William Bonner, ao vetar esta ou aquela reportagem, diz: "essa o Homer não vai entender". Ele refere-se ao "telespectador médio" do Jornal Nacional.
Mário Augusto Jakobskind, do Direto da Redação
Não é de hoje que vários
pensadores sérios estudam o mecanismo da manipulação da informação na mídia de
mercado. Um deles, o linguista Noam Chomsky, relacionou dez estratégias sobre o
tema.
Na verdade, Chomsky
elaborou um verdadeiro tratado que deve ser analisado por todos (jornalistas ou
não) os interessados no tema tão em voga nos dias de hoje em função da
importância adquirida pelos meios de comunicação na batalha diária de “fazer
cabeças”.
Vale a pena transcrever
o quinto tópico elaborado e que remete tranquilamente a um telejornal
brasileiro de grande audiência e em especial ao apresentador.
O tópico assinala que o
apresentador deve “dirigir-se ao público como criaturas de pouca idade ou
deficientes mentais. A maioria da publicidade dirigida ao grande público
utiliza discursos, argumentos, personagens e entonação particularmente
infantil, muitas vezes próxima da debilidade, como se o espectador fosse uma
pessoa de pouca idade ou um deficiente mental. Quanto mais se tenta enganar o
espectador, mais se tende a adotar um tom infantil”.
E prossegue Chomsky
indagando o motivo da estratégia. Ele mesmo responde: “se alguém se dirige a
uma pessoa como se ela tivesse 12 anos ou menos, então, por razão da sugestão,
ela tenderá, com certa probabilidade, a uma resposta ou reação também
desprovida de um sentido crítico como a de uma pessoa de 12 anos ou menos”.
Alguém pode estar
imaginando que Chomsky se inspirou em William Bonner, o apresentador do Jornal
Nacional que utiliza exatamente a mesma estratégia assinalada pelo linguista.
Mas não necessariamente,
até porque em outros países existem figuras como Bonner, que são colocados na
função para fazerem exatamente o que fazem, ajudando a aprofundar o esquema do
pensamento único e da infantilização do telespectador.
De qualquer forma, o que
diz Chomsky remete a artigo escrito há tempos pelo professor Laurindo Leal
Filho depois de ter participado de uma visita, juntamente com outros professores
universitários, a uma reunião de pauta do Jornal Nacional comandada por Bonner.
Laurindo informava então
que na ocasião Bonner dissera que em pesquisa realizada pela TV Globo foi
identificado o perfil do telespectador médio do Jornal Nacional. Constatou-se,
segundo Bonner, que “ele tem muita dificuldade para entender notícias complexas
e pouca familiaridade com siglas como o BNDES, por exemplo. Na redação, o
personagem foi apelidado de Homer Simpson, um simpático mas obtuso personagem
dos Simpsons, uma das séries estadunidenses de maior sucesso na televisão do
mundo”.
E prossegue o artigo
observando que Homer Simpson “é pai de família, adora ficar no sofá, comendo
rosquinhas e bebendo cerveja, é preguiçoso e tem o raciocínio lento”.
Para perplexidade dos
professores que visitavam a redação de jornalismo da TV Globo, Bonner passou
então a se referir da seguinte forma ao vetar esta ou aquela reportagem: “essa
o Homer não vai entender” e assim sucessivamente.
A tal reunião de pauta do
Jornal Nacional aconteceu no final do ano de 2005. O comentário de Noam Chomsky
é talvez mais recente. É possível que o linguista estadunidense não conheça o
informe elaborado por Laurindo Leal Filho, até porque depois de sete anos caiu
no esquecimento. Mas como se trata de um artigo histórico, que marcou época, é
pertinente relembrá-lo.
De lá para cá, o Jornal
Nacional praticamente não mudou de estratégia e nem de editor-chefe. Continua
manipulando a informação, como aconteceu recentemente em matéria sobre o
desmatamento na Amazônia, elaborada exatamente para indispor a opinião pública
contra os assentados.
Dizia a matéria que os
assentamentos são responsáveis pelo desmatamento na região Amazônica, mas
simplesmente omitiu o fato segundo o qual o desmatamento não é produzido pelos
assentados e sim por grupos de madeireiros com atuação ilegal.
Bonner certamente
orientou a matéria com o visível objetivo de levar o telespectador a se colocar
contra a reforma agrária, já que, na concepção manipulada da TV Globo, os
assentados violentam o meio ambiente.
Em suma: assim caminha o
jornalismo da TV Globo. Quando questionado, a resposta dos editores é acusar os
críticos de defenderem a censura. Um argumento que não se sustenta
A propósito, o jornal O
Globo está de marcação cerrada contra o governo de Rafael Correa, do Equador,
acusando-o de restringir a liberdade de imprensa. A matéria mais recente, em
tom crítico, citava como exemplo a não renovação da concessão de algumas
emissoras de rádio que não teriam cumprido determinações do contrato.
As Organizações Globo e
demais mídias filiadas à Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) raciocinam
como se os canais de rádio e de televisão fossem propriedade particular e não
concessões públicas com normas e procedimentos a serem respeitados.
Em outros termos: para o
patronato associado à SIP quem manda são os proprietários, que podem fazer o
que quiserem e bem entenderem sem obrigações contratuais.
No momento em que o
Estado fiscaliza e cobra procedimentos, os proprietários de veículos
eletrônicos de comunicação entram em campo para denunciar o que consideram
restrição à liberdade de imprensa.
Os governos do Equador,
Venezuela, Bolívia e Argentina estão no índex do baronato midiático exatamente
porque cobram obrigações contratuais. Quando emissoras irregulares não têm as
concessões renovadas, a chiadeira do patronato é ampla, geral e irrestrita.
Da mesma forma que O Globo no Rio de
Janeiro, Clarin na Argentina, El Mercurio no Chile e outros editam matérias com
o mesmo teor, como se fossem extraídas de uma mesma matriz midiática.
Créditos da foto: Latuff
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