Lucros com grãos de qualidade superior
normalmente não são repassados a produtores
O
consumo crescente de cafés de melhor qualidade no Brasil e no mundo vem
estimulando cafeicultores na busca de produtos de maior rentabilidade e
que possam contribuir para a proteção econômica
do segmento. Em decorrência, o setor tem procurado diferenciações nesta
commodity, resultando daí a produção de grãos de qualidade superior,
como os classificados de cafés gourmet. A elevação dos produtos a esta
categoria envolve cuidados especiais, desde a produção até a
comercialização.
Os bons resultados, além de atrelados às
características geomorfológicas da região de cultura, resultam de
técnicas adequadas, do plantio à manutenção das plantas; de cuidados
especiais dispensados às colheitas; da separação de grãos selecionados
com base nas características esperadas para a bebida; do emprego
condizente de processos de torrefação, embalagem e até de preparo da
bebida. Desse conjunto resultam bebidas diferenciadas, não amargas, mais
puxadas para o doce, e até com sabores específicos, a exemplo das que
ostentam naturalmente o sabor de caramelo, o que leva muitos a
ingeri-las sem açúcar para maior percepção dos seus aspectos sensoriais.
O leigo imagina que os produtores desses
grãos recebam uma remuneração diferenciada na sua comercialização. Essa
visão é reforçada pelo preço de um simples cafezinho gourmet, que em
cafeterias mais sofisticadas da cidade de São Paulo chega a oito reais.
Mas, nem sempre o resultado financeiro da valorização maior desse grão
pelo mercado consumidor chega ao produtor. Foi o que constatou Allan
Vieira de Castro Quadros compulsando inicialmente estudos específicos
desenvolvidos principalmente por pesquisadores da USP e acessando
entrevistas realizadas com produtores.
Diante desta constatação prévia, ele se
propôs a avaliar a extensão do problema e determinar qual seria a
estrutura econômica necessária, denominada genericamente de estrutura de
governança, que permitiria redução dos custos de transação e
apropriação de maior renda pelo ruralista na comercialização do produto
diferenciado. Durante o trabalho, o pesquisador se deparou efetivamente
com vários problemas que impedem em muitos casos que o cafeicultor
usufrua maior lucro em um produto requisitado por um mercado consumidor
mais exigente.
Com base em bibliografia específica, envolvendo produção e comercialização de café e utilizando subsídios clássicos da teoria economia,
Allan elaborou previamente algumas hipóteses que explicassem essa
aparente contradição: que fatores impedem que um produto mais nobre gere
maior renda para o produtor? Mesmo porque em economia considera-se que a
diferenciação na produção constitui um dos caminhos para obtenção de
maior renda, o que não acontece com segmentos de produtores de café
gourmet, mesmo quando vencedores de concursos de qualidade. “Então eu me
propus a mostrar como produtores de café considerados gourmet poderiam
conseguir obter maior rendimento na comercialização do produto. Ou seja,
que formas de gestão, que estruturas de governança deveriam ser
adotadas na estruturação do negócio para obtenção de uma remuneração
diferenciada e mais adequada a uma qualidade igualmente diferenciada”,
diz ele.
O pesquisador então elaborou previamente
algumas hipóteses. Essas levaram à seleção de alguns estudos de caso que
permitissem confirmar ou não o acerto das proposições iniciais. Esses
estudos envolveram pesquisas junto a um grande produtor, uma cooperativa
e cinco produtores cooperados de porte médio e pequeno, todos da região
da Alta Mogiana – que abrange o nordeste do estado de São Paulo, em que
se destacam as cidades de Franca e Pedregulho, e avança até o sul de
Minas Gerais – tradicionalmente conhecida como produtora de cafés de
excelente qualidade pelas suas características geomorfológicas e que,
segundo alguns especialistas, exibe cafés que se rivalizam com os
colombianos, considerados os melhores do mundo.
A dissertação de mestrado recebeu
orientação do professor Walter Belik, do Instituto de Economia (IE) da
Unicamp, onde foi apresentada.
Entre
as hipóteses aventadas, Allan Quadros sugeriu a verticalização do
negócio. Além da produção, o cafeicultor deveria manter uma torrefação,
criar uma marca e comercializar diretamente o produto com os
revendedores ou até, em certos casos, fazê-lo diretamente com
consumidor. Esta seria a forma de conseguir maior renda, porque o maior
ganho acaba em geral sendo das empresas
que beneficiam o produto, caso das torrefadoras, que separam os
melhores grãos e fazem chegar ao comércio um café de melhor qualidade
por maior preço.
Esta seria uma das hipóteses. Entretanto,
o processo exige investimentos de certo vulto, que podem comprometer
eventuais lucros, o que o torna inviável para os pequenos e médios
produtores. Para atender a esses dois segmentos, ele sugere a
organização em cooperativas, recurso sobejamente tratado na teoria
econômica.
A cooperativa viria a constituir então
outra estrutura de governança, ainda que diversa da simples
verticalização. Ou melhor, a associação horizontal permitiria a um
conjunto de produtores a integração vertical. O pesquisador explica:
“Parti do pressuposto de que essa seria a saída mais viável para o
pequeno e médio produtor. A torrefação e a marca do café gourmet passam a
ser do grupo de cooperados e a comercialização se torna mais viável por
se tratar de um conglomerado capaz de estabelecer contatos mais amplos e
com maior poder de barganha”.
Mas a comprovação da viabilidade desse
tipo de governança exigia um estudo de caso, baseado preferencialmente
no que ocorre em uma região produtora de cafés gourmet de excelente
qualidade, que dispusesse de uma cooperativa com pequenos e médios
cooperados e que mantivesse uma indústria de torrefação e uma marca de
café gourmet. Ao decidir-se pela Alta Mogiana, ele centrou os estudos em
uma cooperativa e em cooperados com o perfil desejado e também em um
grande produtor, de forma a estabelecer um contraponto com os pequenos e
médios cafeicultores.
Entrevistando cinco produtores pequenos e
médios de cafés gourmet, Allan verificou que o seu pressuposto não se
verificava, pois não conseguiam que a cooperativa os comprasse com maior
valor. Embora pagasse o mesmo preço de uma commodity, a cooperativa
vendia esse café de qualidade superior por um preço maior, ficando com
os lucros que não chegavam aos produtores.
É verdade que durante os concursos de
qualidade por ela promovidos pudessem ocorrer vendas diretas de lotes de
grãos a torrefações por um preço maior e mais condizente com a
qualidade do produto. Além disso, quando procurada por grandes
compradores, a cooperativa indicava-lhes os produtores que dispunham do
café com a qualidade procurada. Nesses casos, o produtor também
efetivamente se beneficia diretamente com a venda por melhor preço.
O pesquisador verificou que, entre
os produtores, existe consenso sobre a importância da cooperativa em
relação à orientação técnica que ela lhes proporciona com vistas à
obtenção de grãos cada vez melhores e sobre a facilitação da
comercialização dessa commodity. Reconhecem ainda a importância dos
contatos que a cooperativa promove permitindo a venda direta aos
compradores de cafés gourmet. Mas essas alternativas não lhes oferecem
segurança porque não garantem que a empresa
de torrefação venha a comprar o produto sistematicamente do mesmo
produtor. Já em relação ao grande produtor, pelo menos no que diz
respeito ao caso estudado, o modelo da verticalização se mostrou
plenamente viável, inclusive com a instalação de pontos com vendas
diretas ao consumidor de cafés gourmet e até instalação de cafeterias
sofisticadas, particularmente em grandes centros.
Com base nos estudos de casos envolvendo
cafés gourmet, Allan conclui que a estrutura verticalizada é adequada ao
grande produtor; a estrutura horizontal se mostra eficiente na
intermediação de contratos entre cooperados e torrefadoras; e a
coordenação horizontal acompanhada da integração vertical, que
caracteriza as cooperativas, não se mostra eficiente para os produtores
desses produtos diferenciados.
Ele termina o trabalho sugerindo a avaliação de cooperativas e produtores de cafés gourmet de outras regiões a fim de verificar a compatibilidade dos resultados. Propõe também uma pesquisa mais abrangente, que abarque maior número de produtores e que permita maiores generalizações e extrapolações dos dados obtidos.
Ele termina o trabalho sugerindo a avaliação de cooperativas e produtores de cafés gourmet de outras regiões a fim de verificar a compatibilidade dos resultados. Propõe também uma pesquisa mais abrangente, que abarque maior número de produtores e que permita maiores generalizações e extrapolações dos dados obtidos.
Publicação
Dissertação: “Estruturas de governança na cadeia produtiva de cafés gourmet: o caso dos produtores da Alta Mogiana”
Autor: Allan Vieira de Castro Quadros
Orientador: Walter Belik
Unidade: Instituto de Economia (IE)
Autor: Allan Vieira de Castro Quadros
Orientador: Walter Belik
Unidade: Instituto de Economia (IE)
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