quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Desigualdades sociais: ainda um desafio



Em entrevista ao UFRJ Plural, o diretor do Instituto de Economia da UFRJ, Carlos Frederico, comentou os resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2011, que registrou o aumento individual da renda nos estratos mais baixos da população.

Coryntho Baldez

No entanto, para ele, a elevação do salário mínimo e as políticas assistenciais - principais responsáveis pelos números revelados pela pesquisa do IBGE - já não bastam para o Brasil superar, de vez, as suas desigualdades sociais históricas. Para isso, afirma que será necessário alterar a distribuição funcional da renda, reduzindo os ganhos derivados dos lucros, dos juros e da propriedade da terra.

Ao comentar a política industrial, Carlos Frederico, que é editor da Revista de Economia Contemporânea, denunciou o risco de o Brasil abrir o território para multinacionais montarem produtos sofisticados para exportação a baixo custo. É o caso da Foxconn. Atraída pelos subsídios governamentais, a empresa veio para o país fabricar iPads e iPhones com o emprego de mão de obra feminina desqualificada.

UFRJ Plural - O governo comemorou os resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2011, divulgados em setembro deste ano pelo IBGE, especialmente pelo aumento de 8,3% da renda média mensal dos trabalhadores entre 2009 e 2001. Como o senhor avalia esse indicador?
Carlos Frederico - A renda média do trabalhador ter aumentado é algo interessante, mas o mercado de trabalho, principalmente em 2010, estava muito aquecido, situação que perdurou em boa parte de 2011. Acredito que parte desse aumento se deva ao mercado e a outra parte a uma política agressiva de aumento do salário mínimo, que tem se mostrado importante do ponto de vista social.

UFRJ Plural -
 O senhor tem ideia do percentual de pessoas da população economicamente ativa com rendimentos vinculados ao salário mínimo?
Carlos Frederico - O que eu posso dizer é que toda a mão de obra de baixa qualificação, principalmente a informal, tem o seu salário vinculado ao mínimo. É algo estranho, porque o salário mínimo está voltado para o mercado formal. No entanto, ele repercute sobre o mercado informal.

UFRJ Plural - Algumas análises consideram que, embora tenha havido uma evolução na distribuição de renda na base da sociedade, o topo da pirâmide continua sendo beneficiado pelas políticas macroeconômicas. Como o senhor avalia isso?
Carlos Frederico - Quando dividimos a renda por estratos, os resultados que obtemos, de maneira geral, é que as faixas mais altas tiveram um crescimento menor da renda nos últimos 10 anos. Estamos falando aqui dos 10% mais ricos da sociedade. Dentro dessa faixa, reclamava-se muito dos chamados rentistas, que obtém a sua renda não do trabalho, mas do capital e de outros tipos de renda. Nesta classe, as rendas derivadas dos juros nos últimos anos, por exemplo, foram certamente relevantes. Mas, recentemente, houve uma mudança expressiva na política de juros. Tanto que o governo teve que mudar as formas de remuneração da caderneta de poupança. Portanto, esse tipo de renda tende a diminuir e acho que 2011 ainda não captou essa mudança.

UFRJ Plural - E como o senhor avalia a política macroeconômica para enfrentar a crise, como isenções fiscais para alguns setores industriais? Esse caminho é correto?
Carlos Frederico - Qual a preocupação do governo? A série de produção industrial do Brasil vinha crescendo muito bem até 2009, acompanhando o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Quando vem a crise internacional, acontece uma quebra nessa série. Há uma queda substantiva da produção industrial, que é parcialmente recuperada em 2010, mas que não tem prosseguimento nos anos seguintes.

UFRJ Plural - São os efeitos prolongados da crise?
Carlos Frederico - A crise gera uma capacidade ociosa no mundo. Muitas indústrias passam a não conseguir mais colocar a sua produção em mercados para os quais já vendia. Houve uma oferta maior e o deslocamento de produção para outros mercados que conseguiram manter o seu crescimento. O Brasil sofreu bastante com esse processo.

UFRJ Plural - Que segmentos sofreram mais?
Carlos Frederico - Vou dividir a nossa indústria em quatro segmentos: agroindústria, commodities industriais, bens duráveis e, por último, uma indústria tradicional intensiva em trabalho. Esta última ocupa cerca de 60% da mão de obra industrial e abrange setores como o de tecidos, calçados, brinquedos, alimentos, entre outros.

UFRJ Plural - Essa indústria foi a mais afetada pela entrada de produtos importados?
Carlos Frederico - Sim, principalmente chineses. São produtos que ficaram ainda mais baratos com a crise econômica. Essa indústria tradicional ocupa cerca de três a quatro milhões de postos de trabalho, que não se pode jogar fora de uma hora para outra.

UFRJ Plural - E como o senhor avalia as isenções de IPI para a indústria automobilística?
Carlos Frederico - Analisando os efeitos da crise, percebemos que muitos utilitários que antes eram dirigidos ao mercado norte-americano, que entrou em crise em 2008, passaram a entrar no país. Os Estados Unidos, por exemplo, eram o principal mercado da indústria mexicana, que redirecionou a sua produção para o Brasil. Nesse segmento, isso não implicaria em destruição da nossa indústria como aconteceria com a entrada maciça de bens da indústria tradicional, que é mais frágil.
UFRJ Plural - E essa indústria tradicional foi protegida?
Carlos Frederico - Como é o setor mais ameaçado, o governo tem duas preocupações. Primeiro, não perder esse mercado potencial para produtos da linha branca, como geladeiras e fogões, e da linha marrom, como televisores e DVDs. Em segundo lugar, há uma preocupação em preservar empregos. Como recolocar no mercado, por exemplo, um trabalhador que era empregado em uma confecção. É muito complicado.
UFRJ Plural - Como o governo protegeu essa indústria?
Carlos Frederico - Com o aumento de tarifas para importados e isenção do INSS. No caso da indústria automobilística, houve isenção de IPI. Compreendo essas medidas como de curto prazo, mas não é solução a longo prazo, uma vez que a tendência é de encarecimento dos produtos nacionais. Já a isenção dos custos indiretos do trabalho, como o INSS, é perigosa. É fácil conceder e difícil retirar. Há um conjunto de pessoas que vão se aposentar e precisarão ser remuneradas no futuro por esse fundo, e a conta pode não fechar.
UFRJ Plural - Apesar dos bons resultados, uma análise do Ipea sobre a Pnad (2011) mostra que a renda está crescendo em setores que contratam mão de obra precária e agregam pouco valor à economia, como a agricultura (86%) e as atividades domésticas (62,4%). Qual a sua opinião sobre esse fenômeno?
Carlos Frederico - Não sei qual a capacidade da Pnad captar esse fenômeno. Certamente, o emprego e o salário subiram nesses segmentos. O decil inferior da renda foi o que mais cresceu em sua remuneração. Que o setor de serviços tende a ser o grande celeiro de empregos da economia brasileira também não tenho a mínima dúvida. Em 1970, no mundo, cerca de 30% do valor de produção gerado estava concentrado na indústria, caindo para 18% em 2010. No Brasil, o auge do valor adicionado da indústria foi em meados da década de 1980, com 35%. Esse percentual representava 16,9% em 2009. São números bastante parecidos com os da economia global. Mas se olharmos hoje para os países desenvolvidos, 80% do emprego estão no setor de serviços.
UFRJ Plural - E isso vai acontecer no Brasil?
Carlos Frederico - Sim, não tenho dúvida. O problema é que estamos aumentando o emprego de baixa qualidade nesse setor, ainda que tenhamos algumas boas notícias, como a redução da mão de obra doméstica.
UFRJ Plural - Se, de um lado, vai crescer o fenômeno do emprego na área de serviços, o Brasil está ficando para trás em setores que deveriam investir mais em tecnologia e agregar valor a seus produtos?
Carlos Frederico - Com certeza. O problema é que quando falamos em proteger a nossa indústria, protegemos setores que têm todos os problemas dos serviços. E nesse segmento industrial de baixa tecnologia temos concorrentes do porte da China, que tem uma mão de obra mais oprimida e com salários menores do que a nossa. Então, é bom separar. Os setores de ponta hoje representam 25% da nossa indústria. Mesmo nesse universo, é preciso saber se, de fato, há investimentos em alta tecnologia e de que tipo. Vamos lembrar o caso recente da Foxconn [montadora de iPads e iPhones], que está criando um grande rebuliço. Ela veio para o Brasil, atraída pelos subsídios governamentais, e está empregando mão de obra feminina e desqualificada, exatamente como faz na China. E o Brasil não vai concorrer com a China.

UFRJ Plural - Esse é um caminho perigoso?
Carlos Frederico - Sim. O que estamos fazendo? Estamos criando uma maquiladora [empresas que montam fábricas em outros países para aproveitar isenções fiscais e mão de obra barata, exportando o produto final]. Isso não é emprego qualificado. Vou citar outro exemplo, que é justamente o oposto. Nós produzimos celulose, que é fruto de alta tecnologia. Por quê? O Brasil não nasceu produtor de celulose. Na verdade, não se podia extrair celulose da madeira produzida no país. Conseguimos adaptar a tecnologia para produzir, a partir do eucalipto, uma celulose para fabricação de papel. Por outro lado, há uma tecnologia da Embrapa para produção e crescimento dessa árvore em período recorde. Então, temos hoje uma vantagem de custo enorme na produção de celulose, mas não possuímos indústria de papel e indústria gráfica. Recentemente, um colega meu criticou o fato de um livro que estava editando ter sido impresso na China.
UFRJ Plural - E qual a sua avaliação sobre isso?
Carlos Frederico - Depende do ponto de vista. O que tem de mais nobre no livro é o conteúdo e o desenho gráfico. Bom, é verdade que o Brasil está exportando celulose para depois receber papel. Mas o valor agregado na indústria gráfica não é maior do que o valor agregado da celulose. Em segundo lugar, o que tem de maior valor agregado é o próprio conteúdo, o "software". E se isso é feito no Brasil, estamos de parabéns. Fizemos um trabalho de alta tecnologia. Precisamos fazer política industrial pensando concretamente em cada situação.
UFRJ Plural - Qual seria então o caminho para vencermos as nossas desigualdades sociais históricas? Pode-se afirmar que a elevação do salário mínimo e as políticas de transferência de renda em geral já não bastam?
Carlos Frederico - Começa a ficar mais importante mexer com a distribuição funcional da renda. Os detentores de rendimentos derivados de lucros, juros, aluguéis, renda da terra, entre outros, detêm hoje cerca de 60% da renda nacional. Alterar essa distribuição entre os rendimentos da propriedade e do trabalho passa a ser importante no estágio em que nos encontramos. Outra coisa importante &Â? investir na qualificação de pessoal. O país precisa criar postos de trabalho mais qualificados. Para isso, é fundamental uma política educacional mais consistente. Outra medida importante é aumentar a nossa taxa de investimento, que está em torno de 17% do PIB. Na China, por exemplo, esse percentual é de mais de 40%. Mas já será muito bom se conseguirmos aumentar em 50% a nossa taxa de investimento. Aliás, recentemente, foi criado o Fundo de Seguridade Social do serviço público. Saber quem vai controlar esses recursos e onde eles serão aplicados são questões fundamentais para o Brasil. Esse fundo será a nossa maior fonte de investimentos nos próximos 40 anos..

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