quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Intelectuais, democratização e combate à pobreza no Brasil contemporâneo

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Intelectuais, democratização e combate à pobreza no Brasil contemporâneo
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O texto aborda o tema da participação de intelectuais em projetos e programas de inclusão social no Brasil contemporâneo e toma como objeto de análise a trajetória político-intelectual de Herbert de Souza, o Betinho, e Carlos Alberto Libânio Christo, Frei Betto. Depois de examinar as formulações dos autores em torno dos problemas relativos ao elitismo das esquerdas brasileiras, volta-se para a análise da atuação de Betinho à frente da "Ação da Cidadania contra a fome, a miséria e pela vida", e de Frei Betto como um dos dirigentes do "Fome Zero".

Américo Oscar Guichard Freire
Este texto gira em torno de dois intelectuais e de duas proposições. Os intelectuais são Herbert de Souza, o Betinho, e Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto. Ambos mineiros, de ascendência católica, marcharam juntos no início da militância política nos primeiros anos da década de 1960, para depois se separarem física e politicamente nas décadas seguintes, em particular nos anos que se seguiram à crise e ao fim do regime militar. Nas últimas décadas do século passado, tornaram-se figuras-chave da intelectualidade brasileira, ocupando amplos espaços nos meios de comunicação, vindo a atuar não só como ideólogos submetidos à ética das convicções, mas também no contato direto junto às populações na formulação de políticas de cunho prático, sob a ética da responsabilidade. 1
O exame do itinerário 2 cruzado desses dois 'intelectuais públicos', 3 além de nos ajudar a situar e a melhor compreender alguns aspectos relativos aos desafios enfrentados pelas esquerdas brasileiras nos anos 1980 e 1990, nos sugere, também, novas perspectivas analíticas em torno das condições políticas que permitiram a construção de políticas públicas de amplo espectro voltadas para o combate à fome e à miséria no país, e que contaram com a presença e a liderança de Betinho e Frei Betto em épocas e posições diferentes. Na década de 1990, enquanto Betinho se posiciona equidistante dos partidos políticos, voltando-se fundamentalmente para coordenar movimentos junto à sociedade civil, como na campanha "Ação da Cidadania contra a fome, a miséria e pela vida", e atuando somente de forma subsidiária em conselhos governamentais, Frei Betto, ao lado de seu trabalho pastoral junto a movimentos sociais, manteve-se como simpatizante explícito e confesso do Partido dos Trabalhadores (PT) e das sucessivas candidaturas de Luís Inácio Lula da Silva à Presidência da República. Em 2003, optou por aceitar o convite do então presidente Lula para compor o núcleo dirigente responsável por levar adiante o "Fome Zero", aquele que deveria ser o mais importante programa social do governo. Em fins do ano seguinte, decepcionado com o que considerou ser o desvirtuamento do programa, pediu demissão para não mais voltar a assumir cargos públicos.
O texto está dividido em três seções. Na primeira, acompanhamos alguns momentos importantes da trajetória dos dois personagens: o ingresso na vida política, a luta contra a ditadura, a guerrilha, a prisão de Frei Betto e o exílio de Betinho. Na seguinte, o foco recai nas formulações de ambos acerca de como viram a derrota e o fracasso da luta armada no país. Betinho lida com essas questões ainda no exílio, quando troca intensa correspondência com vários dos seus antigos companheiros, entre os quais seu 'xará' Betto. Já Frei Betto mergulha de alma e coração na práxis da Teologia da Libertação, tornando-se um dos seus principais divulgadores. Em seus escritos, enfrenta o desafio de refletir sobre as complexas relações entre cristianismo e marxismo.
Na última seção examino a maneira pela qual ambos vivenciaram a experiência de estar à frente de movimentos e programas voltados para o combate à fome e à miséria. Para não me perder no vasto manancial de fontes existente sobre essa problemática - composto por inúmeros estudos acadêmicos, material de propaganda governamental, depoimentos diversos etc. -, optei por concentrar minha pesquisa em escritos e entrevistas dos próprios autores, em que eles explicitam as razões pelas quais viam como mister construir uma agenda de combate à fome e à miséria no país. Para ambos, essa agenda deveria ser necessariamente articulada a procedimentos e práticas políticas que assegurassem o protagonismo e a autonomia dos movimentos sociais frente ao Estado.
Américo Oscar Guichard Freire é do programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais do CPDOC/FGV e da Escola de Ciências Sociais e História da FGV. Pesquisador do CNPq. Praia de Botafogo, 190, sala 1409. 22250-900 Rio de Janeiro - RJ - Brasil

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