Recentemente compartilhei um vagão de um trem Amtrak com quatro debutantes tagarelas a caminho de um baile em Boston e, incapaz de deixar de ouvir, comecei a catalogar todas as expressões vernáculas que elas usavam enfaticamente em excesso. Depois, transcrevi o refinado diálogo para o Facebook: "Elas só estão com inveja dela." "Elas estão com inveja". "Porque ela é bonita. E tem uma personalidade agradável." "Ela é bonita." "Tão invejosas."
Teddy Wayne
Teddy Wayne
Mas a frase curta que capturou tanto minha atenção foi "Estou obcecada".
O primeiro registro de "Eu estou obcecado(a)" aparece no arquivo do New York Times em 1967. Há quatro exemplos daquele ano, e depois mais nada até 1969, num perfil de Joan Baez. Depois disso, as aparições são poucas e distantes entre si, com um intervalo de cinco anos entre 1980 e 1985, totalizando apenas 19 até o final daquele ano. O uso aumenta um pouco depois disso, mas permanece esporádico, com apenas 98 entradas totais até 2007. Então, por volta de 2008, "Eu estou obcecado (a)" decola.
A expressão está agora entrincheirada em nossa linguagem cotidiana informal, mais comumente utilizada por mulheres jovens, desde a coluna diária "We're Obsessed!" ["Estamos Obcecadas"] da InStyle (um objeto de obsessão: uma bolsa Fendi de US$ 4 mil) até o site de fofocas intitulado ironicamente "ImNotObsessed". Uma busca no Twitter por "I'm obsessed" a qualquer hora do dia trará aproximadamente cinco resultados por minuto (uma amostragem recente de obsessões consideradas dignas de exibição em público: cream soda, cardigans, ketchup, os próprios olhos de uma garota).
Uma razão para a popularização da palavra "obcecado", na verdade, pode ser a própria doença mental à qual ela é associada. Segundo a Organização Mundial de Saúde, o transtorno obsessivo-compulsivo é uma das 20 principais causas de problemas associados às doenças mentais entre adultos no mundo todo. O que antes era um diagnóstico raro é "a doença obsessiva do nosso tempo", disse Lennard J. Davis, professor de Inglês na Universidade de Illinois, Chicago, e autor de "Obsession: A History" ["Obsessão: Uma História"] (além de "Go Ask Your Father: One Man"s Obsession to Find Himself, His Origins and the Meaning of Life Through Genetic Testing").
Erin McKean, fundadora do dicionário online Wordnik.com, disse que a vê "como um equivalente de uma palavra como 'neurótico', que, da mesma forma que 'obcecado', começou como um diagnóstico e terminou como um adjetivo que se tornou mais social do que clínico".
Embora permaneçam existindo algumas associações negativas (cozinhar o coelho, alguém lembra?), dizer "estou obcecado com" em vez de "eu adoro" pode também anunciar o peso intelectual de quem fala, dadas as implicações acadêmicas de filósofos e pesquisadores obcecados com problemas --da mesma forma que "aleatório" está mais estreitamente ligada à esfera intelectual da probabilidade estatística. Além disso, há o prazer do chiado sibilante, permitindo que o "Estou obcecado" se estenda, ao contrário de alternativas mais ultrapassadas como "eu estou apaixonado".
E embora McKean tenha alertado que é difícil identificar por que uma palavra se torna viral, eu acho que o lançamento da fragrância Calvin Klein Obsession, em 1985, e os anúncios sugestivos e o comercial assustador de 1993 em que Kate Moss não parava de sussurrar a palavra, ajudou a palavra a ganhar destaque léxico. Essa campanha, disse Davis, foi "um exemplo perfeito" de nossa cultura "que é baseada na obsessão".
Segundo Davis, a etimologia de "obsessão" remonta ao início do século 16 (embora "obcecado" em si não tenha sido usado até meados do século 19) e está relacionada ao diabo. "'Possessão' significava que o diabo havia ocupado sua alma e você não tinha consciência disso. Se você estava 'obcecado', significava que o diabo havia ocupado seu corpo, mas você estava ciente disso". O significado, então, mudou de algo que as pessoas "são obrigadas a fazer, mas querem parar, para algo que elas querem fazer e ter prazer com isso", disse ele.
Esses prazeres, sugere McKean, "podem ser mais socialmente aceitáveis quando declarados por mulheres jovens" do que por homens jovens que costumam ser emocionalmente reservados. Além disso, expressar uma obsessão "é quase uma confissão", disse ela. "É uma maneira de falar de mim e me promover, mas eu faço um pouco de graça comigo e faço isso parecer quase patológico."
"Há um paralelo interessante com a palavra 'amor'", disse ela. "No final dos anos 1800, houve um aumento de mulheres jovens que usavam a palavra 'amor' para coisas que não eram o amor romântico." McKean citou uma passagem do livro "Anne of the Island" (1915), em que uma mulher mais velha critica Anne por ela declarar seu amor por uma casa de campo: "'As meninas hoje em dia fazem afirmações tão exageradas que nunca se pode dizer o que eles significam de fato. Não era assim na minha juventude. Na época, uma garota não dizia que amava nabos no mesmo tom que ela poderia ter dito que amava sua mãe ou o seu Salvador.'"
Nabos são uma coisa; obsessão romântica é outra. "Obsessão é fatal no amor", apontou Davis. "Se você está realmente obcecado por alguém, é alguém que você não pode ter."
James Lasdun pode atestar sobre os tons mais sinistros da palavra. Seu livro de memórias publicado recentemente, "Give Me Everything You Have: On Being Stalked", é um relato angustiante de uma ex-aluna que o assediou por e-mail enquanto difamava sua reputação através da internet. Como o livro de Lasdun deixa claro, a tecnologia moderna facilita o cultivo e a escalada da obsessão. Graças à mídia social e ao Google, tudo que você precisa é de uma conexão Wi-Fi e um interesse passageiro em desenvolver um fascínio compulsivo.
"É uma palavra que parece ter uma aura sedutora se você não tiver de fato encontrado a realidade do que ela contém", disse Lasdun, sobre "obsessão". "É por isso que ele a explica para pessoas que a usam de forma leve, mas provavelmente ainda não experimentaram as compulsões. Pode ser uma coisa boa para um pesquisador se tornar obcecado com um assunto, mas se tornar obcecado com um ser humano não é."
Na verdade, é difícil imaginar, por exemplo, Stephen Hawking gabando-se de estar "obcecado" com a teoria-M. Mas quando o assunto são os cintos desta temporada, e o falante não está realmente pensando sobre eles a cada segundo de vigília, Lasdun concorda com a visão de Davis e McKean. "É um gesto de auto-promoção, um auto-engrandecimento inocente", disse ele.
McKean tem uma visão mais suave. "É basicamente um caso de extensão metafórica hiperbólica --que é apenas uma maneira elegante de dizer que é divertido de usar palavras exageradas sobre coisas bem menos extraordinárias", disse ela. "Isso é muito comum em inglês. 'Impressionante' é usada para significar 'inspirador', e agora isso significa 'aquela comida estava ótima, cara'."
*Teddy Wayne é o autor dos romances "A Canção de Amor de Jonny Valentine" e "Kapitoil"
Tradutor: Eloise De Vylde
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