segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Os adolescentes que estiveram em conflito com a lei. O que fazer?

votar
É preciso construir com políticas públicas e não com polícia verdadeira ponte de ouro entre a marginalidade e a cidadania.

Olympio De Sá Sotto Maior Neto

 

A sociedade brasileira, tão condescendente com os políticos corruptos, os funcionários públicos peculatários e os grandes fraudadores do fisco (aqueles que com suas ações subtraem criminosamente os recursos necessários para a implementação de políticas sociais públicas, como saúde, educação, habitação, etc.), volta-se novamente, pela manipulação ideológica que sofre, a transformar as crianças e adolescentes em "bodes expiatórios" da situação de insegurança por todos experimentada (mesmo que os atos infracionais correspondam a menos de cinco por cento do total dos crimes ocorridos no país). Continuamos no topo da lista dos países com maior desigualdade social (as riquezas produzidas pelos brasileiros não são distribuídas entre todos e acabam concentradas nas mãos de grupos minoritários que se beneficiam das estruturas socais injustas estabelecidas no país, enquanto a grande maioria da população acaba marginalizada, ou seja, à margem dos benefícios produzidos pela sociedade). Não cumprimos o comando constitucional no sentido de realizar auditoria da nossa dívida, conforme estabelece as disposições transitórias da Constituição Federal de 1988 (implicando, na prática, permanente comprometimento orçamentário para o fim de pagar os serviços da dívida, que não se sabe se sequer é legal).
Por outro lado, os administradores já condenados por improbidade administrativa (inclusive aqueles do estilo "rouba mas faz"), assim como mensaleiros e sanguessugas de todas as espécies, são reeleitos e por isso mesmo os orçamentos públicos devem contemplar recursos para atender os interesses dos financiadores das campanhas eleitorais (que sabemos, com o abuso do poder econômico, ferem de morte o caráter democrático de nosso processo eleitoral). Em razão das iniqüidades sociais (sensivelmente agravadas pelo fato de que o Estado Brasileiro continua se vangloriando da ampliação do superávit primário sem se envergonhar com sua dívida social), multiplicam-se as tristes figuras dos sem oportunidade de vida digna. Nesse contexto de tragédia padecem especialmente, pela sua condição de vulnerabilidade, a população infanto-juvenil, sem vez nem voz na nossa sociedade e distantes da proteção integral enunciada na Constituição Federal (calcula-se a existência de cerca de quarenta milhões de crianças e adolescentes carentes ou abandonados, boa parte entregue à própria sorte, perambulando pelas ruas, sobrevivendo através da esmola degradante ou da prostituição, usando drogas, cometendo atos infracionais).
Pior, aqueles que deveriam estar garantindo os direitos a eles prometidos no ordenamento jurídico (na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente), principalmente o de absoluta prioridade (que significa, entre outras coisas, preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas, assim como destinação privilegiada de recursos, conduzindo à certeira conclusão de que lugar de criança é na família, na escola e, também, nos orçamentos públicos), transformam-se agora para, ao invés de esclarecer, agradar a equivocada opinião pública em seus algozes. Exatamente os governantes e parlamentares que mais relapsos se mostram em suas tarefas de canalizar recursos indispensáveis aos programas e ações definidos na política traçada pelos Conselhos dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes (permitindo assim, por desgraçados exemplos, que milhares de crianças Fernandos, Joãos e Hélios morram todos os anos em razão da desnutrição e de doenças facilmente evitáveis, enquanto que na instituição do Fundeb (Fundo de Desenvolvimento do Ensino Básico) sequer se havia feito previsão das creches e, agora, quer-se prevê-las com patamar insuficiente de recursos; ou que milhões de adolescentes não possam freqüentar cursos de iniciação profissional, capazes de garantir acesso ao mercado formal de trabalho; ou que na absoluta maioria dos Estados e Municípios não existam programas de auxílio e orientação às famílias, assim como aqueles destinados à execução das chamadas medidas protetivas, todos estabelecidos como obrigatórios no Estatuto da Criança e do Adolescente), são os que bradam palavras de ódio e vingança contra as crianças e adolescentes.
Convém então, como forma primária de prevenção à chamada delinqüência infanto-juvenil, aproveitar de forma positiva a mobilização popular em curso para, via garantia dos direitos fundamentais, construir com políticas públicas e não com polícia verdadeira ponte de ouro entre a marginalidade e a cidadania (reconhecendo-se que, mesmo sem existir um inerente vínculo entre pobreza e criminalidade, alguns adolescentes experimentam condições reais de vida tão adversas, insuperáveis pelos meios tidos como legais ou legítimos, que acabam mesmo e infelizmente impulsionados no sentido da criminalidade).
Em outro aspecto, levando-se em conta que os adolescentes são pessoas em peculiar fase de desenvolvimento marcada por crise determinada pela complexa passagem do mundo infantil para o adulto (todos, de qualquer maneira, ainda não devidamente socializados), vale lembrar que o Estatuto da Criança e do Adolescente já prevê resposta, de caráter sócio-educativo, para a prática de atos infracionais (não contemplando qualquer regra que possa ser traduzida em "garantir impunidade" aos adolescentes, tanto que, para os casos mais graves, estabelece inclusive medida privativa de liberdade). Além da sua submissão ao Estatuto da Criança e do Adolescente, prevista no art. 228, da Constituição Federal, constituir cláusula pétrea (portanto, insuscetível de modificação por emenda constitucional), tem-se que as medidas sócio-educativas objetivam o resgate social do adolescente autor de ato infracional e não a entrega definitiva do mesmo para o mundo da criminalidade.
A opção pela diminuição da imputabilidade penal (para dezesseis ou catorze anos de idade) importará exatamente nisso: ao invés de oportunidade para vir a desenvolver sua potencial sociabilidade (e construir projeto de vida afastado da criminalidade) o adolescente (inclusive aquele autor de delitos sem gravidade) acabará completando seu processo de formação na promiscuidade da penitenciária de adultos, convivendo com a violência física, psíquica e sexual, tornando-se ainda mais revoltado e violento, quando não passando a integrar organizações criminosas (ou seja, sendo devolvido depois à sociedade um cidadão de pior categoria de que quando ingressou no sistema). Ainda e diante do princípio constitucional da brevidade enquanto informador da medida privativa de liberdade (constante também da Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), sequer o aumento do prazo de internação se mostra adequado, vez que, sem dúvida, melhor será a implementação dos programas para a execução das medidas sócio-educativas em meio aberto (especialmente a de liberdade assistida), bem como o funcionamento de unidades de internação onde haja, por equipe técnica especializada, a execução efetivamente individualizada da medida (eliminando-se a desastrosa história das "febens da morte"). Indispensável também a integração ao sistema de unidades hospitalares para o atendimento de adolescentes duplamente inimputáveis, isto é, além de menores de dezoito anos, também portadores de doença mental ou distúrbios psiquiátricos (exatamente aqueles capazes da prática dos atos infracionais mais graves e que, hoje, não recebem o tratamento adequado).
Por fim, se a idéia é a de usar exemplos de outros países, melhor será nos espelharmos na Holanda e na Suécia (cuja idade penal só se dá depois dos vinte e um anos de idade) e, segundo conclusão do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), encontram-se, entre os vinte e um países mais ricos, nos dois primeiros lugares em qualidade de vida para crianças e adolescentes e não nos Estados Unidos e na Inglaterra, que ostentam os dois últimos lugares, apresentando os maiores índices de envolvimento com drogas e prática de atos contrários à lei. Tendo a indignação como elemento propulsor ao aprimoramento de nosso processo civilizatório e escrevendo com as tintas da fraternidade melhores páginas para nossa infância e juventude (especialmente no que se refere à concretização de seus direitos fundamentais), por certo estaremos todos contribuindo para o alcance, o quanto antes, do objetivo fundamental da República Federativa do Brasil: o de ver instalada uma sociedade livre, justa e solidária.
Olympio de Sá Sotto Maior Neto é Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná

Nenhum comentário:

Postar um comentário