O resgate de Alfred Wallace
Documentário de 1983 sobre o naturalista inglês considerado coautor da teoria da evolução
pela seleção natural é apresentado ao público brasileiro.
Henrique Kugler
Henrique Kugler
Embora Charles Darwin tenha ficado com os créditos pela ideia da seleção natural como força motriz da evolução, Alfred Wallace chegou às mesmas conclusões, de modo independente e na mesma época.
Um documentário de 1983, esquecido nos arquivos da BBC. “Nem mesmo os produtores se lembravam da existência desse material”, ressaltou o jornalista Sérgio Brandão, que ajudou a garimpar a preciosidade.
Trata-se da mais completa produção audiovisual já realizada sobre as aventuras de Alfred Wallace (1823-1913), naturalista inglês considerado codescobridor da seleção natural como força motriz da evolução.
A história deu os créditos apenas a Charles Darwin (1809-1882). Mas Wallace, de forma lúcida e independente, chegou às mesmas conclusões a que Darwin chegara, e na mesma época.
“Na história da ciência, isso é bastante comum: dois pensadores podem chegar às mesmas descobertas ou conclusões por caminhos distintos”, lembrou o físico Ildeu de Castro Moreira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), admirador assumido do legado de Alfred Wallace.
Acontece que os louros da glória, em geral, também dependem de tramas sociais e políticas.
Nas horas vagas, Wallace era socialista, pacifista, militante político, espiritualista, defensor da justiça social e da reforma agrária
Talvez por isso Darwin – um acadêmico tarimbado e de elevado prestígio na sociedade britânica de então – tenha levado vantagem em relação a Wallace – um sujeito meio ‘alternativo’, que, a duras penas, ganhava a vida vendendo espécimes exóticos para museus londrinos e coleções particulares. Wallace não tinha formação acadêmica. Ainda assim, sua percepção do mundo natural equiparou-se à de Darwin, um dos mais respeitados pensadores do século 19.
Curiosidade: nas horas vagas, Wallace era socialista, pacifista, militante político, espiritualista, defensor da justiça social e da reforma agrária. Pode-se dizer que foi, também, um protótipo de ambientalista. Ele defendeu, num tempo em que nem se falava nisso, a preservação de uma área de florestas naturais nos arredores de Londres – território que estava prestes a ser devastado para dar espaço a loteamentos habitacionais.
Wallace, o cientista
O documentário que narra sua aventura fatídica – The forgotten voyage (algo como A viagem esquecida) – nunca fora exibido no Brasil. No domingo passado (24/11), pela primeira vez, uma versão legendada em português foi apresentada ao público. A sessão aconteceu no auditório da Livraria da Travessa, no Shopping Leblon, no Rio de Janeiro (RJ), integrando a agenda da mostra Ver ciência.
“Esse documentário é inédito no Brasil, mas já faz uns 10 anos que o material está disponível no YouTube, em inglês”, lembrou um rapaz que assistia à sessão.
Após a exibição do filme, Moreira e Brandão convidaram o público a trocar uma ideia sobre o universo de Wallace – especialmente sobre sua relação com Darwin.
Surpreende o grau de cordialidade e respeito entre ambos – que tinham tudo para nutrir uma inimizade ferrenha baseada em competição e vaidade; no entanto, tornaram-se grandes amigos e manifestavam admiração mútua pelo trabalho um do outro.
Antes de morrer, aliás, Darwin realizou um gesto de grandeza moral: sabendo das pendengas financeiras em que Wallace se via enredado ao longo da vida toda, solicitou que o governo britânico concedesse a ele uma pensão vitalícia.
Divergências à parte
Interessante lembrar que, apesar de ambos terem inferido o mecanismo da seleção natural, eles nem sempre concordaram em tudo – naturalmente. Wallace, ao contrário de Darwin, não acreditava que a teoria da evolução pudesse explicar o homem em sua totalidade.
Segundo Wallace, a seleção natural poderia explicar a evolução do ser humano enquanto animal, mas não poderia dar uma resposta completa sobre a natureza da consciência
Para ele, era relevante o problema da consciência – o que o torna um pensador deveras sofisticado para seu tempo. Segundo Wallace, a seleção natural poderia explicar a evolução do ser humano enquanto animal, mas não poderia dar uma resposta completa sobre a natureza da consciência. “Essa reflexão se baseava no lado espiritualista de Wallace”, lembrou Moreira.
O resgate do legado de Alfred Wallace tem recebido atenção especial em 2013, ano em que memoramos o centenário de seu falecimento.
Henrique Kugler
Ciência Hoje On-line
Henrique Kugler
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