sábado, 2 de novembro de 2013

SDD, PROS e REDE são ajuntamento de pessoas; não partidos, diz Domingos Dutra


Em entrevista à Carta Maior, o deputado maranhense Domingos Dutra fala sobre sua saída do PT e sua decepção com a Rede de Marina Silva.


Najla Passos
Arquivo
Brasília - Fiel ao PT desde a sua fundação, há 33 anos, o deputado maranhense Domingos Dutra decidiu migrar para o recém criado Solidariedade (SDD), há exato um mês. Antes disso, passou por um traumático flerte com o Rede Sustentabilidade de Marina Silva que, mesmo antes de sair do papel, já o decepcionou profundamente.

Está mais descontente do que nunca com a estrutura partidária que sustenta a democracia brasileira. Além de uma reforma política profunda, com adoção do financiamento público de campanha e do voto em lista, ele agora defende também a bandeira das candidaturas avulsas. “Os partidos têm donos. As direções nacionais determinam tudo. E há um monte de pessoas insatisfeitas”, afirma.

Confira sua entrevista exclusiva à Carta Maior:

Carta Maior - Foi muito traumático esse processo de sair do PT, trabalhar para a criação da REDE e, no último minuto, ter que acabar migrando para o Solidariedade? O senhor está tranquilo com essa decisão?

Domingos Dutra - Tranquilo, não, né? Eu passei 33 anos, 9 meses e 35 dias no PT. Sou fundador do partido tanto quanto o Lula. Nós comemos o pão que o diabo amassou para construir o PT, enfrentando a pobreza, o latifúndio, a oligarquia Sarney. E o que aconteceu foi que o PT foi construído e é o maior partido do Brasil, com mais de um milhão de filiados. Em menos de 25 anos, chegou à presidência da república. É o partido que tem mais tempo de governo democrático no país: já vai para 12 anos, com perspectiva de ter mais quatro. Só que a realidade do Maranhão não mudou.

Nós estamos literalmente fora do mapa do Brasil. É um estado que continua sob o domínio de uma oligarquia de 48 anos, a oligarquia Sarney, com a qual o PT se aliou. E o Maranhão, hoje, é o 26º estado mais pobre, perdendo apenas para Alagoas, que não tem as condições naturais e geográficas que o Maranhão tem.

CM - Como os petistas maranhenses veem essa aliança perene do PT com o PMDB, que vem desde o governo Lula?

DD - A relação entre o Sarney, o PT e o governo é igual à relação do trabalho escravo. Quanto mais o governo paga o apoio do Sarney, mas ele cobra. É uma dívida não declarada que ninguém sabe o tamanho dela. O Sarney controla todos os cargos federais do Maranhão e do Amapá. Ele tem a metade do Banco da Amazônia. É dono do Ministério das Minas e Energia. Debochou do Lula na eleição do Senado. Derrotou Tião Viana [que perdeu a presidência do Senado para Sarney em 2009]. Derrotou a Idely [Salvatti, hoje ministra das Relações Institucionais] para botar o Collor na Comissão de Infraestrutura. Caçou o Jackson [Lago, ex-governador do Maranhão] por 4 a 3 em uma votação dirigida. Elegeu a Roseana [Sarney], tomando o PT do Flávio Dino do PCdoB, através de uma intervenção mais violenta do que a feita no PT do Rio de Janeiro em 1998. O Lula foi o ‘ Jô Soares’ da Roseana na eleição dela, já que a entrevistava em um formato muito parecido de programa. E o Sarney continua cobrando dívidas do PT.

No Maranhão, o partido está sangrando. Eu, que sou o único deputado federal, saí. Também saiu o único deputado estadual. Já havia saído o ex-deputado Saboia [hoje no PSOL]. Saíram vários advogados, profissionais liberais, lideranças sindicais. Todo mundo está saindo, porque o PT está simplesmente no curral eleitoral do Sarney, que usa o tempo de televisão do PT, legitima os programas do governo e usa a figura do Lula e da Dilma nas suas campanhas eleitorais.

CM - Nesse processo de rompimento com o PT, o senhor se aproximou da Rede Sustentabilidade. Continua apostando nesse potencial partido que não conseguiu se viabilizar a tempo das próximas eleições?

DD - Eu me afastei da REDE e acho muito difícil uma perspectiva de volta. O Maranhão foi o estado que mais conseguiu assinaturas para a criação da REDE. Nós colhemos 46 mil assinaturas e certificamos 23,6 mil. Eu fiquei até o julgamento, dia 3/10, e fui, na madrugada, para São Luiz, quando faltavam só três dias para a regularização das filiações. Primeiro, não fui comunicado - nem por telefone e nem por telepatia - das discussões que acabaram levando uma parte da REDE para o PSB. Segundo, eu sempre deixei claro que estava apoiando a REDE, mas que isso não significava minha filiação automática. Eu estava ajudando porque acho que a Marina e a REDE ajudam a qualificar a democracia, mas eu jamais iria prometer filiação sem, ,antes, discutir a situação do Maranhão. E como não deu tempo de fazer discussão quase nenhuma, por conta da prioridade para a coleta de assinaturas, foram surgindo alguns problemas.

A Marina não simpatiza com o PCdoB. Ela cansou de expressar que teria dificuldades de apoiar um candidato do PCdoB, que era a minha opção, por conta do Código Florestal. O segundo motivo é que tem uma deputada do PPS [Liziane] que tentou se filiar à REDE, porque também é evangélica, com o objetivo de disputar o governo do Maranhão. E eu disse à Marina que apoiá-la me causaria novo conflito, porque o grupo do Sarney, que brinda e protege ela, iria me arrebentar como fez quando eu estava no PT. E foi aí que eu notei que a preferência, dentro na REDE, não era por alguém da minha opção, apesar do meu esforço. E o terceiro motivo é que eu sou muito fiel e não teria condições de cuidar do Solidariedade e ainda cuidar da REDE. Então, pedi afastamento da REDE.

CM - A rede está se desfazendo antes mesmo de ser registrada?

DD - Eu tenho visto muita gente saindo, pelos mais variados motivos: porque na sua realidade local a REDE não combina com o PSB ou porque não houve processo de discussão.

CM - Pelo sua experiência, pode-se dizer que a Rede tem optado por nomes de potencial eleitoral imediato ao invés de quadros mais ideológicos?

DD - Infelizmente, houve essa preferência pela deputada Liziane, que tem vantagens que eu não tenho: ela é mulher e é evangélica. E apesar da REDE ter me mandado uma carta pedindo que eu reconsiderasse, o fundamental não foi resolvido: eu achei que deveriam valorizar o esforço, o trabalho, e, embora sem desconhecer e desprezar a resistência que a Marina tem ao PCdoB por conta do Código Florestal e das suas práticas, eu acho que nós fizemos um trabalho meritório que mereceria uma distinção melhor. Além do mais, eu passei 33 anos no PT sempre na disputa. Para eu repetir na Rede o mesmo processo, era preferível eu ficar no PT. Não tenho mais idade. Eu sou guerreiro para fazer a disputa para fora, para enfrentar o latifúndio, o agronegócio, mas para disputar internamente, não. É a política rasteira. Preferi me afastar.

CM- O Solidariedade também é um partido novo que ainda está sendo construído. Como se dá suas relações com as lideranças, com as forças que começam a travar a disputa ali?

DD - O Solidariedade foi criado às pressas, por causa da burocracia que a lei eleitoral exige e das muitas pressões que ocorreram, como aquele projeto de lei que previa que quem mudasse de partido não levaria nada. Eu considero o SDD, como também o PROS e a própria Rede, um ajuntamento de pessoas. Não houve tempo para se conhecer ninguém, saber quem são as pessoas, combinar quais serão as bandeiras. Nada. São siglas partidárias guarda-chuva de insatisfeitos. E isso é responsabilidade do Congresso, que não faz uma reforma partidária e nem uma reforma eleitoral séria. Eu acho que já é hora de se ter candidaturas avulsas, porque os partidos se transformaram em propriedades de alguns. Os partidos têm donos. As direções nacionais determinam tudo. E há um monte de pessoas insatisfeitas.

CM - Para o senhor, que tem uma postura ideológica muito marcada, não é complicado entrar em um partido em que não tem posições muitos claras? Não soa meio como um tiro no escuro?
DD - O que eu conversei com o Paulinho, quando eu resolvi ir para o Solidariedade, é que eu queria ver respeitada a minha agenda. Eu vou continuar defendendo as mesmas causas. E não é porque eu não mude, mas porque a situação do Brasil não está uma maravilha. As pessoas ficam achando que, porque tem aeroportos sendo reformados e campos de futebol sendo construídos por todo canto, está tudo bem, mas ainda têm brasileiros passando fome. A reforma agrária parou no governo Dilma, a questão indígena não está resolvida, as comunidades de terreiro são perseguidas no Brasil inteiro por outras religiões, os quilombolas continuam sem seus territórios demarcados e têm outras demandas urgentes, como a segurança pública. Nessa agenda, o Paulinho garantiu que eu não vou ter censura.

A outra coisa que eu pedi a ele foi que não esperasse que, depois de 33 anos no PT, eu sairia atirando no governo. Afinal de contas, o que o PT é hoje, também tem minha contribuição. Nos acertos e nos erros. Então, eu não vou ser porra louca de achar, agora, que tudo o que o PT fez não presta, que tudo o que o governo fez não vale nada. Tudo isso foi acertado. E o Paulinho tem dito é que eu ajudo a dar uma tonalidade de esquerda ao partido, porque eu me relaciono com moto-taxistas, garimpeiro, quilombola, índio, negro, cigano e todos os desvalidos que ainda estão por aí.

CM - Então, qual o principal acerto e qual o principal erro desse PT que o senhor ajudou a construir? 

DD - Eu acho que a maior conquista do PT foi ter oxigenado os movimentos sociais, ter ajudado a consolidar a democracia. O PT, quando estava na oposição, foi responsável por um combate muito cerrado à corrupção, teve participação muito efetiva na cassação do Collor, na CPI dos Anões e outras. No governo, o PT ajudou a tirar muita gente da pobreza. A política econômica de valorização do mercado interna foi uma política acertada que está protegendo o Brasil. Os programas de assistência, como o Bolsa Família, o Pronaf, no campo, a defesa do pescador, ajudaram bastante a tirar o povo da pobreza. As escolas técnicas federais, a ampliação do acesso às universidades... O PT tem muitos acertos. O maior erro, principalmente do ex-presidente Lula, foi na política: o partido só se aliou com ordinários. Se avançou na política econômica, na política da ética, não. Na questão ética, o PT pisou na bola. 

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