhou o entorpecido noticiário carioca nos últimos dias viu imagens do homem mais rápido do mundo, o corredor jamaicano Usain Bolt, estrela máxima do atletismo e do marketing esportivo, na tradicional foto “yes, eles têm bananas” em frente à estátua do Cristo Redentor, com a cidade quase maravilhosa aos seus pés.

A ironia que a festa do “esporte é um negócio, tudo é negócio” não consegue apertar o botão delete é que, ao olhar à sua esquerda do alto do Corcovado, o atleta, assim como qualquer pessoa que tenha o esporte como sinônimo de saúde, alegria e desenvolvimento humano, certamente arrebatou-se ao identificar o complexo esportivo do Maracanã. Só isso. Ato contínuo para um esportista, o jamaicano não pode sonhar em algum dia “voar” na pista de atletismo do estádio Célio de Barros. Na correnteza de eventos esportivos como pretextos para a especulação imobiliária, após desfigurar o Maracanã para a Copa 2014, o governo estadual nem disfarçou ao anunciar a demolição do estádio de atletismo, assim como do parque aquático Júlio Delamare, um dia antes da visita do bicampeão olímpico e recordista dos 100 m livres.

Além do fim do “Maraca”, a bola de ferro neste grande quarteirão de desenvolvimento esportivo e histórico do Rio, vizinho ao morro da Mangueira e à linha de trem, de facílimo acesso para as camadas mais populares, foi lançada no dia 18, quando o governo anunciou a demolição da ex-sede da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Museu do Índio, um casarão em ruínas no terreno do complexo esportivo que resiste como Aldeia Maracanã, moradia e centro cultural de 41 pessoas representantes de sete etnias indígenas do país.

Garapirá Pataxó, vice-cacique tucano da aldeia, afirma que o governo jamais procurou os indígenas. “Eles nunca vieram conversar com a gente, sentar aqui e falar o que vai fazer e o que não vai fazer. Nunca mandaram um papel oficial, não teve nada disso. A gente só sabe das coisas pelo jornal, televisão”. Dauar Puri, outro indígena da aldeia, adianta à Carta Maior que haverá resistência à tentativa de remoção. “Estamos agindo, resistindo da forma legal. Já estivemos lá na assembleia legislativa e encaminhamos o pedido ao presidente da assembleia para interceder junto ao governador. Ele, o Paulo Mello (PMDB), está apoiando a nossa causa. E estamos falando com os parlamentares”, diz ele, informando também que a aldeia conta com um reforço de cerca de 70 índios guajajaras, que chegaram para rituais culturais, entre eles a comemoração do aniversário do antropólogo Darcy Ribeiro, que faria 90 anos nesta sexta-feira (26), e “vão ficar aqui para a resistência, né.”.

No front legal, ecoou da tribuna da assembleia legislativa a voz do deputado estadual Marcelo Freixo (PSol). “O que me traz aqui é um tema antigo: a resistência indígena na luta pela construção de uma nação. Muitas vezes nós avançamos no processo legal, é o típico caso da constituição de 88, mas não conseguimos avançar no processo real, tirar do papel e fazer com que o avanço legal se transforme na garantia de dignidade humana para as principais vítimas desse processo de construção dessa nação”, disse ele na quarta-feira (25), referindo-se tanto aos índios Guarani-kaiowás ameaçados de despejo no Mato Grosso do Sul quanto aos habitantes da Aldeia Maracanã.

"A reforma do Maracanã por si só já será uma briga. Sou radicalmente contra a privatização do Maracanã e vou brigar por isso. Agora, a reforma do Maracanã levar à demolição do Museu do Índio são duas tragédias, porque não há sentido. Vai destruir o museu do índio para construir estacionamento, lanchonete? É isso mesmo? É esse o valor que queremos apresentar, a ‘mcdonaldização’ da cultura carioca?”, indagou Freixo, que citou ainda o vexame do governo estadual ao ser desmentido pela Fifa após divulgar que a destruição era uma exigência do ‘player’ internacional.

Para Freixo, “no lugar de destruir o museu, o governador deveria investir naquele prédio. Seria muito menos do que ele investiu na CSA (siderúrgica), investiu junto ao seu Eike Batista. Poderia recuperar e fazer do museu uma referência indígena, para que quem visitasse o Maracanã pudesse também conhecer história. Mas não, porque tudo são negócios, e a concepção do poder público foi privatizada pelos interesses econômicos, não há espaço para a cultura, principalmente para a cultura indígena. Mas essa resistência nós vamos fazer, estamos juntos com eles”.

Outra trincheira é através do legislativo municipal. Projeto dos vereadores Reimont (PT) e Eliomar Coelho (Psol) tomba o prédio do antigo Museu do Índio. Ainda que o tombamento possa ser depois revogado, como fez o prefeito Eduardo Paes (PMDB) nos últimos dias com o estádio de atletismo e o parque aquático, que foram tombados pelo ex-prefeito Cesar Maia em 2002, o vereador petista vê esperanças. “O prefeito normalmente não acata a legislação e veta o tombamento, mas a gente tem conseguido aqui, por mobilização social, derrubar o veto do prefeito e promulgar a lei, o tombamento, pela Câmara”, diz ele. “É o que acontece com o quartel general da PM, que seria vendido para a Petrobras pelo governo do estado. Aprovamos o processo de tombamento daquele prédio também histórico e conseguimos pelo menos embaralhar o processo, tanto que hoje não se fala mais na venda daquele prédio”, completa.

Flechados
Se uma das marcas do corredor jamaicano é fazer o gesto de um arqueiro rumo ao lançar de flechas, foram os moradores do Rio que se feriram com o anúncio dos governos estadual e municipal sobre o destino do estádio de atletismo e do parque aquático, que em 2007 foi reformado por R$ 10 milhões, à época, para os jogos Panamericanos. No edital de concessão preparado a partir de estudos de viabilidade feitos por uma das empresas de Eike Batista, a IMX, eles serão “realocados” no bairro de São Cristóvão, próximo ao Maracanã. A IMX, que recebeu R$ 2,3 milhões pelo estudo de viabilidade contratado pelo governo, claro, participará da concorrência dos novos “ativos urbanísticos”.

Alheia a tais “ativos”, Carmem Santos, moradora da região, sofreu com a notícia. “É muita tristeza. Porque isso é muito bom para mim e para todos que necessitam, inclusive deficientes”, disse a idosa, que é uma das dez mil alunas que fazem atividades diárias na piscina do Júlio Delamare, ainda se enxugando após mais uma aula. A Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA) informou que estudará a minuta do edital antes de divulgar nota oficial sobre a demolição do parque aquático.

Já a Federação de Atletismo do Estado do Rio de Janeiro (Farj) divulgou nota oficial de repúdio e lançou um abaixo assinado contra a demolição do estádio Célio de Barros em seu site oficial. A entidade convida todos os cidadãos que se sentem lesados com o destino do complexo do Maracanã a comparecerem à audiência pública que apresentará oficialmente o edital de concessão do quarteirão esportivo, no dia 8, às 18hs, na sede do Galpão da Cidadania, na rua Barão de Tefé, na Gamboa.

Para os que se recusam a arquivar as cenas de milhares de populares desembarcando de trens rumo a mais uma tarde esportiva no complexo do Maracanã, ou exercitando-se durante os sete dias da semana em suas instalações, o procurador federal Maurício Andreoulo, do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, recomenda. “Um caminho viável é esse tipo de cidadão, usuário prejudicado, vir ao Ministério Público do Estado, e vir também ao Ministério Público Federal, fazer sua denúncia; para que aí sim, haja um caminho institucional para abrir esse diálogo, e se não houver mais diálogo, para instaurar uma ação civil pública e, eventualmente, mitigar em juízo”.

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