domingo, 17 de novembro de 2013

A mercantilização da educação superior brasileira e as estratégias de mercado das instituições lucrativas

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O artigo analisa o fenômeno recente de mercantilização da educação superior brasileira, por meio do crescimento das IES lucrativas e da adoção de estratégias de mercado na direção da financeirização, oligopolização e internacionalização. Seguindo a tendência internacional, além das táticas adotadas para atrair a demanda, houve transformações no âmbito dos negócios. Destacam-se a profissionalização da gestão e a transfiguração de universidades e centros universitários em conglomerados ou holdings. Outra estratégia consiste na venda parcial dos estabelecimentos nacionais ao capital estrangeiro, tanto por meio das aquisições realizadas por fundos private equity como pela abertura de capital das empresas educacionais na bolsa de valores (IPOs). Conclui-se que o processo de mercantilização é elemento central na análise dos limites e das possibilidades da política pública educacional, e, ao mesmo tempo, mostra-se incompatível com os princípios que norteiam o processo educativo.
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Cristina Helena Almeida De Carvalho
Introdução
O presente artigo tem como objetivo mapear o fenômeno recente de mercantilização da educação superior brasileira, dado pelo crescimento das Instituições de Educação Superior (IES) lucrativas e a adoção de diversas estratégias de mercado na direção da financeirização, oligopolização e internacionalização.
O predomínio das instituições privadas no Brasil teve início com a Reforma Universitária de 1968 implementada durante o regime militar, que incentivou o surgimento e a manutenção, a princípio, de estabelecimentos isolados. Até então, o segmento privado compunha-se de um conjunto de IES confessionais e comunitárias; e, como não se previa juridicamente a existência de empresas educacionais, todas foram denominadas como instituições sem fins lucrativos e, portanto, beneficiadas pela renúncia fiscal dos impostos sobre a renda, o patrimônio e os serviços, bem como pelo acesso a recursos federais.
Antes disso, na Constituição Federal de 1934, os estabelecimentoseducacionais primários e profissionais ficaram isentos do pagamento de quaisquer tributos. A partir da Constituição Federal de 1946, a figura jurídica da imunidade substituiu a isenção e foi ampliada a todas as instituições de educação. Na redação mais atual que consta da Carta Magna de 1988, destaca-se o
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...]
VI - instituir impostos sobre: [...]
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei.
O arcabouço legal ocultou o avanço no crescimento de grandes estabelecimentos mercantis que foram sendo aglutinados e transformados em universidades sem fins lucrativos. Tal situação perdurou até a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em 1996, quando passou a existir o modelo institucional de estabelecimentos educacionais lucrativos. Conforme consta do texto da LDB (Brasil, 1996):
Art. 20. As instituições privadas de ensino se enquadrarão nas seguintes categorias:
I - particulares em sentido estrito, assim entendidas as que são instituídas e mantidas por uma ou mais pessoas físicas ou jurídicas de direito privado que não apresentem as características dos incisos abaixo;
II - comunitárias, assim entendidas as que são instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas, inclusive cooperativas educacionais, sem fins lucrativos, que incluam na sua entidade mantenedora representantes da comunidade; (Redação dada pela Lei nº 12.020, de 2009)
III - confessionais, assim entendidas as que são instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas que atendem a orientação confessional e ideologia específicas e ao disposto no inciso anterior;
IV - filantrópicas, na forma da lei.
O artigo foi regulamentado pelo decreto n. 2.207/1997, posteriormente substituído pelo decreto n. 2.306/1997, no governo Fernando Henrique Cardoso. Esse aparato normativo estabeleceu uma série de requisitos necessários para diferenciação entre as instituições não lucrativas e as empresas educacionais. Com isso, para aquelas que assumissem a configuração jurídica de instituições lucrativas, a vedação à cobrança de impostos sobre a renda, o patrimônio e os serviços cairiam por terra, assim como o acesso às verbas públicas.
A legislação explicitou a existência até então dissimulada de um processo de mercantilização da educação superior, já diagnosticado por João Silva Júnior e Valdemar Sguissardi (2000)1 e reafirmado por Sguissardi (2008)2 e Romualdo Oliveira (2009), ora entendido como a transformação da educação em mercadoria, cujo preço é determinado pelo mercado com o intuito central de obter lucro em benefício de seus proprietários e acionistas, a despeito das limitações definidas pelo governo federal no que concerne aos reajustes das mensalidades e às sanções aos estudantes inadimplentes.
É importante salientar que embora a imunidade fiscal não fosse mais possível para as instituições lucrativas, a redução dos custos operacionais foi garantida para aquelas que aderiram ao Programa Universidade para Todos (PROUNI) a partir de 2005. Conforme já foi analisado nos trabalhos de Cristina Carvalho e Francisco Lopreato (2005) e de Carvalho (2006), a formulação do programa atendeu às demandas mais urgentes da iniciativa privada e este foi muito bem-vindo pelos estabelecimentos mercantis, na medida em que a adesão voluntária possibilitou a isenção do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e de três contribuições: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS).

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