Reflexões no ano internacional dos afrodescendentes

Tatiana Dias Silva E Fernanda Lira Goes
O Ipea tem desenvolvido uma série de trabalhos relativos à questão dadesigualdade racial no Brasil. Estudos sobre as condições de vida da população negra e o acompanhamento de políticas públicas no campo da igualdade racial têm sido objeto de constante preocupação deste Instituto. Desde 2003, o periódico Políticas sociais: acompanhamento e análisedispõe de capítulo específico sobre o assunto, em que traz fatos relevantes, acompanhamento da política e temas especiais para discussão.
Coerente com essa trajetória, foram promovidas algumas atividades no âmbito do Ano Internacional dos Afrodescendentes, como, por exemplo, a criação de um site onde estão disponíveis todas as publicações do Ipea sobre o tema, além da realização de um ciclo de debates.
Neste ciclo, ao longo de seis sessões de seminários, técnicos do Ipea, professores, pesquisadores, gestores, ativistas e convidados debateram temas acerca da questão racial no país. Diante da riqueza do debate, convidados a consolidar suas reflexões em uma publicação, alguns dos palestrantes produziram os artigos que compõem esta publicação.
O primeiro capítulo, denominado Panorama social da população negra, de Tatiana Dias Silva, se propõe a apresentar uma visão geral sobre a situação da população negra, dispondo de informações nos campos da educação e do trabalho. Embora não tenha sido objeto específico do ciclo de debates,tem por objetivo proporcionar uma introdução sobre as condições de vida dos negros no país, com base no último censo, como pano de fundo para os debates seguintes.
O trabalho doméstico, majoritariamente exercido por mulheres, em especial negras, é objeto de análise dos três próximos capítulos. No segundo, Questões para pensar o trabalho doméstico no Brasil, as autoras Lilian Marques e Patrícia Costa apresentam informações sobre a ocupação e as trabalhadoras domésticas remuneradas, por meio de dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED). À luz dessa análise, destacam desafios próprios desse tipo de serviço, como o crescimento da atividade de diarista e a busca por equiparação dos direitos da categoria.
No capítulo 3, Colonialidade e interseccionalidade: o trabalho doméstico no Brasil e seus desafios para o século XXI, o autor, Joaze Bernardino, afirma que o padrão de poder colonial moldou hierarquias sociais, que são atravessadas, de forma dinâmica, por vários eixos de desigualdades e subordinação. Esta reflexão orienta a análise sobre a complexa situação social das mulheres negras trabalhadoras domésticas, não apenas do ponto de vista da vulnerabilidade, mas, sobretudo, do desenvolvimento de estratégias de superação e resistência emancipadora.
A seguir, no capítulo 4, O trabalho doméstico e o espaço privado: iniquidades de direitos e seus impactos na vida das mulheres negras,Claudia Pedrosa apresenta dados da investigação Pesquisa Qualitativa sobre o Trabalho Doméstico: Distrito Federal e Salvador, realizada por meio de parceria entre Organização Internacional do Trabalho (OIT), ONU Mulheres, Ipea e Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea). A autora dá voz às trabalhadoras domésticas entrevistadas, a fim de caracterizar a situação de vulnerabilidade e a vivência de relações de trabalho precárias, desrespeitosas e até mesmo violentas que comprometem as condições laborais e de vida desta categoria, apontando para a necessidade de incremento de políticas de fiscalização e promoção de direitos.
A educação das relações étnico-raciais é objeto de análise dos capítulos 5 e 6. Ambos os textos discutem, por meio de diferentes abordagens, a implementação das alterações promovidas pela Lei no 10.639/2003 na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).
Em Panorama de implementação da Lei no 10.639/2003: contribuições da Pesquisa Práticas Pedagógicas de Trabalho com Relações Étnico-raciais na Escola, Rodrigo de Jesus e Nilma Gomes apresentam o percurso metodológico delineado para a realização do estudo que avaliou como os referidos conteúdos e orientações eram aplicados por escolas de diferentes regiões do país.
No capítulo seguinte, intitulado Políticas educacionais, cultura e relações étni- co-raciais: a implementação do Artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional no 9.394/1996, Renísia Filice aborda o mesmo processo, por meio de uma análise a respeito da influência da cultura e das variadas representações sobre raça e classe na educação e no cumprimento da citada legislação.
No capítulo 7, Violência letal no Brasil e vitimização da população negra: qual tem sido o papel das polícias e do Estado?, de Almir de Oliveira Júnior e Verônica Lima, com base nos dados de homicídios no Brasil, os autores relacionam segurança pública com a questão racial. Para isso, analisam asações enviesadas das polícias como indicador de racismo institucional.
A temática quilombola é alvo dos capítulos 8 e 9. Rafael Sanzio em A territorialidade dos quilombos no Brasil contemporâneo: uma aproximaçãocontribui para o debate da geografia dos quilombos contemporâneos no Brasil. Ivo Silva, em Acesso a terra “caminho de muitas curvas": depoimento de um quilombola, por meio do ordenamento jurídico e fundiário e pela luta pessoal como quilombola, destaca o debate do acesso a terra como um direito dessas populações.
No capítulo 10, Silvio Silva, no texto O Itamaraty e o Ano Internacional dos Afrodescendentes: um olhar sobre o discurso externo brasileiro acerca da questão racial, explicita a evolução da temática de igualdade racial no cenário internacional, especialmente o discurso defendido pela política externa brasileira. Ainda com referência às relações internacionais, o anexo I é um texto do Instituto Rio Branco, órgão do Ministério das Relações Exteriores, sobre o Programa de Ação Afirmativa do Instituto Rio Branco — Bolsa-Prêmio de Vocação para a Diplomacia, instituído em
2002, com a finalidade de estimular a presença de negros na chancelaria nacional — uma das mudanças da retórica brasileira perante a promoção da igualdade racial e o combate ao racismo.
Por fim, dois documentos referentes ao Ano Internacional dos Afrodescendentes compõem esta publicação. O anexo II, apresenta a Declaração de Salvador, emitida pelos chefes de Estado participantes da Cúpula Ibero-americana de Alto Nível em Comemoração ao Ano Internacional dos Afrodescendentes, realizada em 19 de novembro de 2011, na capital baiana. O anexo III trata da Carta de Salvador, pela dignidade, direitos e desenvolvimento das pessoas, povos e comunidades afrodescendentes, de autoria da sociedade civil de diversos países, reunida no Fórum da Sociedade Civil do Encontro Ibero-americano do Ano Internacional dos Afrodescendentes (AfroXXI), que antecedeu o encontro de chefes de Estado.
Boa leitura!
Tatiana Dias Silva e Fernanda Lira Goes Técnicas de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc) do Ipea
Nenhum comentário:
Postar um comentário