quinta-feira, 31 de julho de 2014

Desenvolvimento técnico e sucessão familiar: O Caso do Sítio Balzan


Por Marcelo de Rezende
postado há 1 dia atrás

A sucessão familiar não é um problema exclusivo do meio rural e, muito menos, da atividade leiteira. Como familiar, define-se a empresa em que um ou mais membros de uma família exercem a maior parte do controle administrativo por serem proprietários da maioria do capital investido. Porém, para que a empresa seja de fato considerada familiar, ela tem de ter sobrevivido ao menos por um período de sucessão, caracterizando assim a ideologia do negócio. O negócio de origem familiar pode abranger desde o pequeno comércio da esquina até empresas gigantescas e, certamente, a grande maioria das empresas brasileiras enquadra-se nesta definição, devendo, em algum momento, enfrentara questão da sucessão para a continuidade do negócio. A maior parte das fazendas leiteiras que conhecemos pode ser enquadrada como familiar, pois muitas possuem algum membro da família envolvido na gestão do negócio que começou com os pais ou avós, sejam elas pequenas propriedades, com produções diminutas, ou grandes, com produções diárias de milhares de litros.

Em muitos países europeus, a sucessão familiar no campo recebe grande atenção dos governantes, que lançam mão de uma série de artifícios, inclusive financeiros, para que os filhos permaneçam no campo garantindo a continuidade da atividade rural desenvolvida pelos pais. No Brasil, diagnósticos realizados em vários Estados importantes na produção de leite, como Minas Gerais, Goiás e Rio Grande do Sul, indicaram não haver perspectiva de sucessão familiar que garanta a continuidade da atividade em, no mínimo, metade das propriedades leiteiras analisadas. A continuidade do negócio familiar depende, basicamente, de haver pelo menos um membro da família com interesse e preparo para assumir o controle do negócio quando os responsáveis já não podem mais fazê-lo, o que ocorre, normalmente, devido à idade avançada. O desinteresse dos filhos pela atividade dos pais os leva a deixar a vida no campo para viver na cidade, resultando no envelhecimento da mão de obra rural, como detectado em um levantamento feito pelo IPARDES (Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social) no Estado do Paraná em 2009, indicando que 51% dos produtores de leite possuíam mais de 50 anos de idade. Com os filhos direcionando suas vidas para outras atividades na cidade, principalmente no caso das propriedades de produções elevadas, onde o melhor nível de renda permite que os pais ofereçam boa formação escolar aos seus filhos, a transferência do negócio, normalmente, deixa de ser um processo sucessório e passa a ser apenas hereditário. Nestes casos, o herdeiro passa a ser o dono da terra, porém, em muitos casos, ele não vive mais na propriedade e nem possui interesse em voltar a viver, dificultando a continuidade da atividade.

No caso das propriedades leiteiras de pequeno porte, a falta de renda da atividade é o principal fator que define o processo sucessório. Normalmente, a rentabilidade da fazenda já é insuficiente para o sustento dos pais que estão à frente do negócio, impossibilitando o sustento de uma ou mais famílias de filhos sucessores. Em tal situação de desesperança em relação ao futuro da atividade, os próprios pais acabam por incentivar os filhos a abandonarem a propriedade, mesmo sabendo que, em muitos casos, eles não estão preparados para vida na cidade. Essa perspectiva sombria também tem sido o principal fator motivador do desinteresse dos filhos pela continuidade da vida na fazenda. Estes, apesar de normalmente ajudarem nas atividades da propriedade, poucas vezes são remunerados, seja pela escassez de recursos financeiros ou pela falta de visão gerencial dos pais, que não consideram esse trabalho merecedor de um pagamento fixo. Assim, tal situação não desperta o interesse natural dos jovens pela continuidade da vida no meio rural.

Em um cenário de falta de renda, a continuidade do negócio pelos membros das famílias, cada vez menores em número de filhos, é um grande obstáculo a ser superado quando se pensa na manutenção da estrutura de produção rural em várias regiões. Apesar de poucas, as metodologias voltadas para o desenvolvimento técnico e financeiro das propriedades existem. Alguns programas merecem destaque, em especial aqueles que utilizam a metodologia do Balde Cheio, projeto desenvolvido pela Embrapa Pecuária Sudeste, que tem ajudado muitas propriedades a evoluir, superar as dificuldades relacionadas à geração de renda e solucionar a questão da sucessão familiar. Por seu arrojo, que beira o atrevimento, os técnicos que utilizam essa metodologia são capacitados a tocar pontos nevrálgicos da atividade, aptos a reverter situações de dificuldades nas mais variadas condições, agindo com eficiência tanto em pequenas e micro propriedades como em rebanhos de centenas de animais, nas diversas regiões do país. Nesse cenário de desenvolvimento e geração de renda, muitas propriedades têm conseguido manter e, em muitos casos, trazer de volta os filhos que haviam deixado o trabalho na propriedade em busca de melhores oportunidades na cidade, atuando com eficácia na resolução do problema da sucessão familiar nessas fazendas. Esse foi o caso do Sítio Balzan, que usaremos para demonstrar os impactos que a geração de renda, oriunda da aplicação correta de técnicas e conceitos produtivos, pode ter sobre a sucessão familiar na propriedade leiteira.

O Sítio Balzan está localizado no município de São Lourenço D´Oeste, na região Oeste de Santa Catarina. No início de 2005, a propriedade teve o primeiro contato com o agrônomo Primo Quinaglia Neto, que desde 2009 está na Cooperideal, mas na época era membro da equipe de campo da Confepar, empresa compradora do leite da propriedade e que também disponibilizava aos seus fornecedores um trabalho técnico que utilizava a metodologia do Balde Cheio.

As primeiras visitas ao Sítio Balzan, com área útil de 13 hectares (sendo 16,9 de área total), serviram inicialmente para diagnóstico, poiso técnico Primo necessitava entender bem a realidade daquela família, suas dificuldades, seu estado de ânimo e sua cultura em relação à produção de leite, para somente depois pensar em alguma alternativa técnica para a situação. Na propriedade, viviam seis pessoas na época: o proprietário Antônio Balzan e sua esposa Salete; D. Raimunda e Lurdes, respectivamente, mãe e irmã de Balzan; além dos filhos Tiago e Taís, com 19 e 6 anos, respectivamente. Além desses, havia outro filho, Marcelo, que vivia fora e estava terminando de cursar o colégio agrícola da região e logo se formaria e tentaria a vida no Estado do Mato Grosso, trabalhando com suínos. Segundo o proprietário Antônio Balzan, a situação não era fácil e a família estava prestes a vender a propriedade. Segundo ele, a aposentadoria de D. Raimunda é que ajudava a equilibrar o orçamento da família e a manter Marcelo no colégio agrícola.

A análise do valor obtido com o fluxo de caixa da propriedade ao final do primeiro ano de trabalho demonstra a situação delicada em que a propriedade se encontrava. Apenas R$914,16 foi a sobra após um ano de trabalho (de maio de 2005 a abril de 2006) em uma propriedade onde seis pessoas dependiam da renda gerada pelo leite. Muito mais difícil do que implementar ações técnicas foi, naquele momento, resgatar o ânimo para iniciar um novo ciclo na propriedade.

Devagar, a família foi retomando as forças e Balzan, que como o patriarca teria a responsabilidade de comandar a mudança nos rumos da propriedade, ia aos poucos se convencendo da necessidade e da eficácia das ações propostas. Assim, a roda responsável por mover aquela pequena propriedade, que por muito tempo esteve emperrada, vagarosamente começava a girar.

Em novembro de 2006, levado pelo técnico Primo, Tiago foi conhecer uma propriedade assistida no município de Rio Bom, no interior do Paraná, a 500 km de sua cidade. O produtor Adilson Brizola, atendido na época com a mesma metodologia de trabalho utilizada no Sítio Balzan, produzia 500 litros de leite em uma propriedade de 15 hectares de área total, realidade que impactou Tiago, que voltou para casa renovado e cheio de esperança, cumprindo bem sua tarefa de contagiar o pai com o que havia visto na viagem.

A partir daí a coisa deslanchou. A confiança no trabalho aumentou e as orientações passaram a ser executadas com mais rapidez e segurança. Assim, ações técnicas foram sendo realizadas, como a implantação de sistemas intensivos de pastejo para o período do verão, sobressemeadura de culturas de inverno, plantio de cana-de-açúcar e de milho para silagem, irrigação de pastagens, construção de uma nova sala de ordenha, tudo feito gradualmente, de acordo com as condições financeiras do negócio. A produção foi aumentando e a renda também. Nesse meio tempo, as condições de renda da propriedade haviam melhorado a ponto do técnico Primosugerir à família que o filho Marcelo retornasse, fator que contribuiu muito para a propriedade chegar ao ponto em que chegou.

Vacas em pastejo

Em 2008, Marcelo estava definitivamente de volta ao sítio, reestabelecendo a presença de todos os membros da família Balzan no negócio. Era tempo de crescer! Dos 150 litros/dia produzidos em 2005, a propriedade atingiu pico de 1.025 litros/dia em 2013. A sobra financeira (fluxo de caixa) no ano 2013 foi de R$130.734,23 (R$10.894,00/mês), valor equivalente a R$18.676,33 disponíveis anualmente por cada membro da família (R$1.556,00/mês), contra apenas R$152,36 no primeiro ano (R$12,69/mês). Uma nova casa para a família foi construída em 2010, e outra em 2012 para o filho mais velho, Tiago, que se casou e vive com a esposa na propriedade. O outro filho, Marcelo, também está planejando construir sua casa, tudo dentro de uma área total de 16,9 hectares. A propriedade que para a família parecia minúscula no início do trabalho, hoje é capaz de manter duas e, em breve, três famílias.

Índices econômicos e zootécnicosdoSítio Balzan(2005– 2013)


Vacas recebendo suplementação no cocho

O que determina se uma propriedade é grande ou pequena não é o tamanho de sua área, mas sim o nível de conhecimento disponível para a sua exploração. Quanto menor o nível de conhecimento, maiores serão as necessidades de fatores produtivos, principalmente capital e terra. Certamente, a família Balzan, como tantas outras famílias produtoras de leite, acreditava que sua área era insuficiente e que não haveria recursos financeiros capazes de reverter sua situação inicial. Com a evolução técnica da propriedade, o nível de conhecimento de todos os envolvidos cresceu a ponto da situação se inverter completamente. Apesar de ainda poder crescer mais de 50% em relação à produção e renda obtidas até agora, o Sítio Balzan, quase abandonado em 2005, além de ser fator gerador de qualidade de vida, de bem estar e de união da família, também passou a garantir sua própria sustentabilidade, através de trabalho técnico sério e do comprometimento de todos com o trabalho proposto. Os bens materiais demonstram o quanto a atividade leiteira lhes foi generosa, respondendo sempre positivamente a cada ação acertada, ao trabalho e à dedicação da família. O futuro da propriedade está garantido, os sucessores estarão prontos para, no momento certo, atenderem ao chamado do pai e tomarem as rédeas do negócio. Porém, mais importante que tudo isso, é o fato da família permanecer unida, trabalhando todos juntos. E como costuma dizer Balzan: “isso não há preço que pague”.


 

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