quarta-feira, 17 de outubro de 2012

A influência das políticas econômicas no crescimento do movimento neopentecostal


O Brasil do início da década de noventa atravessava um momento político e econômico extremamente conturbado. Foram várias as tentativas de estabilização econômica na década de 80 desde a chegada dos civis ao poder e a consolidação da democracia no país, que culmina com a eleição de Fernando Collor à presidência, e no âmbito econômico, o “calote” da divida publica com o plano Collor. Todos estes se mostram inválidos, e Collor, em 1992 enfrenta um processo de impeachment que acaba o destituindo da presidência.

Paulo Sérgio Macedo dos Santos
1. Dados históricos e econômicos.
Em 1993 a inflação brasileira registra o astronômico índice de 2.477,148%[1], e apesar do crescimento registrado do PIB ser de 5% aproximadamente este não atinge a grande camada da população devido a perda do poder de compra do salário. Período de greves, fome e carestia.
Com a chegada de Itamar Franco à presidência e de Fernando Henrique Cardoso ao ministério da fazenda, dá-se inicio a um processo parecido com a dolarização da economia como acontecera na Argentina de Menem, visando implantar uma moeda forte no país para conter o fluxo inflacionário. Num primeiro momento, a URV (Unidade Real de Valor) se transforma no indexador oficial do governo, e a partir de julho de 1994 passa a ser a moeda corrente do país com o nome de Real.
Não vou aqui traçar um panorama sobre os méritos do plano Real, e a adaptação da política econômica do país ao consenso de Washington, e sim me ater aos aspectos práticos da adoção deste modelo econômico na vida da população. Por exemplo, o salário mínimo em julho de 1994 era de exatos R$64,79 ou aproximadamente US$60,00 (o que levou os sindicatos na época encampar a “luta pelo salário mínimo de cem dólares”). Hoje o salário mínimo é de aproximadamente US$327,00 e a renda per capita do brasileiro subiu de 1993 a 2009 algo em torno de 51% segundo dados do IPEA[2]. Existe, de fato, uma melhora nas condições econômicas do país, e seu reflexo no aumento do consumo e qualidade de vida da população, mas, o que isso pode ter a ver com a religiosidade brasileira? Existe uma relação entre estes fatos?
2. A terceira onda pentecostal ou neopentecostalismo.
Em meados da década de 70 chega ao Brasil o movimento que se convencionou denominar de terceira onda pentecostal ou neopentecostalismo que “Tem como especificidades sua composição em torno de uma “liderança carismática”, a pregação da Teologia da Prosperidade e da Guerra Espiritual, a prática constante de exorcismos e curas milagrosas e o rompimento com o ascetismo pentecostal histórico”[3].
Os maiores expoentes desta corrente no Brasil a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD, fundação 1977), a Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD, fundação 1980) a Renascer em Cristo (1986), Sara Nossa Terra (1992) e posteriormente e muito importante no cenário atual a Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD, 1998). Se em um primeiro momento elas se opõem ao ascetismo das igrejas pentecostais históricas, onde ideias como provação divina, política como coisa mundana, “sofrer na terra para herdar o reino de Deus” demonstram o conformismo escatológico dos “crentes”, (termo usado até então para identificar os evangélicos), elas também se opunham à “militância” política das igrejas protestantes tradicionais e da igreja católica. Buscavam, nesta primeira etapa, encontrar fieis nas fileiras das religiões afrodescedentes e do catolicismo, inimigos primeiros a serem combatidos. No extinto programa 25° hora, da rede Record era comum ver debates acalorados entre os bispos da IURD, com participação de pastores de outras denominações (onde o pastor Silas Malafaia era figura constante) combatendo ora as “demoníacas” manifestações das religiões de matriz africana, ora combatendo de maneira veemente a “idolatria” católica, que culmina no episodio do Bispo Von Helde e o chute na imagem de Nossa Senhora.
As denominações pentecostais históricas e outras denominações protestantes vêem nestas igrejas que surgem não um risco, mas sim uma oportunidade de conversão. Acreditava-se que estas igrejas seriam porta de entrada, e depois de convertidos, estes novos fieis procurariam as igrejas mais tradicionais para expressarem sua fé. A igreja católica chega a tratar estas novas instituições religiosas com um descaso que beira o desrespeito. Acreditava esta, que este movimento seria passageiro e fugaz, analise que se comprovou equivocada, originado sentimentos hostis que levaram a  “guerra santa” dos anos posteriores.
3. A “Teologia da Prosperidade” e o crescimento econômico
O mote das igrejas na década de 70 e 80 era o combate à pobreza e a exclusão, exemplo de atuação no protestantismo histórico e no catolicismo, ou, nas igrejas pentecostais tradicionais, a santificação do sofrimento como passagem para o verdadeiro reino de Deus e a resignação diante de dificuldades e o combate de tudo aquilo que poderia ser comparado ao mundano (TV, carro, jóias, etc.).  Com o novo cenário econômico que se traça a partir da metade da década de 90 estas tem que iniciar um processo de mudança de discurso. Todos queriam que fossem atendidas suas necessidades de bens primordiais, a tal da “demanda represada” termo repetido diversas vezes nos ambientes econômicos nesta época. Todos estavam em busca da lavadora de roupas nova, da TV em cores, do aparelho de som, etc. A igreja, que está atenta a estes movimentos socioeconômicos se movimenta também. Não é mais para estas novas denominações pecado ver TV (algumas aumentam neste período à compra de horários televisivos e a Rede Record é vendida ao Bispo Edir Macedo líder da IURD). Estas passam a utilizar a Teologia da prosperidade importada dos EUA como linha de pensamento e ação em sua caminhada.
A Teologia da Prosperidade surge nos Estados Unidos no inicio do século XX, num período que historicamente este país sai de uma economia basicamente agrária e se industrializa, prevendo a potência econômica e imperialista que se transformaria. Algumas incursões haviam sido tentadas por missionários americanos ao propor este pensamento teológico nas igrejas brasileiras antes, sem, portanto, atingir o resultado esperado. Ora esbarrando na forma predominantemente rural do país, impossibilitando assim uma penetração missionária para grandes multidões, ora na recessão econômica que se alastrava e desolava o país.
Com este novo cenário econômico, com a consolidação do país como país urbano e industrializado, e com o fantasma da inflação afastado, as igrejas começam a mudar sua forma de ação pastoral. Como o neoliberalismo, a Teologia da Prosperidade ganha espaço neste novo cenário. O caráter conservador das igrejas pentecostais históricas dá espaço ao liberalismo religioso. Se as igrejas históricas se alinhavam ao conservadorismo político, as denominações neopentecostais se alinham ao neoliberalismo ou neoconservadorismo. Antes ver TV era pecado, agora, dependendo do programa ou da emissora, não é. Temas absolutamente intocáveis nas Igrejas históricas, como o aborto e segundo matrimonio, passam a ser abordados com maior tranquilidade nas novas igrejas. As igrejas neopentecostais haviam conquistado seu espaço, seu público, tinham uma ideologia e agora uma teologia para embasar suas ações.
Este movimento produz efeito também nas outras denominações, são inúmeros os casos de igrejas formadas a partir de cisões de igrejas históricas para adaptarem-se aos novos tempos. Comunidades herméticas se vêem em meio a cismas que visam uma maior “abertura” teológica, e um maior espaço para curas, milagres e prosperidade. Até mesmo a igreja católica muda seu discurso como se pode verificar nas temáticas abordadas pela campanha da fraternidade. Se nas décadas de 70 e 80 os lemas das campanhas tinham como enfoque questões sociais como trabalho (Trabalho e justiça para todos, 1978), reforma agrária (Terra de Deus terra de irmãos, 1986), a partir dos anos 90 se consolida a abordagem de temas mais voltados para os dilemas existenciais do ser humano: (Juventude - caminho aberto, 1992), (Vida sim, Drogas não, 2001).
4. A fé como produto e o produto da fé
No âmbito interno, as igrejas passam a adotar meios de organização e gestão empresarial. Sua estrutura eclesiástica se compara a de grandes grupos capitalistas, com hierarquia, plano de metas e de faturamento. A figura do líder religioso tem sua correlação com as lideranças empresariais e afinam em forma de discurso, comportamento e aparência. Apóstolos, bispos, e pastores se confundem com gerentes, diretores, “managements” e CEO’s. Isso reflete também na pratica pastoral, seja na forma de palestra motivacional que o culto possui, seja na adaptação da meritocracia neoliberal ao contexto religioso. Você tem que ser “merecedor” da benção de Deus, quase como negação da questão das indulgencias que forçou Lutero a escrever as 96 teses e revolucionar o mundo com a reforma protestante. Para que se tenha a certeza da presença da Graça de Deus na sua vida o fiel tem ser dizimista, oferecer o “sacrifício” (termo constantemente usado no evento Fogueira Santa de Israel da IURD), e colaborar com a obra; seja com o carnê para construção de um novo templo, seja com a oferta para continuar o programa na televisão. A Igreja só se mostra prospera se tiver o maior templo, ou o maior tempo de veiculação na TV ou até mesmo ser proprietária de sua própria rede de comunicação.
 O mercado passa a determinar a benção.  Em inúmeros testemunhos, a figura do carro importado, da casa em condomínio fechado e viagens são itens colocados por fieis como demonstração clara da presença da benção de Deus em suas vidas. Entre um veículo usado e um importado recém-lançado, a benção de Deus está mais sobre o proprietário do segundo.  É comum em programas de tevê, relatos de pessoas que saem de situação financeira difícil e se transformam em empreendedores, validando a ideia do “self made man” americano. O explorado passa a explorador. A prosperidade é neste caso, o produto visível da fé.
Não basta porem ir ao culto, ser dizimista e comprometido com a causa religiosa. Tem que ser consumidor também, consumir a música que toca no culto, ler o livro que a liderança escreveu usar a camiseta “oficial” da igreja. Quase que em sua totalidade, as igrejas descritas anteriormente possuem alguma forma direta de comércio com seu fieis, são proprietárias de editoras, gravadoras, lojas, chegando a existir o Shopping do povo de Deus, pertencente à Igreja Internacional da Graça de Deus. A fé também é produto[4].
5. Perspectivas
Tempos novos pedem igreja igualmente novas. É lícito e verdadeiro que o trabalho empregado por denominações pentecostais vem modificando e salvando inúmeras pessoas em busca de alivio para seus males, sejam de ordem financeira, física ou moral. Deus opera nestas obras. Mas existem fronteiras da exclusão, da injustiça social e humana que não foram vencidas. Assolam por todos os lados demonstrações de preconceito em relação a sexo, gênero, etnia e classe social. Bons combates a serem combatidos, pois o Deus que oferece prosperidade é o mesmo Deus que exige a Libertação dos oprimidos e excluídos.
Paulo Sérgio Macedo dos Santos, 41, estudante de teologia, atua na coordenação do grupo de jovens da Igreja Luterana em Santo André, casado, pai de dois filhos, amante do teatro e do socialismo.
[3] CUNHA, Magali do Nascimento. A explosão gospel – Um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico no Brasil – Mauad Editora : Instituto Mysterium. 2007 P.15
[4] Sobre este assunto ver: CUNHA, Magali do Nascimento. A explosão gospel – Um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico no Brasil – Mauad Editora : Instituto Mysterium. 2007

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