A Alemanha se transformará a partir de 1º de novembro no primeiro país europeu a permitir que nas certidões de nascimento não se registre o sexo dos recém-nascidos - uma pequena grande revolução jurídica destinada a facilitar a vida das pessoas que nascem sem que seja fácil determinar se são homens ou mulheres.
Enrique Müller E Emilio De Benito
Enrique Müller E Emilio De Benito
A lei alemã cria, pelo menos no jargão não oficial, a figura de um terceiro sexo, além da classificação tradicional de masculino e feminino, depois que uma ativista denunciou diante da ONU as intervenções para apagar todo vestígio de ambiguidade sexual e seguindo uma recomendação do Tribunal Constitucional alemão, que veio a dizer: "Sempre que uma pessoa 'sinta profundamente' que pertence a um determinado gênero, tem o direito de escolher a forma como identifica legalmente a si mesma". É o mesmo princípio que se aplica nas leis sobre a identidade de gênero dos transexuais.
Assim como ocorre na Espanha, na Alemanha até agora os pais eram obrigados a registrar o sexo do recém-nascido como masculino ou feminino. A partir de novembro, poderão deixar em branco o espaço referente ao sexo - a lei também elimina das certidões de nascimento a classificação de hermafrodita ou intersexual.
A nova norma possibilitará que uma pessoa que ainda não sabe se é homem ou mulher, o chamado "ser humano intersexual", possa, no momento em que desejar, optar pelo sexo masculino ou feminino. A mudança tem uma importante conotação humana.
Gabriel J. Martín comemora essa nova regulamentação. Esse espanhol nasceu há 42 anos com DSD - sigla em inglês de transtorno do desenvolvimento sexual, termo que ele prefere ao de intersexual; concretamente, com hipospadia (uma anomalia na posição da uretra no pênis, que costuma ser muito pequeno) e os testículos nas virilhas. Foi registrado como menina. Assim viveu até os 21 anos, quando um juiz lhe permitiu "retificar" o registro.
"Ele aplicou uma lei dos anos 1950; foi o mais fácil de tudo", diz. Isso ocorreu em 1991, antes da lei de identidade de gênero, o que demonstra que a situação já era conhecida de sobra, afirma. Hoje, aponta, há testes genéticos e hormonais que permitem discernir o que acontece em muitos casos, em vez de confiar só nas aparências.
Martín, que é psicólogo da Coordenadoria Gay e Lésbica, lembra que sua adolescência foi "terrível". "O desenvolvimento dos traços sexuais secundários era masculino - pêlos, voz grave, musculatura - e eu me sentia um rapaz. Isso me levou a pensar que era lésbica. Com tanta testosterona, era a que jogava melhor futebol, a que mais corria."
O protocolo da Sociedade Americana de Pediatria estabelece que é preciso seguir quatro passos quando ocorrem situações como a de Martín. "O primeiro é salvar a vida do bebê. Os órgãos genitais e o sistema urinário estão muito relacionados, e uma má formação deste pode levar à desidratação, à perda de sais." Depois é preciso assegurar a funcionalidade biológica. Para Martín, por exemplo, como não lhe fizeram descer os testículos, foi preciso extirpá-los aos 19 anos. "Desde então tenho que tomar testosterona diariamente", diz. O terceiro passo é garantir o funcionamento sexual. Por último, vem a parte "cosmética" (tamanho, aspecto). "Isso é deixado para quando a pessoa é adulta."
A vantagem da decisão alemã é que impede que haja erros como o de Martín. Ou o caso de uma mulher transexual, narrado pela porta-voz da Federação Estatal de Lésbicas, Gays, Transexuais, Bissexuais e Intersexuais. "Ela nasceu como intersexual; os pais fizeram questão que fosse um menino e depois ela teve de fazer o processo para ser mulher."
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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