Pioneiro da consultoria empresarial, ele fez a alegria dos patrões e a tristeza dos operários. Depois de Frederick Taylor e seu implacável cronômetro, o mundo nunca mais trabalhou do mesmo jeito
Cássio Starling Carlos
Cássio Starling Carlos
Não é de hoje que as pessoas se queixam da falta de tempo para executar as tarefas diárias. No trabalho, na escola ou no lazer. No fim do século 19, um homem resolveu parar de reclamar e encarar esse problema crônico. Acabou revolucionando o capitalismo. Até então, a produção não tinha perdido o lado artesanal: na maior parte das indústrias, os operários trabalhavam do modo que achavam melhor. E no ritmo que queriam.
A grande idéia do americano Frederick Winslow Taylor foi usar um pouco de ciência nas fábricas. Ele começou a cronometrar o tempo gasto por trabalhadores em cada uma de suas ações – de martelar um prego a empilhar caixas. Depois de padronizar todos esses movimentos, ele era capaz de prever quanto um bom operário demoraria para terminar seu serviço. Bingo! Nascia um jeito de os empresários controlarem seus empregados, exigindo que eles dessem o máximo de si no dia-a-dia e cumprissem metas realistas – evitando o desperdício de tempo e de matéria-prima.
As inovações criadas por Taylor ajudaram a salvar o capitalismo de uma séria crise. Com a chamada Revolução Industrial, que tinha começado no século 18, fábricas pipocaram e a oferta de produtos manufaturados, como roupas e sapatos, explodiu. Cada mercadoria lançada era uma novidade, e havia um monte de gente afoita para comprar tudo o que aparecia. Por volta de 1880, essa febre de consumo começou a diminuir. Faturando menos, os empresários tiveram que conter os altos custos de produção. O jeito foi tentar fazer os trabalhadores produzirem mais usando os mesmo recursos de sempre.
Foi aí que entrou a ciência de Taylor. Quando seus métodos de planejamento se generalizaram, a partir do início do século 20, o que se viu foi um baita aumento da produtividade. Só entre 1907 e 1915 (ano em que ele morreu), a quantidade produzida por cada trabalhador americano cresceu, em média, 33% ao ano. A diminuição do desperdício de tempo nas empresas garantiu anos de ouro para o capitalismo. Por causa disso, Taylor é considerado o primeiro grande “guru” da administração de empresas.
O problema é que, naquela época, os trabalhadores odiaram as inovações do taylorismo (como ficou conhecida sua doutrina). Afinal, vários deles simplesmente perderam o emprego para seus colegas mais produtivos. Por causa disso, Taylor acabou eternizado como um frio explorador da mão-de-obra. Ele próprio não ajudava muito a desmentir sua fama: uma de suas máximas era a de que, numa empresa, o sistema de produção é mais importante do que as pessoas.
Operário patrão
Filho de um rico advogado, Taylor nasceu em 1856, na cidade da Filadélfia, no estado da Pensilvânia. Quando ele era estudante, teve um professor de matemática que, depois de ensinar cada lição, dava exercícios para a turma resolver no tempo restante da aula. O jovem Taylor sempre terminava antes dos colegas. Em vez de aproveitar para fazer bagunça, ele não se conformava em ficar ocioso. Desde então, Taylor ficou obcecado por comparar o tempo gasto por diferentes indivíduos na execução de uma mesma tarefa.
Após concluir o ensino médio, Taylor pretendia estudar Direito na Universidade Harvard. Mas problemas na visão o impediram de fazê-lo – há quem diga que sua saúde havia ficado debilitada por excesso de estudo noturno. Em 1875, ele começou a trabalhar como aprendiz numa empresa das redondezas que fazia bombas a vapor. O promissor estudante havia virado um simples operário.
Aos 22 anos, Taylor foi contratado pela metalúrgica Midvale Steel Company, na Filadélfia. Começou na linha de produção, mas, dois anos depois, assumiu o cargo de gerente. A rápida ascensão ocorreu graças à sua incomum obsessão por produzir mais e mais. Naquela época, enquanto os patrões tentavam, sem sucesso, diminuir o valor dos salários, os operários procuravam convencer os chefes de que não era possível trabalhar mais rápido.
Não demorou para que Taylor entrasse em conflito com seus subordinados, teimando em exigir deles um esforço acima do habitual. Em 1881, ele realizou seu primeiro “estudo de tempo” (que, no futuro, se tornaria a base de seu método). Taylor observou e cronometrou as atividades dos trabalhadores, iniciando sua busca pelo one best way (o “melhor jeito de fazer”), envolvendo desde as ferramentas até o treinamento dos operários. Em 1884, um ano depois de se formar em engenharia, Taylor foi promovido à chefia da Midvale. A partir daí, ele padronizou um jeito e um prazo para cada operário realizar sua função, como o corte de chapas de aço.
Mas o taylorismo não inclui só impor regras e pegar no pé dos trabalhadores. Um dos princípios essenciais de Taylor era recompensar os operários pelo esforço, pagando um bônus aos que conseguissem produzir mais. Outra inovação fundamental, iniciada na Midvale, foi a divisão da fábrica em dois níveis de hierarquia. Planejar, conceber e dirigir a produção ficava nas mãos dos gerentes. Enquanto isso, os operários tinham só que executar tarefas repetitivas, sem pensar ou questionar. Parece um pouco discriminatório? Sem dúvida. Taylor não tinha pudor em comparar um trabalhador fabril com um reles animal. Segundo escreveu em seu livro Princípios de Administração Científica, a qualidade mais esperada de um carregador de peças, por exemplo, era ser “tão estúpido e fleumático que sua constituição mental mais se assemelhe à de um boi do que a qualquer outra coisa”.
Até tu, Lênin?
Com as mudanças, a Midvale dobrou os níveis de produção. Na onda do sucesso, Taylor pediu demissão e, em 1890, virou o diretor geral da Manufacturing Investment Company, que produzia papel na Filadélfia. Nessa época, começou a visitar empresas, oferecendo-se para ajudá-las a produzir mais e melhor. Taylor se tornou, assim, um pioneiro na profissão de consultor, atendendo desde fábricas até lojas. Para se dedicar apenas a isso, ele se demitiu novamente em 1893.
Cinco anos depois, Taylor foi chamado para trabalhar na metalúrgica da cidade de Bethlehem, na Pensilvânia, que tinha o maior conjunto de máquinas do mundo. Em três anos, graças a métodos e equipamentos criados por ele, a produção triplicou. E os salários haviam ficado 60% maiores, para a satisfação dos trabalhadores. Dos poucos que tinham sobrado, claro (só no pátio em que vagões de trem eram carregados, Taylor conseguiu fazer com que 140 homens executassem tarefas que antes exigiam 500 operários).
O caso de Bethlehem tornou Taylor famoso nos Estados Unidos. Mas, por ter sido tão bem sucedido na fábrica, Taylor acabou causando prejuízo em outro setor da empresa: o que alugava casas e tinha como principais clientes os trabalhadores – que estavam sendo demitidos um atrás do outro e deixando as residências vazias. Ele acabou saindo da firma em 1901.
Taylor jamais voltaria a ter um emprego convencional. Empenhado em divulgar suas idéias, o consultor viajava dando palestras, conquistando cada vez mais adeptos. Em 1908, quando Harvard criou um dos primeiros cursos de Administração de Empresas, baseou parte do currículo no taylorismo. Quando seus métodos chegaram às fábricas de armas, aconteceu o de sempre: os trabalhadores se revoltaram. Mas eles acabaram organizando greves e – como armas sempre foram prioridade nos Estados Unidos – a confusão atraiu a atenção do Congresso. Em 1912, Taylor foi convocado a ir diversas vezes para Washington e explicar seu sistema de gestão a um comitê de deputados.
As idas à capital tornaram Taylor ainda mais famoso, mas o deixaram exausto. Em 1915, ele pegou uma pneumonia. Ao comemorar 59 anos, em 20 de março, estava numa cama de hospital. Morreu na madrugada do dia seguinte, momentos após dar corda no seu cronômetro de estimação. Deixou uma viúva, três filhos adotivos e princípios que seguiram sendo aplicados ao redor do mundo.
Desde a morte de Taylor, seus críticos têm sido mais barulhentos que seus defensores. “Os contramestres egípcios tinham chicotes para levar os operários a produzirem. Taylor substituiu o chicote pelos escritórios e pelos laboratórios, com a cobertura da ciência”, escreveu a filósofa Simone Weil no livro A Condição Operária e Outros Estudos sobre a Opressão. Mas o taylorismo se tornou tão influente que foi usado até pelos inimigos do capitalismo. Em 1918, um ano depois da Revolução Russa, Lênin falou sobre o assunto no jornal Pravda. Disse que Taylor combinava “crueldade” com “valiosas conquistas científicas”. E concluiu: “Devemos introduzir na Rússia o estudo e o ensino do sistema de Taylor” – o que acabou ocorrendo.
Hoje é possível encontrar aspectos do taylorismo em qualquer grupo que trabalhe junto – seja numa fábrica, seja num hospital. E seu impacto não se reduz ao mundo empresarial. “Em múltiplos campos da sociedade, no esporte ou no trabalho doméstico, procura-se obter o máximo rendimento do tempo, não raro obedecendo-se às bulas e guias ‘científicos’ de racionalização do agir, do sentir e do pensar”, diz a historiadora Luzia Margareth Rago em O que É Taylorismo. Assim, Taylor acabou tornando concreto o provérbio forjado pelo estadista americano Benjamin Franklin no século 18: “Tempo é dinheiro”.
Mera coincidência?
O célebre Ford nunca admitiu ter se inspirado em Taylor
Em 1903, o industrial americano Henry Ford fundou a Ford Motor Company, na cidade de Detroit. Naquele tempo, o produto que essa empresa fazia, o automóvel, ainda era uma novidade. Cinco anos depois, com o lançamento do modelo Ford T, o sucesso foi tão grande que o jeito tradicional de produzir carros não dava mais conta das encomendas. A solução encontrada por Ford, em 1913, foi implantar linhas de montagem. Em vez de cada um dos trabalhadores, sozinho, fazer um carro do começo ao fim, eles passaram a atuar todos juntos, dividindo as tarefas e passando adiante o veículo em construção. Para que tudo desse certo, era preciso saber precisamente quanto tempo cada operário demorava para fazer sua parte. Ninguém podia se atrasar, senão a linha de montagem ficava parada. Cada carro passou a ficar pronto em 93 minutos, cerca de oito vezes mais rápido que antes. Esse modelo de cadeia produtiva, que logo ganhou o mundo, passou a ser chamado de fordismo – e Ford, até hoje, é celebrado como um dos maiores gênios da indústria. Mas até que ponto ele foi influenciado por Taylor e sua obsessão pelo cronômetro? Antes de ser usada na Ford, a linha de montagem já existia em algumas empresas americanas, incluindo o setor de armas de fogo, que tinha sido alvo das inovações tayloristas. E, em 1911, Taylor já tinha sistematizado suas idéias no livro Princípios de Administração Científica – dois anos antes, portanto, de carros começarem a ser feitos em linhas de montagem. Sempre que pôde, contudo, Ford negou ter tido acesso às idéias de Taylor. Ele dizia que não gostava de ler livros.
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