sábado, 27 de outubro de 2012

País do beisebol, Venezuela se curva ao futebol


Aliando investimentos e boa safra de jogadores, seleção cavou seu espaço no coração dos venezuelanos

Marina Terra
“Quem é Neymar?”, pergunta Jefferson Blanco, de 15 anos, morador do bairro caraquenho 23 de Enero – um dos mais pobres do país. “Ele é jogador da seleção do Brasil? Não conheço direito o time, mas posso te dizer quem são todos os jogadores da Vinhotinto”, responde sorridente o menino, que guarda certa semelhança física com o franzino jogador santista.
Gustavo Borges/Opera Mundi
O futebol, impulsionado pelo bom desempenho da seleção nacional, a Vinhotinto, ganha os corações dos venezuelanos
As paixões mudaram na Venezuela, como comprova Jefferson. Se antes o beisebol dominava preferências e os poucos amantes do futebol precisavam adotar uma segunda seleção, como a do Brasil, Espanha ou Itália, durante as Copas do Mundo, agora a Vinhotinto, como é carinhosamente chamada a equipe venezuelana, é sinônimo de orgulho e confiança. Gradativamente substitui o bastão pela bola nos campos venezuelanos. “Vamos ganhar do Brasil no próximo Mundial”, alerta Jefferson, sem soltar um riso sequer.

Antes tradicional saco de pancadas, a Vinhotinto virou febre nacional justamente pelos impressionantes resultados alcançados em tão pouco tempo. O principal momento, até hoje, foi o quarto lugar na Copa América de 2011, na Argentina. Chegou  às quartas-de-final de final batendo o Chile, enquanto o Brasil tombava diante do Paraguai, que acabou se tornando também o algoz venezuelano na semifinal. Mesmo derrotados em sua tentativa de disputar a final do torneio, os jogadores da Venezuela foram recebidos como campeões em Caracas.

Opera Mundi
"Miku" Fedor, uma das estrelas da seleção venezuelana, joga no Getafe da Espanha
Para Nicolás “Miku” Fedor, de 26 anos, membro da seleção e jogador do Getafe, da Espanha, o momento-chave para a mudança no futebol venezuelano foi o 3 a 0 contra o Uruguai em 2004, nas eliminatórias para a Copa de 2006 – a partida ficou conhecida na Venezuela como o Centenariazo.
“Nesse dia houve uma mudança de mentalidade, vimos que era possível ganhar desses times”, afirma o jogador.

Integrante desse grupo exitoso, o jogador venezuelano Rafael Acosta, de 23 anos, aponta o investimento no esporte como outro elemento fundamental para a evolução em campo.
“A percepção de que a Venezuela não tem força no futebol mudou. De oito anos para cá a qualidade cresceu muito, principalmente com as escolinhas de futebol. Agora se entende que o futebol vem das bases, das crianças”, explica.

“Miku” pontua que a profissionalização do futebol caminhou junto com o desenvolvimento econômico da Venezuela nos últimos anos. “O futebol acompanhou o crescimento de toda a sociedade. O esporte cresceu não só em nível internacional, como nacional. Isso porque a renda aumentou. Se um jogador, ou se qualquer trabalhador é bem pago, seu nível de trabalho e compromisso são muito maiores”, defende.

Beisebol x futebol

Rafael Acosta: "A percepção de que a Venezuela não tem força no futebol mudou"
A empolgação com a seleção nacional contagiou até Hugo Chávez, um aficionado pelo beisebol, masque frequentemente se manifesta durante os jogos por meio de sua conta no Twitter. Mas o presidente não está sozinho.
Uma pesquisa feita pelo Gis XXI (Grupo de Pesquisa Social Siglo XXI), em outubro de 2011, mostrou que é evidente o aumento do interesse dos venezuelanos pelo futebol, especialmente entre os mais jovens.
Vinte e nove porcento deles afirmam que praticaram o esporte no último ano, enquanto o índice nacional foi de 17%. O beisebol ficou em segundo, com 15% das preferências dos jovens e 15% da fatia nacional.

Na mesma pesquisa, questionados se estavam “muito de acordo” ou somente “de acordo” com a frase “com o êxito da seleção nacional agora a Venezuela é Vinhotinto”, 95% dos jovens escolheram a primeira resposta, enquanto o montante nacional somou 89%.
Todavia, à pergunta “outros esportes viram moda, mas o beisebol é o esporte nacional da Venezuela”, 93% dos jovens responderam “muito de acordo” e todas as faixas etárias, 94%.

No entanto, na opinião de “Miku”, é questão de tempo para que o futebol se torne a paixão nacional número um. “Há mais crianças federadas em futebol do que em beisebol atualmente na Venezuela. A Federação Venezuelana de Futebol, os clubes e a própria sociedade têm um papel fundamental nisso”, destaca o jogador.

Na esteira dessa “febre”, a marca de material esportivo Adidas, responsável pelo uniforme da seleção, preparou uma campanha publicitária que aflorou as emoções na nação bolivariana. No filme, o primeiro feito para a Vinhotinto, uma criança viaja até o Brasil de ônibus e no percurso narra seu amor pela seleção canarinho, especialmente por Kaká. “Queria ser meio-campo como você, fazer os gols que você faz”, conta o menino.

Já maravilhado com as praias cariocas, ele diz a Kaká que todos os dias pratica para ser como ele: “você para sempre será o meu preferido”. Até que a declaração de amor vira um agradecimento – e uma despedida. Já em frente a uma casa, o menino retira sua camisa do Brasil e por baixo, está a da Venezuela. A antiga é colocada em uma carta de correio. “Você é o melhor, mas fico com as cores da minha verdadeira paixão”, se justifica.
A peça publicitária foi bastante elogiada na Venezuela e computa atualmente mais de um milhão de acessos no canal da marca no YouTube. Em um país polarizado politicamente é indiscutível que a “Vinhotinto” poderia facilmente se tornar alvo de disputas, porém, o efeito é exatamente o contrário, como confirma Acosta: “O futebol une ainda mais a Venezuela. Alguém pode ser de um partido político, ser negro ou branco, mas quando começa a partida, a harmonia é definitiva.”

Investimentos

O entusiasmo com o futebol reflete o novo fôlego esportivo depois que Chávez chegou ao governo e decidiu fazer da educação física um instrumento de inclusão social. O desfecho institucional dessa decisão é a Lei Orgânica para o Esporte, criada em 2011, que determina objetivos como a massificação da atividade e a criação de um fundo nacional para seu financiamento, sob controle do Estado.

O investimento público anual em esportes, entre 1992 e 1998, equivaleu a 3,75 milhões de dólares, segundo dados do governo. Nos primeiros onze anos da administração Chávez, entre 1999 e 2010, essa cifra saltou para 131,7 milhões – multiplicando por 35 as verbas desembolsadas pelos antigos governos.
Opera Mundi/Fonte: Ministério do Poder Popular para os Esportes, 2011


Como parte dessa política, foi criada, em 2002, a Missão Barrio Adentro Deportivo, um programa que universaliza o direito à atividade física nas comunidades mais pobres, com equipamentos e professores. Também foi fundada, em 2006, a Universidade Esportiva do Sul, no estado Cojedes, que  prepara treinadores e gestores no setor para todo o país.

Aos poucos, inspirando-se na experiência cubana e apoiada por vários convênios com a ilha caribenha, a Venezuela vai criando um sistema de pirâmide desportiva, que alia a democratização na base da sociedade (especialmente nas escolas) com uma cadeia de etapas superiores que vão selecionando e preparando atletas até o topo, onde se encontram os esportistas de alto rendimento, escolhidos para disputar os grandes campeonatos e jogos olímpicos.

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