Jovem pensador político italiano sustenta: declínio da representação reflete mudanças sociológicas profundas. Estado e partidos perderão seu monopólio. Mas que virá depois?
Christophe Ventura
Christophe Ventura
Além das especificidades de cada um, todos esses movimentos partilham de pontos comuns: eles se ampliam, rejeitam as políticas de austeridade, a corrupção e criticam os sistemas políticos e as ações (e até a falta delas) dos Estados.
Nesse contexto, os partidos políticos, principalmente os do governo (tanto os de direita como os de esquerda), são interpelados e vilipendiados – para não dizer jogados ao descrédito público. Esta “crise da política tradicional” ja foi largamente comentada e analisada.
Em uma obra não traduzida – Finale di partito [2] (Fim de Partido [3]) – o intelectual e cientista político italiano Marco Revelli se interroga a respeito destes fenômenos contemporâneos. Ele analisa, em particular, essa crise de confiança dos cidadãos nos partidos políticos.
O partido inspirava-se igualmente, por sua organização, no modelo de Estado e de administração que ele ambicionava conquistar.
A erosão da homogeneidade sociológica e da classe de trabalhadores e o aumento do nível educacional tinham gerado a aparição da “política líquida” [4], espelho e produto da diversificação de fluxos econômicos e sociais na esfera política. Nós assistimos assim à uma “liquefação do corpo eleitoral” vindo da fragmentação de “pertencimentos sociais estáveis”. Para Marco Revelli, “o partido político ‘clássico’ (…) era a forma mais adaptada para responder à uma demanda social tipicamente “materializada” (…) de eleitores mecanicamente agregados em grupos relativamente homogêneos de populações largamente definidas por seus papéis produtivos respectivos e caracterizados por um nível médio ou baixo de escolaridade. Tratava-se da forma própria de representação na modernidade industrial”.
Agora, a família de trabalhadores é múltipla e as novas gerações vindas dos anos 1970, 1980 e 1990 têm características sociopolíticas diferentes. Não são mais os trabalhadores manuais orientados pelas grandes organizações sindicais e políticas que pesam na dinâmica das relações sociais, mas os estudantes, os técnicos, trabalhadores intelectuais mobilizados na economia dos serviços (setor terciário), o telemarketing, etc. Esses formam os novos batalhões de classes média-baixas urbanas e precárias que têm acesso aos ganhos públicos e ao emprego, mas de maneira intermitente.
Mesmo que sociologicamente minoritários, muito mais fragmentados e heterogêneos que seus “descendentes”, “mais aculturados e zelosos por sua própria independência, mais insubmissos à relação comando-obediência”, eles constituem os grupos mais ativos nas mobilizações sociais e os mais diretamente associados às novas formas sócio-econômicas desencadeadas pela mutação do capitalismo e de suas contradições. Ainda assim, neste contexto, “sua instrução elevada é correlacionada às formas de ações políticas não convencionais” [5], à rejeição dos quadros organizacionais e ideológicos das formas políticas existentes, à reivindicação de uma ação “apolítica” – uma vez que, na verdade, seus slogans e valores são hiper-políticos (probidade, respeito da vontade popular, reivindicação em favor dos serviços públicos e de bens comuns, limitação do poder monetário, demanda de uma nova ordem da sociedade, etc.). Seria uma forma “sub-política” da política ou da forma “política da segunda modernidade”. [6]
Qualquer que ela seja, para o autor, sabe-se que o “controle monopolístico do espaço público pelos partidos está terminado” . Assim como o Estado nacional, que imitaram na sua organização, os partidos exercerão uma “soberania limitada” na sociedade.
Nesta, vários poderes coabitam atualmente: o poder financeiro, o poder político (rebaixado e vítima de uma crise de confiança), o poder midiático (amplamente controlado pelo financeiro), o poder do corpo social (capaz de interferir esporadicamente com o poder político e de perturbar o consenso das oligarquias), o cyberpoder (que mobiliza o conjunto de atores de um campo inédito).
Na sua parte, os novos atores da contestação serão a questão de uma amarga e determinante batalha ideológica futura entre direita e esquerda.
Nesta sequência, uma nova dialética entre os partidos políticos da transformação e os novos movimentos da sociedade deve imperativamente se inventar.
NOTAS
[1] Sobre todos estes assuntos, ler o site www.democraziakmzero.org
[2] Marco Revelli, Finale de partito , Giuli Einaudi editore, Turin, 2013.
[3] Este título é um jogo de palavras construído a partir da expressão “Finale di partita”(Fim da partida) que é igualmente o título de uma peça do dramaturgo Samuel Beckett
[4] O conceito de “vida líquida” foi teorizado pelo sociólogo e filósofo Zygmunt Bauman. Este último continua pouco conhecido na França ou em alguns países onde suas obras foram, apesar de tudo, trazidas. Nós citamos, entre outros: O custo humano da mundialização (Hachette, Paris, 1999), A vida em migalhas (Hachette , Paris, 2003), A Vida Líquida (Rouergue, Chambon, 2006) e A decadência dos intelectuais. Dos legisladores aos intérpretes (Actes Sud, Arles, 2007). Sobre seu pensamento, ler Ignacio Ramonet, “Para um outono quente na Espanha?”.
[5] Citação pelo autor do cientista político estadunidense Ronal Inglehart
[6] Segundo as expressões do sociólogo alemão Ulrich Beck retomados pelo autor.
Traduzido por Cristiana Martin
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