terça-feira, 2 de abril de 2013

As leituras de Marx no Século XXI


Quem for tido por morto vive mais. Na qualidade de teórico ativo e crítico, Karl Marx já foi dado por morto mais de uma vez, mas sempre conseguiu escapar da morte histórica e teórica.

Robert Kurz
Tal feito se deve a um motivo: a teoria marxista só pode morrer em paz juntamente com o seu objeto, ou seja, com o modo de produção capitalista. Esse sistema social, que é "objetivamente" cínico, regurgita sobremodo de exigências de comportamentos tão descaradas impostas aos seres humanos, produz ao lado de uma riqueza obscena e insípida uma pobreza em massa de tal dimensão, é marcado em sua dinâmica de cólera cega pelo potenciamento de catástrofes tão incríveis que a simples sobrexistência desse sistema necessita, inevitavelmente, sempre fazer ressurgir temas e pensamentos de crítica radical. Por sua vez, o ponto essencial dessa crítica consiste na teoria crítica daquele Karl Marx que, há quase 150 anos, já analisara, sem ser superado, a lógica destrutiva do processo de acumulação capitalista em seus fundamentos.
Todavia, como para todo pensamento teórico que ultrapasse a data de validade de um determinado espírito do tempo, também para a obramarxista vale o seguinte: faz-se sempre necessário, a cada vez, uma reaproximação que descubra novas facetas e repudie velhas interpretações. E não só interpretações, mas também elementos dessa própria teoria ligados ao tempo. Todo teórico sempre pensou mais do que ele próprio sabia, e não seria sério chamar de teoria uma teoria isenta de contradições. Assim, não apenas livros individualmente têm seus destinos, mas também as grandes teorias. Entre uma teoria e seus receptores, tanto adeptos quanto oponentes, sempre se desenvolve uma relação de tensão na qual se manifesta a contradição interna da teoria, a partir do que, só então, será gerado conhecimento.
Marx e a última ode pós-moderna à "grande teoria"
Em vez de voltar a enfrentar o problema da processualidade histórica da teoria social no final do século XX, o chamado pensamento pós-moderno só está interessado em silenciar a dialética existente entre formação da teoria, recepção e crítica. E justamente a teoria marxista não mais é averiguada em seus conteúdos, nem analisada em suas condicionantes históricas e muito menos aperfeiçoada, sofrendo a priori um repúdio em sua legítima pretensão de "grande teoria". Esta falsa modéstia, que não é vista como tal, mas simplesmente reprimida, pela grande totalidade das formas de socialização capitalistas, resvala para um nível abaixo da reflexão teórico-social. A política do avestruz de um pensamento reduzido e desarmado de modo tão espontâneo menospreza o fato de não ser possível fazer uma separação entre a problemática das chamadas grandes teorias e grandes conceitos e o seu objeto social real. A pretensão de querer cingir o todo é provocada sobremaneira através da realidade social. Em sua existência real, o todo negativo do capitalismo não pára de agir, simplesmente porque é ignorado conceitualmente e porque não queremos mais olhar nesta direção: "a totalidade não os esquece", como bem escarneceu o inglês Terry Eagleton, teórico da literatura .
A crítica pós-moderna à grande teoria, assimilada com gratidão por muitos ex-marxistas como forma de pensamento supostamente alijadora, não se refere tanto a um pensamento afirmativo e apologético no sentido tradicional, porém muito mais ao desespero de uma crítica social que está transtornada e que se sobressalta diante de uma tarefa superior à sua atual capacidade. Trata-se de uma evasão que só pode ter caráter provisório, afinal o pensamento crítico será implacavelmente reconduzido ao obstáculo que terá de ultrapassar. E este obstáculo certamente é muito difícil de ser enfrentado, sobretudo porque o pensamento marxista praticado até os dias de hoje também é obrigado a saltar por cima da própria sombra. Poder-se-ia trocar esta metáfora um tanto estranha por uma outra: o marxismo esconde um cadáver em seu porão, que não pode mais ficar escondido por muito tempo. Ou seja, tanto a contradição entre a teoria marxista e a sua recepção através do antigo movimento operário, quanto as contradições no interior da própria teoria marxista registradas no final do século XX chegaram a tal ponto de maturação que não se pode mais conceber um reativamento ou uma reatualização desta teoria nos moldes como se tem feito até os dias de hoje.

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