A construção de uma enorme mina no meio do deserto de Gobi deveria catapultar a Mongólia e colocar o país no rumo do rápido crescimento econômico. Mas uma disputa referente aos lucros obtidos com a extração de ouro e cobre ameaça virar de cabeça para baixo essa jovem democracia.
Bernhard Zand
Bernhard Zand
A mineradora anglo-australiana Rio Tinto emprega 71 mil pessoas em mais de 40 países e está avaliada em cerca de US$ 60 bilhões.
Mas, na prática, a transação entre essa corporação global e esse país pobre, embora rico em matérias-primas, parece muito diferente. Na verdade, o projeto serve como um excelente exemplo do que está acontecendo em um número crescente de novos países industrializados ou em desenvolvimento.
Guardiões da mina
O conflito em torno da mina de Oyu Tolgoi, que recebeu esse nome devido ao minério de cobre cor turquesa encontrado no deserto de Gobi, começou há cerca de quatro anos. Para adquirir uma participação de 34% na construção da mina, o governo mongol teve que tomar um empréstimo. Esse empréstimo foi concedido pela Rio Tinto, a empresa que opera a mina. Quando a notícia sobre essa transação veio à tona, os habitantes da Mongólia começaram a questionar quem acabaria se beneficiando mais com a mina: se a Mongólia ou a Rio Tinto.
O Geofísico Samand Sanjdorj, 67, é vice-presidente da mina. Sua posição faz com que ele seja o mongol a ocupar o cargo mais alto no local. O escritório de Sanjdorj fica em um prédio de vidro com ar-condicionado que se ergue do deserto de Gobi como uma nave espacial azul. Semana sim, semana não, um jato da empresa é destacado para transportar Sanjdorj e seus colegas até a capital do país. Depois de merecidos dias de folga, o avião retorna com os funcionários para a mina. Questionado sobre de que lado ele está – se o lado de seu país ou da sua empresa –, Sanjdorj demora um bom tempo para responder. Finalmente, ele diz: "antes de mais nada, eu sou mongol. Mas essa mina é o meu bebê".
Em Ulan Bator, um dos homens responsáveis pela mina de cobre é Chuluuntseren Otgochuluu, 35, chefe do departamento de planejamento do Ministério de Mineração da Mongólia. O escritório de Otgochuluu fica no quinto andar de um antigo prédio da era soviética, que não tem elevador e possui assoalhos que rangem.
"As pessoas não se beneficiaram"
O escritório de Otgochuluu, localizado na região central de Ulan Bator, não fica muito distante das sombrias colinas fincadas ao norte do centro da cidade, onde 800 mil refugiados rurais se instalaram – quase um terço da população da Mongólia. Eles vivem em "gers", espécie de tendas em estilo mongol, e não têm água encanada nem rede de esgoto, e só obtêm energia elétrica esporadicamente. Mesmo no inverno, com temperaturas de menos 30 graus Celsius, eles precisam sair de suas tendas para usar o banheiro, que fica em um cômodo externo. E eles alimentam seus fogões de aquecimento com qualquer material inflamável, como carpetes, pneus e resíduos plásticos. No inverno, o ar em Ulan Bator é ainda mais poluído do que na China.
"Até agora, as pessoas não se beneficiaram com a mina", diz Otgochuluu. "O nosso acordo com a Rio Tinto não foi justo. A Rio Tinto está fazendo um grande trabalho em nosso deserto, mas se eles quiserem nos enganar em relação às questões financeiras, então não poderemos ser amigos deles".
É assim que as coisas têm caminhado por aqui na maior parte do tempo. O governo acusa a Rio Tinto de quebrar acordos e rejeita os planos futuros da mineradora para financiar a mina.
A forma como essa disputa se encerrará terá um impacto decisivo sobre a Mongólia. O país, cuja economia tem crescido num ritmo mais acelerado do que praticamente qualquer outra no mundo, é quase que totalmente dependente da exportação de matérias-primas. A Mongólia possui coisas que todo mundo quer – carvão, cobre, ouro, urânio, minerais de terras raras – e essa riqueza potencial se reflete nos visitantes de alta patente que o país atrai. Donald Rumsfeld foi a Ulan Bator, assim como Angela Merkel e vários primeiros-ministros japoneses. E especialmente a China tem se esforçado para oferecer ajuda e apoio a seu vizinho do norte.
Cem por cento do que é extraído de Oyu Tolgoi é exportado para a China. Em julho deste ano, quatro anos após o início da construção da mina, os primeiros caminhões partiram de Oyu Tolgoi em direção à China, cada um deles transportando 36 toneladas de um pó marrom, semelhante a cimento, do qual cobre e ouro seriam extraídos do outro lado da fronteira. Esse foi um dia histórico, que tinha sido adiado várias vezes. O geofísico Sanjdorj já havia começado a temer que não testemunharia esse dia antes de sua aposentadoria.
Mapeando o minério
Sanjdorj dirige seu Land Cruiser até o topo do mais alto monte de escória do local e aponta para a mina a céu aberto de Oyu Tolgoi, bem como para a entrada e o poço de ventilação da mina subterrânea, além de mostrar um triturador do tamanho de um transatlântico, cuja função é moer o minério de cobre e transformá-lo em pó. A primeira vez que ele esteve no local, em busca de cobre, foi há mais de 20 anos. "Os russos não nos deixaram muita coisa", diz ele. "Mas os mapas geológicos deles eram bons. Nós sabíamos onde tínhamos que procurar".
Em meados da década de 1990, logo após a divulgação desses mapas russos, a BHP, gigante australiana do setor de mineração, obteve a primeira licença para explorar a mina de Oyu Tolgoi, e passou vários anos cavando na tentativa de encontrar depósitos de cobre. Sanjdorj e seus colegas trabalharam no local sob temperaturas de 40 graus Celsius no verão e de menos de 40 graus Celsius durante o inverno. Naquela época, se eles tivessem cavado apenas 30 metros mais fundo, eles teriam atingido as camadas mais ricas em minério. Mas eles não fizeram isso, e em 2000 a empresa australiana perdeu o interesse de vez na mina e vendeu sua licença para a mineradora canadense Ivanhoe por cerca de US$ 40 milhões. O preço do cobre naquele momento estava em US$ 1.700 a tonelada, um quarto do seu valor atual.
O fundador da Ivanhoe, o magnata norte-americano do setor de mineração Robert Friedland, ganhou muito de dinheiro com um projeto de mineração de níquel no Canadá e com uma mina de cobre na Birmânia. Ele continuou a perfuração em Oyu Tolgoi e logo alcançou seu objetivo: os geólogos encontraram um depósito de cobre com vários quilômetros de comprimento no formato de uma banana, que penetrava até 2.000 metros solo adentro e tinha um teor de cobre muito elevado. Agora, Friedland só precisava de pessoas com as competências certas e dos meios para escavar essa banana.
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