Mudança climática e adaptação no Brasil: uma análise crítica
Regiões semiáridas são consideradas altamente suscetíveis aos impactos adversos da mudança climática. Nesse contexto, o governo federal começou a implementar uma série de medidas para reduzir a vulnerabilidade de grupos menos preparados, como a agricultura familiar, para lidar com futuras mudanças.
Martin Obermaier E Luiz Pinguelli Rosa
Baseado numa análise da legislação vigente sobre mudanças climáticas e dos principais documentos oficiais publicados, o presente trabalho identifica cinco fatores de preocupação referentes à atual abordagem que podem impedir uma redução sustentável de vulnerabilidade em áreas de risco no sertão brasileiro. Dado que grande parte da agricultura familiar já está fortemente impactada no contexto da variabilidade climática atual, isso implica que ações que reduzem a sua vulnerabilidade não dependem necessariamente da certeza de futuros impactos climáticos. Assim, medidas que tentam reduzir as existentes vulnerabilidades socioeconômicas e ambientais podem ser mais úteis para tornar a agricultura familiar do Nordeste mais resiliente às mudanças previstas.
Introdução
Com referência à mudança climática, o Brasil está sem dúvida entre os países que despertam considerável interesse. Por exemplo, a floresta amazônica como estoque de carbono e questões relacionadas a desmatamen-
to e serviços de ecossistemas, ou o papel de biocombustíveis como estratégia de mitigação dentro do setor de transporte rodoviário motivaram uma série de pesquisas e discussões ambos no nível nacional e internacional. Dentro da Convenção do Clima (UNFCCC),1 o país foi vital para a criação do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) e outros mecanismos flexíveis (Viola, 2004), assim como o levantamento do conceito de responsabilidades históricas para o problema da mudança climática (Rosa; Munasinghe, 2002; Friman; Linner, 2008). Apesar de não ser obrigado a reduzir as suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) devido ao seu status de país não Anexo I dentro da Convenção, o Brasil apresentou na COP-15 em Copenhague um compromisso nacional voluntário de reduzir entre 36,1% e 38% as suas emissões projetadas até 2020, principalmente pela redução do desmatamento e um maior uso de energias renováveis (Brasil, 2010). Essa estratégia está incorporada dentro da Lei 12.187 que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima (Brasil, 2009).
Enquanto a abordagem brasileira da mudança climática inicialmente focou na área de mitigação, medidas de adaptação foram integradas de forma incremental durante os últimos anos. Uma região focal desse novo debate é o semiárido nordestino do país (sertão). Numa extensão de 940 mil km2, abrange cerca de 86% da região do Nordeste geográfico. Chuvas irregulares, falta de acesso à água, longos períodos de estiagens e secas recorrentes afetam principalmente pobres agricultores familiares da região tornando-o uma área de risco (hotspot) à mudança climática futura (Marengo, 2008; Simões et al., 2010).
Recentes pesquisas em adaptação ligam a questão de vulnerabilidade com respeito a futuros impactos das mudanças climáticas, aos problemas das iniquidades sociais atuais e das práticas ambientais insustentáveis (Eakin; Luers, 2006; Pielke Jr. et al., 2007; Tompkins et al., 2008; Obermaier, 2011). Essas considerações são particularmente relevantes para o sertão, onde barganha política e corrupção se combinam com políticas públicas mal desenhadas, recursos naturais restritos e limitadas capacidades em diferentes escalas (comunidades, mas também nos níveis administrativos e governamentais) de lidar com estresses climáticos (Hirschman, 1963; Gomes, 2001; Finan; Nelson, 2001; Lemos, 2007; Obermaier; La Rovere, 2011).
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), no seu último relatório, resumiu essas pesquisas (Adger et al., 2007) que influenciam também o tratamento da própria UNFCCC referente à adaptação (UNFCCC, 2010). Dado os consideráveis esforços do governo federal do Brasil na área de mitigação, o presente trabalho faz uma comparação da atual abordagem brasileira à mudança climática e adaptação com o estado de arte sobre avaliação de impactos, vulnerabilidades e adaptação na literatura e na UNFCCC. A análise se baseia em particular nos avanços teóricos sobre adaptação e vulnerabilidade (Burton et al., 2002; Burton; Lim, 2005; Eakin; Luers, 2006; Adger, 2006; Fuessel; Klein, 2006; Fuessel, 2007; Eakin; Patt, 2011), bem como na análise comparativa com os atuais documentos publicados no Brasil sobre o tema (documentos oficiais e estudos identificados num levantamento bibliográfico nas base de dados Scielo e ISI Web of Knowledge, WOK). Em particular, argumentos que a atual abordagem brasileira foca ainda na identificação de impactos e vulnerabilidades referentes à mudança climática stricto sensu sem considerar apropriadamente vulnerabilidades socioeconômicas e ambientais existentes. Dessa forma, as atuais medidas podem não resultar em uma redução sustentada de vulnerabilidade dos agricultores familiares da região do semiárido, assim como em caminhos para resiliência socioambiental sistêmica no futuro.
Assim, a organização do presente trabalho ocorre da seguinte forma: a seção que segue apresenta a evolução do conceito de adaptação, sua aplicação prática e política e a sua ligação a questão de vulnerabilidade e resiliência, os principais fundamentos da abordagem brasileira referente a estratégias de adaptação e os métodos de pesquisa. Nesse contexto, o foco é sobre adaptação planejada por órgãos de governo, sendo as interligações com outros setores e escalas também discutidas. Em seguida, analisa-se de forma crítica a política atual focadas em cinco pontos de preocupação. Os resultados são discutidos nas seções que segue, e a última seção fecha o artigo com algumas considerações finais.
Martin Obermaier é pesquisador de pós-doutorado do Programa de Planejamento Energético da COPPE/UFRJ.
Luiz Pinguelli Rosa é professor titular do Programa de Planejamento Energético da COPPE/UFRJ. Diretor COPPE/UFRJ.
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