quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Julgamento do mensalão marca fim de uma geração no PT, dizem analistas


O julgamento do mensalão no STF (Supremo Tribunal Federal), no qual a cúpula do PT (Partido dos Trabalhadores) no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva foi condenada, é um marco do fim de uma geração que comandou o partido desde sua fundação, em 1980. Essa é a avaliação de analistas políticos entrevistados pelo UOL.

Guilherme Balza
José Dirceu durante encontro do PT em 1982
José Dirceu durante encontro do PT em 1982
A Suprema Corte condenou nessa quarta-feira (10) o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o ex-presidente do PT José Genoino e o ex-tesoureiro da sigla Delúbio Soares, todos por corrupção ativa. Agora, os ministros irão julgar três ex-parlamentares acusados de lavagem de dinheiro --João Magno (MG), Paulo Rocha (PA) e Professor Luizinho (SP)-- que podem ser condenados, a exemplo do que ocorreu com o deputado federal João Paulo Cunha (SP).
Para Marcos Nobre, professor do Departamento de Filosofa da Unicamp (Universidade de Campinas) e pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), o julgamento do mensalão simboliza uma troca de gerações no PT: saem os quadros fundadores do partido e ingressam figuras novas, com experiência na administração pública.
"Já está acontecendo há algum tempo no PT um processo de renovação dos quadros, uma mudança geracional. Esse julgamento marca o fim de uma geração do PT. Não se trata de dizer que as figuras antigas estão totalmente fora do partido, mas sim de que figuras novas passaram a ocupar espaços estratégicos importantes. Isso é um projeto do partido", avalia Nobre.
O professor cita como exemplos dessa nova geração Fernando Haddad, candidato à prefeitura de São Paulo, Luiz Marinho, prefeito reeleito em São Bernardo do Campo (SP), além de Elmano Freitas e Marcio Pochmann, que foram ao segundo turno em Fortaleza e Campinas (SP), respectivamente.
"O governo Lula conseguiu atrair uma quantidade impressionante de pessoas muito jovens, formadas no exercício do governo. Nesse processo de renovação, essa geração que está sendo julgada vai perder o destaque, mas vai ter um lugar de destaque na história do partido. Vão ser lembradas como figuras que foram importantes para construir o PT e, do ponto de vista do partido, estão sendo injustiçadas", afirmou.
O cientista político Fernando Abrucio, professor da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas de São Paulo), acrescenta que parte destas figuras novas que ganharam espaço no PT não eram centrais num passado recente e se projetaram a partir do prestígio que possuem no governo de Dilma Rousseff.
"O PT, em particular o de São Paulo e o ligado à Dilma, já está passando por uma renovação nos quadros nos últimos dois anos, e a principal razão disso é o mensalão", afirma Abrucio. "Paulo Bernardo (ministro do Planejamento), a Gleisi Hoffmann (ministra-chefe da Casa Civil), o Alexandra Padilha (ministro da Saúde), por exemplo, subiram junto com a Dilma. Os outros são candidatos a prefeito que cresceram internamente nos últimos anos."
Segundo o professor da FGV, Haddad é fruto da necessidade do PT em renovar seus quadros. "O Lula percebeu isso. Em torno da candidatura de Haddad estão pessoas muito jovens. Os que eram ligados ao Dirceu foram escanteados. Se o Haddad ganhar, vai varrer todos os que estão no Diretório Municipal há 20 anos", afirma Abrucio.
Ele acrescenta que um efeito colateral dessa renovação foi uma certa lentidão para que a campanha de Haddad engrenasse. "Com a saída de boa parte do pessoal antigo, o PT ficou com uma estrutura menos azeitada."
Dirceu, caricatura do PT
Diferentemente da maior parte dos fundadores do PT que vieram da luta armada contra a ditadura militar, Dirceu se alinhou à chamada Articulação, setor que congregava as lideranças sindicais do ABC Paulista, cuja caraterística, herdada das demandas corporativas no sindicato, era o pragmatismo, em contraposição às posições mais ideológicas e programáticas de outras tendências.
Enquanto Lula se destacava como principal figura pública, José Dirceu sempre foi considerado o articulador, estrategista do PT. Quando assumiu a presidência da sigla em 1994, logo após um período iniciado em 1989, quando as tendências de esquerda alcançavam seu auge no partido, foi o responsável pela reorganização interna que expulsou os radicais e fortaleceu a Articulação.
"Ele foi importante para a construção dessa hegemonia do grupo do Lula dentro do partido. Costurou um acordo entre várias tendências no Campo Majoritário (que substituiu a Articulação), mantendo 30% do espectro partidário para outras correntes para ter o embate e manter a vitalidade do partido", explica Nobre.
A partir daí, o PT progressivamente se ajustou às necessidades eleitorais até chegar ao poder em 2002. Para Nobre, quando José Dirceu deixou a Casa Civil, em 2005, a reorganização do PT não se deu mais sob a liderança dele. "É preciso ter uma visão mais real do que é o PT. O Dirceu funciona hoje como uma caricatura do partido."
"O partido sofreu mudanças e ninguém percebeu. O Dirceu não é mais o chefão há alguns anos. Tanto que a pré-candidata [à Prefeitura de São Paulo] apoiada por ele, a Marta Suplicy, não foi escolhida", afirma Abrucio. "Mesmo que Dirceu fosse absolvido no STF, nunca mais teria o mesmo papel. Na política, quem vai embora, perde o lugar," acrescenta o cientista político.
Para Marcos Nobre, é preciso "desmistificar a figura de Dirceu". "Ele não é nem de longe uma figura decisiva. Dirceu é importante, mas ele não tem a importância que lhe é atribuída. É cômodo para ele e para quem está fazendo o embate político personalizar o partido numa figura e dizer que Dirceu ou o Genoino são o PT."
Mensalão e eleições
Tanto Nobre quanto Abrucio são enfáticos ao dizer que o mensalão não teve influência no primeiro turno das eleições e o mesmo deve ocorrer no segundo turno. "É residual, próxima a zero a importância do mensalão", afirma o professor da Unicamp. "As eleições municipais envolvem temas locais. O único lugar em que o mensalão foi tema da campanha foi em São Paulo, porque PT e PSDB nasceram lá, e os réus do PT que estão sendo condenados também são de São Paulo", acrescenta Abrucio.
Para o cientista político da FGV, o mensalão tem "pouquíssimo efeito" e, parte dele "se reverteu no recorde de abstenção eleitoral (votos brancos, nulos e abastenções), que foi 28%" no pleito paulistano.
Nobre diz que, se a estratégia de José Serra (PSDB) se focar no mensalão, dificilmente ele conseguirá derrotar Haddad. "Em São Paulo há 30% de eleitores petistas e outros 30% de antipetistas. Ganha a eleição quem conquistar os 40% restantes. Se o Serra usar o mensalão, ele falará só com os eleitores antipetistas e não conquistaria a parcela restante do eleitorado."
Abrucio acrescenta que o "debate da virtude" não traz voto. "Se o Serra falar do mensalão, Haddad fala do mensalão mineiro, do envolvimento do Marconi Perillo [governador de Goiás, do PSDB] com o [bicheiro Carlinhos] Cachoeira, por exemplo. Neste jogo, quem ganha é o PT. Não há nenhuma relação entre Dirceu e Haddad, assim como não há entre Serra e Cachoeira.

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