Por mais que esperneiem os chapabranquistas inveterados e os governistas de maneira geral,
o fato é que a atual conjuntura econômica carrega consigo um grau razoável de incerteza e de insegurança
Paulo Kliass
Paulo Kliass
Notícias preocupantes: crescimento do PIB, setor externo e emprego
É bem verdade que não estamos ainda em um quadro de recessão ou de estagnação econômica, apesar das expectativas de crescimento do PIB para esse ano se apresentarem como muito mais modestas do que as taxas inicialmente previstas pelo governo. A Lei de Diretrizes Orçamentárias, encaminhada pelo Executivo ao Congresso Nacional em meados do ano passado, por exemplo, mencionava um crescimento do PIB de 5,5% em 2013. Hoje em dia, integrantes do próprio Ministério da Fazenda reconhecem que o simples fato de se atingir 2% já pode ser objeto de comemoração.
O equívoco das medidas conservadoras do governo
O cardápio de medidas apresentadas e adotadas pela equipe de Dilma até o momento, no entanto, tem sido muito influenciado pela orientação do conservadorismo. Em um quadro sensível como esse que vivemos, o governo tenta se vangloriar com um discurso que clama pela austeridade fiscal, que propõe cortes nas despesas públicas, que generaliza a concessão de isenções tributárias ao grande capital, que se orgulha pela geração de superávit primário e que tem provocado a elevação da SELIC durante as últimas 3 reuniões consecutivas do Comitê de Política Monetária (COPOM). Ora, elas são o tipo de medida que incentiva a paralisia e não a busca do salto para frente, a saída para a crise. A pretexto de tentar se sair bem na foto e demonstrar uma suposta “seriedade” na condução da política econômica, o que se consegue é promover a aproximação do Brasil às zonas perigosas da retração do nível de atividade.
Porém, os setores ligados aos interesses do capital financeiro não se dão jamais por satisfeitos. Insistem, persistem e repetem “ad nauseam” suas formuletas, supostamente as únicas eficientes para assegurar o equilíbrio macroeconômico. O mais interessante é que seu raciocínio sempre termina com a exigência pura e simples de uma elevação da taxa de juros. E ponto final! Em conjunturas passadas, por exemplo, o argumento esgrimado para que Henrique Meirelles mantivesse a SELIC na estratosfera se ancorava na suposta necessidade de oferecer alta rentabilidade ao capital especulativo internacional e assegurar um fluxo de ingresso de recursos externos em direção às nossas praias. Já nos tempos mais recentes, o argumento utilizado para pressionar por novos aumentos da taxa oficial a cada nova reunião periódica do COPOM tem sido o eterno risco de retorno da inflação.
A manutenção do “tripé” e os juros elevados
Toda a ação no campo da economia está orientada pelo paradigma do famoso “tripé da política econômica”, em vigência desde a edição do Plano Real em 1994. Criado para tentar por fim à espiral inflacionária que assolava o Brasil há muito tempo, o modelo pressupunha: a) meta anual de inflação a ser cumprida pelo governo, com um índice como centro (atualmente fixada em 4,5% ao ano) e uma diferença de 2% para cima e para baixo; b) geração de superávit primário para pagamento de juros e serviços da dívida pública; c) liberdade de fluxo de capitais externos e na formação da taxa de câmbio.
A variável sobre a qual o governo menos tem capacidade de influenciar é o ritmo de crescimento dos preços. Os modelos de macroeconomia que embasam esse tipo de ajuste encaram a inflação como sendo um problema de descompasso entre oferta e demanda de bens e serviços no conjunto da sociedade. Em razão da livre ação das forças no mercado, um determinado volume de demanda agregada maior do que a oferta agregada pode significar fator de desequilíbrio. Em tais circunstâncias, esse fenômeno tende a provocar preços mais altos nos mercados de bens e serviços, em comparação ao que seriam em situação de suposto equilíbrio.
De acordo com esse raciocínio, caberia à política monetária entrar em ação com o intuito de retirar recursos dessa pressão da demanda sobre a oferta. Esse seria o caminho para reequilibrar os preços de uma forma geral e evitar a inflação. E aqui entra o pulo do gato da política monetária contracionista. A hipótese subjacente é que a elevação dos juros operaria como atrativo para parcela desses recursos da demanda, que deixariam de se dirigir ao consumo de bens e serviços e seriam reorientados à poupança, em busca da maior rentabilidade oferecida pelos títulos no mercado financeiro.
Como se pode perceber, trata-se de um mundo completamente idealizado, bastante distante da realidade concreta vivida pela maioria da população de um país chamado Brasil no ano de 2013! As pressões inflacionárias mais recentes não serão resolvidas apenas pelo fato do COPOM aumentar a SELIC, pois a maior parte da pressão sobre a demanda vem de setores que nem tem essa capacidade toda de poupança e muito menos que deixariam de consumir para aplicar seus recursos em títulos oferecidos pelas instituições financeiras. É o caso típico da tão famosa “inflação do tomate” de alguns meses atrás. Os preços recuaram pela dinâmica cíclica da produção e oferta de determinados alimentos.
O “esquecimento” de uma alternativa: depósito compulsório
Mas então, vá lá, sejamos generosos e vamos conceder um crédito a essa hipótese equivocada - que o problema seja realmente o excesso de demanda agregada e que ela deva mesmo ser reduzida. Nesse caso, qualquer manual básico de macroeconomia tradicional oferece uma alternativa à elevação da taxa de juros para se obter o mesmo resultado de redução da pressão da demanda sobre a oferta. Trata-se do aumento da alíquota do depósito compulsório. O interessante é que nenhum desses sábios do financismo - que enchem a boca para defender maior rigidez na condução da política monetária – menciona essa alternativa a ser utilizada pelo governo.
O depósito compulsório é um instrumento já existente na regulamentação de nosso sistema financeiro e prevê que os bancos sejam obrigados recolher junto ao Banco Central um percentual de todos os seus depósitos. A ideia é evitar que os bancos emprestem a terceiros um volume muito grande dos recursos que ali são depositados. Esse mecanismo de controle sobre a chamada “criação monetária” pelo sistema bancário permite, assim, atuar sobre a quantidade de recursos que são canalizados para consumo. Com isso, tem-se uma redução da massa monetária disponível para a demanda agregada. Atualmente, por exemplo, a alíquota de recolhimento compulsório sobre os depósitos à vista nas instituições financeiras é de 44%. Em outros tempos, já foi bem maior. No primeiro semestre de 2003, por exemplo, estava em 60%. Em 1999, oscilou entre 65% e 75%. Ou seja, há espaço para uma eventual mudança.
Assim, se o governo pretende realmente “enxugar a liquidez”, como se diz no jargão do economês, ele pode aumentar o nível do depósito compulsório, ao invés de continuar elevando a taxa oficial de juros. O efeito sobre a redução da demanda agregada será no mesmo sentido. E a maior parte da sociedade ficará agradecida, uma vez que não haverá o enorme impacto negativo sobre as despesas financeiras do orçamento do Estado. Resta saber se há disposição da equipe de Dilma em contrariar os interesses da banca e liberar recursos para despesa orçamentária nas áreas sociais e não para gastos parasitas com o financismo.
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