quinta-feira, 6 de junho de 2013

Saindo do estaleiro

Saindo do estaleiro
Políticas públicas são responsáveis pela retomada da construção naval, aponta estudo do Instituto de Geociências

SILVIO ANUNCIAÇÃO
economista Claudiana Guedes de Jesus prevê, nos próximos anos, uma nova fase para a indústria de construção naval brasileira. Ela acredita que, após a crise nas décadas de 1980 e 1990, o setor poderá responder às demandas domésticas com menor dependência da tecnologia externa.
As considerações integram amplo estudo conduzido pela pesquisadora para a sua tese de doutorado defendida na Unicamp. O trabalho foi apresentado junto ao programa de Pós-Graduação em Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp.
A tese mapeou a cadeia produtiva da indústria no país, discutindo suas principais características e identificando fragilidades. A pesquisadora,atualmente professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRF), foi orientada pela docente do IG Leda Maria Caira Gitahy. O economista André Tosi Furtado coorientou o trabalho.
“É um momento novo. Muitos estaleiros que estavam fechados no período da crise reabriram e se modernizaram. Outros novos se instalaram no país em parceria com empresas estrangeiras. As políticas públicas voltadas ao desenvolvimento do setor foram as grandes responsáveis por esta retomada”, analisa a especialista.
Claudiana Guedes destaca o papel da Petrobras e de sua subsidiária, a Transpetro, que garante 98% das encomendas aos estaleiros nacionais. Isso acontece devido ao estabelecimento de conteúdo local mínimo na construção das embarcações. O conteúdo local é uma exigência do governo federal, que estipula um percentual mínimo para a construção das embarcações. Este percentual é exigido para a concessão de créditos e incentivos fiscais.
“Isso tem garantido a retomada do setor, que emprega atualmente cerca de 50 mil trabalhadores”, confirma a pesquisadora. Ao mesmo, esta dependência das encomendas da Transpetro tem se tornado um ponto crítico, reconhece Claudiana Guedes. “Todos os países com uma indústria de construção naval importante dependem muito do Estado. Isso acontece no Brasil porque o país exporta muito pouco”, pondera.
Ainda de acordo com ela, o estabelecimento do conteúdo local mínimo foi resultado da mudança na política de compras da Petrobras. A partir do final da década de 1990, a empresa passou a demandar mais de seus fornecedores locais. “Foi muito importante porque levou em conta o desenvolvimento de tecnologia própria. O conteúdo mínimo não é simplesmente uma exigência de nacionalização da produção, mas algo maior, implementado junto a políticas que permitiram um desenvolvimento do setor”, defende.
Claudiana Guedes elenca sete políticas que foram essenciais para a retomada no setor: as mudanças nos procedimentos de compras da Petrobras; a Lei do Petróleo e os programas de Apoio Marítimo; Navega Brasil; de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural; de Modernização e Expansão da Frota e de Empresa Brasileira de Navegação.
A economista ressalta também que a política industrial brasileira para a construção naval esteve atrelada à Marinha Mercante, que concedeu subsídios de financiamento desembolsados pelo seu fundo criado em 1958. “Em todas estas políticas, o governo conseguiu agir, principalmente por meio da Petrobras, para que elas fossem executadas”, acrescenta.
CENÁRIO
A pesquisadora faz uma contextualização do setor por meio de dados e números que sustentam sua análise de retomada da indústria naval no país. “O Brasil é hoje o quarto maior construtor de sondas de perfuração do mundo, e o segundo maior construtor de plataformas offshore”, revela.
Claudiana Guedes compara ainda que o número de trabalhadores admitidos pelo setor ultrapassou o auge no final dos anos de 1970, quando eram empregadas cerca de 40 mil pessoas. “Hoje nós já temos quase 50 mil trabalhadores, com possibilidade de aumento, conforme dados do Sinaval [Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore]”, prevê.
A pesquisadora observa que, no auge da crise em 2000, o setor chegou a contratar menos de 2 mil trabalhadores. “A indústria de construção naval passou por expansão, estruturação e auge de 1950 até 1980; um segundo momento de crise, com fechamento de estaleiros e forte diminuição de indicadores de emprego, nas décadas de 1980 e 1990; e o período recente de retomada, com grandes investimentos e ampliação da indústria”, situa.
O momento atual indica uma nova configuração do setor, para além da retomada, sugere a especialista. “As expectativas com a exploração de petróleo da camada do pré-sal elevam as projeções da carteira de encomendas e corroboram com a efetiva garantia das demandas da Petrobras/Transpetro”, calcula.
CADEIA PRODUTIVA
A expansão do setor tem trazido impactos em toda a cadeia produtiva envolvida. “Nesta cadeia estão os fornecedores, que são as indústrias siderúrgicas, de navipeças e os escritórios de projetos. Do outro lado, temos os armadores e as sociedades certificadoras e classificadoras”, especifica Claudiana Guedes.
O elo desta cadeia está vinculado, sobretudo, ao papel dos estaleiros, que atuam como montadores de embarcações. A estudiosa afirma que a construção do navio de produtos João Cândido e do petroleiro Celso Furtado marcaram a retomada. “Eles conseguiram recuperar o índice de nacionalização na sua produção. O João Cândido ficou com 70% de nacionalização. E o Celso Furtado conseguiu 74%”, menciona.
Por outro lado, os sucessivos atrasos na entrega do navio João Cândido expuseram a fragilidade do setor. “Isso mostra problemas dessa nova fase de retomada da indústria, especialmente relacionados à falta de qualificação da mão de obra e de fornecimento. Apesar do índice de nacionalização, o navio Celso Furtado, por exemplo, foi construído com aço importado da China, Coreia do Sul e Ucrânia”, aponta.
DESCENTRALIZAÇÃO
O estudo da Unicamp demonstra crescimento do setor no nordeste do país, região onde praticamente não existiam estaleiros navais, conforme Claudiana Guedes. Ela afirma que houve, inclusive, uma política de descentralização desta indústria de construção naval, muito presente no Estado do Rio de Janeiro.
“O Rio de Janeiro ainda possui a maior concentração de estaleiros, além de deter o maior volume de emprego da indústria. Apesar disso, o Estado teve redução de sua participação nacional, tendo em vista que grandes investimentos, realizados e previstos, também estão sendo direcionados para outros estados”, constata.
A retomada do setor contou com outros atores, além do governo, que se organizaram no que a pesquisadora chamou de redes de inovação. Foi uma atuação conjunta entre universidades, centros de pesquisas e empresas. A partir desta atuação foram criadas duas redes: o Centro de Excelência em Engenharia Naval e Oceânica (Ceeno), em 2000; e a Rede de Inovação para Competitividade da Indústria Naval e Offshore (Ricino), em 2010.
“Merecem destaque a atuação do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello da Petrobras; o Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro]; e o Centro de Engenharia Naval e Oceânica do Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo [IPT]”, acrescenta.

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