domingo, 4 de agosto de 2013

Investigação à paisana: Apple enfrenta novas críticas por condições em fábricas na China

A Apple pode ter abandonado o fornecedor Foxconn logo após um escândalo sobre as condições de trabalho deploráveis em suas fábricas chinesas, mas parece que as violações dos direitos trabalhistas também são abundantes na Pegatron, sua nova parceira.

Hilmar Schmundt E Bernhard Zand
29.mar.2012 - Tim Cook (E), diretor-executivo da Apple, visita instalações da Foxconn (uma das fábricas responsáveis por produzir os eletrônicos da marca) em Zhengzhou, na China
Tim Cook (E), diretor-executivo da Apple, visita instalações da Foxconn (uma das fábricas responsáveis por produzir os eletrônicos da marca) em Zhengzhou, na China
Tim Cook tem tentado ser uma pessoa melhor. Ou, pelo menos, tentado se parecer com uma. No ano passado, o CEO da Apple visitou pessoalmente a China para dar uma olhada na Foxconn, uma controversa fornecedora da empresa.
Relatórios sobre as condições de trabalho deploráveis dos trabalhadores migrantes e os baixos salários, bem como uma onda de suicídios, estavam danificando a imagem da Apple, então Cook prometeu melhorias e também andou procurando novas fábricas onde os iPads, iPhones e computadores da empresa pudessem ser produzidos.
Um dos novos parceiros da Apple é a fábrica de produtos eletrônicos Pegatron, de Taiwan, que opera várias fábricas na China. Mas recentemente vazou a informação de que seus trabalhadores estão ainda em piores condições do que os da Foxconn.
Num relatório intitulado "As promessas não cumpridas da Apple", previsto para ser publicado nesta semana, a China Labor Watch (CLW) chega a uma conclusão preocupante: mais de 10 mil trabalhadores estudantes supostamente trabalham em fábricas parceiras da Apple e muitos "estagiários" têm idade entre 16 e 18 anos. Escolas e professores embolsam uma parte de seus salários na forma de "taxas de transporte e de inscrição". Um estudante que estava se formando em educação pré-escolar teve de assinar um contrato de seis meses. Esse trabalho estudantil não é incomum na China.
O relatório incriminador é baseado em pesquisas de vários investigadores da CLW que trabalhavam à paisana em fábricas de computadores Apple, iPads e iPhones. Eles realizaram mais de 200 entrevistas com seus colegas e fizeram algumas descobertas chocantes.
A jornada de trabalho é muito longa, com sete dias por semana, turnos que excedem 12 horas e não é incomum os funcionários fazerem 80 horas extras por mês. Parece que os "relatórios de frequência falsificados" ajudam a disfarçar os números reais.
O treinamento e os equipamentos de segurança são inadequados – a CLW sustenta que muitas salas de montagem não oferecem rotas de fuga suficientes no caso de incêndio. Os kits de primeiros socorros também são poucos e ficam distantes entre si. A agência de fiscalização também alega que os trabalhadores só podem reclamar um número limitado de dias de licença de saúde por mês. Um trabalhador que fica em casa por mais de sete dias não recebe licença saúde remunerada.
Além disso, alguns trabalhadores Pegatron são obrigados a ficar em seus locais de trabalho o dia inteiro, mesmo mulheres grávidas e os trabalhadores menores de idade trabalham bem mais de oito horas por dia, de acordo com a CLW.
Algumas fábricas praticam a discriminação, não contratando uigures e tibetanos, bem como pessoas com tatuagens. A CLW lista mais de 36 violações da lei chinesa. Até que a Apple interveio, uma fábrica confiscava documentos pessoais dos trabalhadores "por longos períodos de cada vez, efetivamente impedindo-os de sair da fábrica", relata um investigador.
Na semana passada, a companhia norte-americana se recusou a comentar as denúncias.
Abuso diário
Uma das fábricas da Pegatron fica localizada no leste de Xangai, a caminho do aeroporto de Pudong. O complexo é tão grande que chega quase a ser um bairro, compreendendo salas de montagem, torres de escritórios e dormitórios.
De acordo com um trabalhador de 25 anos de idade, Li Jun (o nome foi alterado pela Spiegel porque ele não quer ser identificado por seu nome verdadeiro), o local abriga cerca de 100 mil trabalhadores. Vestido com jeans e uma camisa xadrez, Li parece um estudante universitário típico. Até suas mãos estão perfeitamente limpas.
Como um novato sem treinamento, ele ganha um salário mensal de 3.200 yuan (392 euros). Ele descreveu seus turnos de 12 horas, que começam às nove da manhã, explicando que uma pausa de 50 minutos para o almoço e uma pausa de 40 minutos para uma refeição à noite não são remunerados.
Oito dessas 12 horas são horas de trabalho "base", pelas quais ele recebe 10 yuan (€ 1.20) por hora, enquanto que a taxa para as duas horas e meia restantes de trabalho extra, bem como durante os turnos de fim de semana, é de 15 yuan (€ 1,80).
Um dos maiores problemas, segundo ele, é a superlotação crônica e a necessidade resultante de passar um tempo precioso esperando na fila – no refeitório ou nas inspeções de segurança. "Todo dia, eu tinha que levantar às sete e nunca conseguia voltar para o meu dormitório antes de 10 da noite", afirma.
Ele fez pesquisas para a CLW em outras fábricas, mas disse que nunca experimentou um ambiente tão desgastante como na Pegatron. Li Jun admite que a forma como os chineses se comunicam tende a ser muito franca, mas que a falta de civilidade na Pegatron é particularmente censurável.
"O líder do grupo sempre usava algumas expressões muito grosseiras, como 'Cao ni ma' (foda-se sua mãe), 'sha bi' (vaca estúpida) e 'se você não quer trabalhar aqui, caia fora!'", diz ele.
Muitos trabalhadores também sofrem humilhação em público em reuniões não pagas realizada todas as manhãs e todas as noites. "É como uma chamada militar, com os trabalhadores em uma fila esperando levar broncas do líder do grupo", para ser gritado pelo seu líder do grupo", diz Li Jun.
Alguns ficaram tão chocados com o tom que se demitiram. Infelizmente, quem trabalha menos de cerca de doze dias na Pegatron não recebe nada, de acordo com o relatório da CLW. Se os trabalhadores querem fazer uma reclamação, eles podem utilizar uma linha direta dos funcionários ou deixar um bilhete na caixa de cartas do "vice-presidente".
Mas o investigador da CLW Li Jun diz que nos 40 dias em que trabalhou na Pegatron, ninguém jamais ousou telefonar e, embora ele tenha visto algumas cartas na caixa de correio, eles nunca foram recolhidas. A maioria dos trabalhadores não sabe se a fábrica tem um sindicato ou qualquer organização que sirva como um conselho de trabalhadores.
Pagando o preço
Ma Liu (o nome também foi alterado) também trabalhou à paisana para CLW. Ele trabalhou na AVY Precision Technology, uma fábrica em Suzhou que pertence ao império Pegatron. Ele trabalhou na fabricação da parte de trás dos iPads, fazendo furos para os fones de ouvido e dando acabamento às bordas.
Os níveis de ruído eram terríveis e os trabalhadores eram obrigados a respirar o ar contaminado com produtos químicos, diz ele, e não havia nenhum kit de primeiros socorros.
Quando ele machucou dois dedos com a máquina, não foi autorizado a deixar o seu posto para procurar bandagens, apesar de estar sangrando muito, diz ele. Depois de 40 minutos, o líder do grupo lhe deu um pedaço de "fita plástica industrial" para cobrir sua ferida e instruiu-o a continuar trabalhando.
Ma é um experiente advogado especializado em direito do trabalho. Ele fez uma pesquisa em mais de 80 companhias e diz que AVY Precision Technology é uma das piores que ele já inspecionou. Os funcionários são muitas vezes obrigados a fazer 136 horas extras por mês. "A Pegatron está no processo de repetir muitos dos erros que a Foxconn cometeu", diz Ma. "Por que seria diferente quando fábricas com mais de 10 mil funcionários aumentam dez vezes sua capacidade?"
"A Apple escolheu estes fornecedores porque seus preços são mais baratos", disse Li Qiang, que coordena a CLW de Nova York. "Mas esses preços mais baixos se dão à custa de piores condições de trabalho na fábrica."
"Nós seguimos a norma do governo local, então não nos preocupamos", afirma um porta-voz da Pegatron. "A proteção dos trabalhadores é a nossa maior prioridade."
Traduzido do alemão por Jane Paulick. 

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