segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Urbanismo: recursos naturais e o Plano Diretor paulistano

No mesmo dia em que a Prefeitura de São Paulo publicou no seu site o anteprojeto da revisão do Plano Diretor Estratégico, que em breve estará em debate na Câmara Municipal, a Global Footprint Network – GTN (Rede Global da Pegada Ecológica) divulgou que o planeta acendeu um alerta. Como revelou a WWF, em 2013, o Overshoot Day (Dia da Sobrecarga da Terra) foi alcançado em 20 de agosto, dia em que “a humanidade esgotou o orçamento da natureza para o ano e começamos a operar no vermelho”.

Nabil Bonduki

Levantamento realizado pela GTN mostrou que a humanidade ultrapassou, em sete meses e vinte dias, a capacidade anual de renovação possível de recursos naturais, como alimentos, matérias primas e absorção de gás carbônico, a chamada pegada ecológica. O estudo revela que os países chamados de “desenvolvidos”, os mais ricos e com maior capacidade de consumo (Estados Unidos e Europa Ocidental), são os campeões na pegada ecológica per capita, enquanto a China, devido à sua grande população e crescente incremento econômico, tem a maior pegada total. Em um ano, perdemos dois dias, pois em 2012, o Overshoot Day foi 22 de agosto…
E o que o Plano Diretor de São Paulo tem a ver com isso? Muito, muitíssimo.
Embora a América do Sul, incluindo o Brasil, ainda seja a grande credora mundial – suas reservas ecológicas superam a pegada – isso não é um alívio para os brasileiros e, muito menos, para nós, paulistanos.
Em primeiro lugar, porque vivemos em um planeta que gasta 1,5 vez mais os recursos naturais do que é capaz de gerar e, portanto, sofreremos no futuro, não tão distante, as consequências dessa insensatez.
Em segundo lugar, porque o Brasil adotou um modelo de desenvolvimento que, se não for alterado, nos levará, no médio prazo, para uma pegada per capita próxima dos países “desenvolvidos”.
Em terceiro lugar, porque as regiões metropolitanas, em especial a de São Paulo, são devedoras, em termos de pegada ecológica, superando em muito a média nacional. Por isso, é urgente reverter o rumo do insustentável processo de desenvolvimento urbano que tem predominado nas nossas cidades há décadas. E é exatamente aí que a proposta de revisão do Plano Diretor Estratégico (PDE) se relaciona com o Overshoot Day.
Em São Paulo, o alerta vermelho já está aceso e precisamos tomar medidas capazes de reduzir nossa pegada ecológica. O Plano Diretor e toda a legislação urbanística e ambiental complementar que deverá ser gerada a partir dele são a grande oportunidade para criar novos paradigmas no desenvolvimento urbano da cidade.
Nesse sentido, a minuta da revisão do Plano Diretor, publicada no Overshoot Day, traz importantes avanços. O mais relevante é a criação de mecanismos que efetivamente podem garantir a prioridade para otransporte coletivo, que é defendida por todos no discurso, mas, geralmente, deixada de lado na hora de ser implementada. Segundo o inventário de emissões de São Paulo, cerca de 50% das emissões de CO2 são geradas pelos automóveis, sendo que o cumprimento da meta de redução de carbono assumida pelo município, em conjunto com o C40, na Rio+20, exige uma alteração substancial na mobilidade.
O plano diretor propõe vários instrumentos para desestimular o uso do automóvel, como a restrição aos estacionamentos nas áreas centrais e o estabelecimento de um número máximo de garagens por unidade nos empreendimentos habitacionais próximos ao sistema de transporte público coletivo. A proposta de adensamento ao longo dessas áreas, articulando mobilidade e uso do solo, é outra medida de grande importância para estimular o uso do transporte coletivo.
Além disso, é fundamental aproximar o emprego da moradia para reduzir o tempo e a distância percorrida pelos paulistanos, com evidente economia da energia dispendida na mobilidade.  Para alcançar esse objetivo, a revisão do PDE propõe que, nas áreas bem servidas de infraestrutura e emprego, seja estabelecida uma cota máxima de terreno por unidade habitacional, de modo a melhorar a relação adensamento populacional/adensamento construtivo, ou seja, permitir que mais gente more na mesma volumetria edificada.
Por outro lado, o Programa de Desenvolvimento Econômico da Zona Leste, iniciativa articulada ao Plano Diretor, propõe estimular a geração de emprego em áreas onde predomina a moradia popular. Ressalta-se que nessa região existe 0,19 emprego por morador, enquanto no centro expandido o índice é 2,26. A proposta para mudar esse quadro é de incentivos fiscais ao longo das avenidas Jacu Pêssego, Assis Ribeiro e Marechal Tito e em vários subcentros como São Miguel, Itaim, Guaianazes, São Mateus e Cidade Tiradentes. Essas áreas serão beneficiadas com isenção de IPTU, ISS da construção civil e ITBI, assim como redução de 5% para 2% no ISS. Ademais, usos não residenciais não deverão pagar outorga onerosa, facilitando a instalação de atividades geradoras de empregos.
Outra importante novidade é a criação da Cota de Solidariedade. Se este instrumento vier a ser regulamentado no próprio PDE, todos os empreendimentos imobiliários acima de certo porte deverão destinar uma porcentagem da sua área construída à produção de habitação de interesse social. Ao contrário do que parece, esse dispositivo pode ser um dos maiores aliados no esforço de manter nosso país entre os credores na pegada ecológica. Isso porque a falta de moradia popular tem gerado um intenso processo de ocupação das áreas de proteção ambiental e de preservação dos mananciais, na Serra da Cantareira e junto às represas ao sul do município.
A ocupação das últimas reservas ambientais nas proximidades da área urbanizada da cidade representa a destruição de condições essenciais para a vida humana, ou seja, da água, das áreas verdes e da terra agrícola, essencial para a produção de alimentos. Por essa razão, todos os instrumentos que puderem ser incluídos no Plano Diretor para estimular a produção de habitação digna em áreas aptas à urbanização são fundamentais para a preservação do meio ambiente.
Em 20 de agosto, o Overshoot Day acendeu o alerta vermelho. Vamos entender o sinal e, sem preconceito e com coragem, debater a necessidade de fazer da revisão do Plano Diretor um momento especial em que São Paulo mostra para o Brasil e para o mundo que é possível reverter esse modelo insustentável de desenvolvimento urbano que predomina em nosso país.

Nenhum comentário:

Postar um comentário